Kersten Knipp
Após o bombardeio americano a uma
base aérea do regime Assad, é possível que a guerra na Síria entre numa nova
fase, com redefinição do jogo de forças. Certo é que os EUA não pretendem ficar
de meros espectadores.
A
vitória militar estava próxima, talvez já estivesse até garantida. De cidade em
cidade, de região em região, nos últimos meses o regime sírio, apoiado pela
Rússia, o Irã e o Hisbolá, vinha retomando o poder, readquirindo controle sobre
os territórios ocupados pelos rebeldes, tanto laicos como fundamentalistas
islâmicos.
"Não
existe outra opção, senão vencer", declarava o presidente Bashar al-Assad
recentemente, em entrevista ao jornal croata Vecernji List. Ele
apresentava a vitória como dever político: "Se não vencermos esta guerra,
a Síria desaparecerá do mapa." Por isso seu governo não tinha alternativa
senão se embrenhar na guerra.
A
entrevista se realizou ainda na semana passada, Por que, diante do triunfo
militar iminente, poucos dias depois o regime de Assad lançou um ataque com gás
tóxico num bairro habitado por civis da cidade de Khan Cheikhun, como sugerem
numerosos indícios, é difícil de explicar.
Em
princípio, para Assad todos os meios são válidos: as vítimas da ofensiva
química se reúnem aos milhões de outros sírios, desalojados, feridos ou mortos
pelo regime, pontifica o jornal Al-Araby al-Jadeed.
No
entanto o regime deveria saber que estava ultrapassando uma "linha
vermelha" com o emprego do gás tóxico. Até porque em 2013 ele já lançara
um ataque químico contra a própria população. O então presidente americano,
Barack Obama, chegou a anunciar que puniria o ato com sanções, mas não
concretizou a ameaça.
De vilão a esperança da oposição
síria
Em tais
circunstâncias, afirma o analista político Abdelrahman al-Rachid, em artigo no
jornal Sharq al-Awsat, um único motivo explica a ofensiva com gás tóxico:
"Os aliados da Síria, sejam os russos ou os iranianos, querem testar o
campo de ação e o poder de determinação de Assad. Possivelmente querem também
tentar debilitá-lo. Afinal de contas, o próprio Trump criticara a fraqueza do
governo Obama por ocasião do primeiro ataque químico."
Embora
russos e iranianos rechacem a tese de um bombardeio químico pelo regime Assad,
agora é patente que a administração Trump está decidida a intervir no conflito
sírio. O ataque com mísseis contra a base aérea síria de Al-Shairat, ordenado
pelo presidente americano na madrugada da sexta-feira (07/04), pode ser
interpretado como uma mensagem, a Assad e a ambas as potências que o protegem,
de que os Estados Unidos não estão mais dispostos deixá-los agirem sozinhos na
Síria e na região.
Essa
dinâmica também já se anuncia no campo diplomático: a embaixadora americana na
ONU, Nikki Haley, caracterizou o presidente sírio como "criminoso de
guerra". Fato que representantes da oposição síria avaliam como sinal
positivo.
"De
repente, vemos que Assad é tratado com mais seriedade por Trump do que foi por
Obama", comenta o oposicionista fundador do Partido da Modernidade e Democracia
Firas Qassas, que atualmente vive exilado na Alemanha. Ele não descarta que a
ofensiva americana possa reverter a atual evolução do conflito em favor dos
interesses da oposição secular síria. "Talvez encontremos em Trump, de
fato, um real parceiro para transformar a Síria num país verdadeiramente livre
e democrático". especula Qassas.
Ação com consequências em aberto
Outras
vozes são menos otimistas. Abdel Bari Atwan, influente colunista da revista
online Rai al-Youm, teme que possa ocorrer uma escalada militar, inclusive
com uma confrontação entre os EUA e a Rússia, "que poderá se prolongar por
anos e adotar uma trajetória imprevisível".
Certo
está que há muito em jogo no Oriente Médio. A Síria é o epicentro de um
confronto envolvendo protagonistas nacionais, regionais e internacionais. Agora
Washington pode ter dado um passo que fará o conflito até então latente
desembocar em embate aberto.
Escrevendo
para o jornal Al Hayat, a analista Raghida Dergham presume: Trump pode ter
reconhecido que, no contexto da atual situação, não há campo para negociar com
seu homólogo russo, Vladimir Putin. Além das razões internas – após uma série
de derrotas na política doméstica, Trump precisa urgentemente de vitórias –
essa urgência tem sobretudo motivos externos, já que o resultado da guerra da
Síria poderá acarretar uma reorganização fundamental da região – para
desvantagem dos EUA.
Caso
Assad vença, Teerã estará significativamente mais perto da meta de uma faixa de
terra de dominação xiita, indo desde
o Irã até o Líbano. "A administração Trump não pode aceitar a ligação
estreita de Moscou com a Síria e o Irã", explica Dergham. "Pois, em
troca de seu engajamento do lado de Moscou, o Irã exigirá que a Rússia abone o
projeto da lua crescente xiita."
E isso é
justamente o que os EUA, tradicionalmente aliados das nações sunitas, não podem permitir. O país já
perdeu grande parte de seu peso político, sobretudo durante os anos Obama, e
poderá cair ainda mais, caso mantenha um curso reticente.
Agora
Trump reagiu, numa ação com consequências em aberto. Muito é possível, observa
Abdelrahman al-Rashid: o ataque poderá suscitar confrontos diretos entre os EUA
e a Síria, assim como os aliados desta, ou o recrudescimento do terrorismo
xiita. Também não estão descartados ataques contra alvos dos EUA no Iraque e
sequestros de cidadãos americanos no Líbano, enumera o politólogo árabe.
DW – Deutsche Welle
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