Carlos Alberto
Sardenberg
(*)
Tem muito capitalismo de amigos
mundo afora. Na América Latina então... Nisso o Brasil está na frente: só aqui
tem Lava-Jato
De
Marcelo Odebrecht, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, tal como está gravado:
“Essa questão de eu ser um grande doador, de eu ter esse valor, no fundo, é o
quê? É também abrir portas .... Toda relação empresarial com um político
infelizmente era assim, especialmente quando se podia financiar. Os empresários
iam pedir. Por mais que eles pedissem pleitos legítimos — investimentos, obras,
geração de empregos — no fundo, tudo que você pedia, sendo legítimo ou não,
gerava uma expectativa de retorno. Então, quanto maior a agenda que eu levava,
mais criava expectativa de que eu iria doar tanto".
Eis uma
demonstração prática do “capitalismo de amigos". Não por acaso, o codinome
de Lula na contabilidade de propinas da Odebrecht era “Amigo”, segundo informou
o próprio Marcelo.
Nesse
tipo de sistema não importa se o “pleito” é legítimo ou não. Pleito, entende-se
pelo conjunto da delação, é o projeto de uma obra, aqui ou no exterior, ou um
financiamento em banco público ou uma vantagem “legal” para a empresa — uma
legislação que a beneficie, por exemplo.
Num
regime capitalista competitivo, se fosse tudo legítimo, como Marcelo Odebrecht
diz ser sua agenda, não haveria necessidade de um “pleito” ao governo, aos
políticos que o controlam. Já no capitalismo de amigos, o “pleito” é
indispensável, primeiro porque quase tudo depende do governo — de concessão de
obras a financiamentos. Segundo, porque os políticos armavam o balcão de
negócios dada a necessidade de arrumar doadores para as campanhas eleitorais.
Reparem
que a defesa de muitos dos acusados vai mais ou menos assim: qual o problema?
Era um projeto legítimo, bom para o Brasil, e depois o empresário fazia uma
doação para a campanha, às vezes no caixa dois, certo, mas apenas um pequeno
deslize. Errado, claro. A necessidade de pleito legítimo abre a possibilidade
dos ilegítimos. E com isso, desaparece a diferença entre o legítimo e o
ilegítimo. Se tudo precisava ser um pleito aprovado pelo governo, por que
empresas e políticos se limitariam aos projetos legais e bons para o país?
Por
exemplo: se uma obra tem uma restrição ambiental, era mais fácil resolver o
problema com um pleito em Brasília do que com um projeto técnico.
Construir
plataformas para a Petrobras? Um bom pleito e boas contrapartidas levariam a
diretoria da estatal a fazer as necessárias encomendas.
Um
financiamento para obras em Angola? Melhor falar com quem tem poder sobre o
banco público do que batalhar o crédito no mercado, digamos, normal.
E,
finalmente, se o conjunto pleito/ doação resolve, por que limitar o preço da
obra? Uns bilhões a mais, quem vai notar?
E há um
outro efeito nessa história toda. Mais do que eliminar a diferença entre o
legítimo e o ilegítimo, entre o bom projeto e o roubado, esse capitalismo dos
amigos transforma tudo em corrupção, traição e safadeza.
Por
exemplo: a empresa apresenta ao ministro o pleito de um financiamento no BNDES.
O ministro diz ok e manda a empresa seguir com a agenda, que é apresentar a
proposta formalmente ao banco.
Digamos
que os técnicos do banco aprovem, tecnicamente. O ministro vai dizer isso ao
empreiteiro ou vai assumir a paternidade e, pois, as doações?
Isso
coloca todo mundo sob suspeita, desmoraliza toda a ação pública. Não é de
admirar que as pesquisas mostrem o desprezo da população por tudo que se
aproxima de governo, políticos e grandes empresas.
Tem
mais. Como, no final, tudo tem que ser feito em segredo, em departamentos
especiais, enfim, num imenso caixa dois, a esperteza corre solta. Podem
apostar: deve estar rolando briga feia entre clientes da Odebrecht. Imaginem a
bronca: quer dizer que era só um milhão, é? E onde estão os outros três que o
Marcelo delatou?
Tudo
considerado, está aí uma das principais causas da baixa produtividade da
economia brasileira. Vale o pleito, não eficiência.
E por aí
se vê o feito inédito da LavaJato. Desmontou a velha tese do “rouba mas
faz" que, na versão moderna, apareceu como “pleito legítimo/doações de
campanha".
O tiro
fatal foi quando o pessoal de Curitiba sustentou —e o STF aceitou — que mesmo
os recursos do caixa um, formalmente declarados, podiam ser e frequentemente
eram ilegais, propina — tudo resultante de um sistema econômico e político que
distribuía dinheiro público para os amigos em geral.
Tem
muito capitalismo de amigos pelo mundo afora. Na América Latina, então...
Nisso, pelo menos, o Brasil está na frente. Só aqui tem Lava-Jato.
O Globo
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: os fatos narrados sobre a
promiscuidade entre o público e o privado não são novos; assim como o
surgimento de um Martinho Lutero e outros iluminados no início do século XVI
deu por terminada a Idade Média, o surgimento de um Sérgio Moro no enredo dará
por terminado o velho Brasil e o início de uma nova era.
Para que isto efetivamente ocorra,
tem que se encarar um novo paradigma para a arte de fazer política e evoluir com
a democracia – processo contínuo -, que é o objetivo já há 42 anos do projeto Capitalismo
Social.
Não confundir a proposta de
Capitalismo Social com capitalismo de estado, democracia-social, liberalismo e
menos ainda com socialismo.
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