Fernão Lara Mesquita
Aposentadorias
e “Benefícios de Prestação Continuada” (BPC) pagos a funcionários “incapacitados”
representam 54% do gasto da União. A folha do funcionalismo ativo outros 41%.
Sobram 5% para financiar todos os investimentos publicos. Nos estados e
municípios é tal a fome dos marajás que nem para pagar a parcela do
funcionalismo que, bem ou mal, de fato “serve” o público, tem sobrado.
A carga
de impostos é de 36% do PIB e o deficit de pelo menos outros 10%. São 46% do
PIB, mais de R$ 2 trilhões e 500 bilhões, apropriados anualmente pelo estado,
R$ 2 trilhões e 375 bilhões dos quais (95%) consumidos com salários,
aposentadorias, pensões, bolsas e quejandos. Um oceano dentro do qual tudo
quanto se roubou em todos os anos investigados pela Lava Jato e, provavelmente
nos séculos 20 e 21 somados ou talvez, até, de 1500 até hoje, vira uma gota ou,
vá lá, um balde d’água.
Não é
preciso mais nada para explicar porque estamos arrebentados. Um simples olhar
para as parcelas dessa conta basta, também, para tornar instantaneamente lógica
a aparente confusão política em que vivemos.
Quinze
dias atras Marcos Mendes e Mansueto Almeida, Secretário de Acompanhamento
Econômico da Fazenda, publicaram na Folha de S. Pauloextenso artigo
destrinchando aspectos centrais da reforma da previdência. Todo servidor se
aposenta com 100% do que ganhava no ultimo dia de trabalho, coisa inédita no
mundo. (Na verdade costumam ter uma ou duas “promoções” pouco antes de cruzar a
linha aos 50 anos). Com 30 anos ou mais pela frente de puro desfrute, camadas
sucessivas se vêm acumulando. Todas essas aposentadorias têm sido “reajustadas”
muito acima da inflação junto com os salários dos servidores ativos (esses com
aumentos contratados até 2020 no meio do pânico do resto do Brasil). Já os
súditos no país real “se aposentam” com 70% do ultimo salário (que paga imposto
a partir de R$ 2 mil e poucos) e continuam trabalhando até morrer pois se já
viviam no limiar da miséria com 100%, que dirá com 70%. Essa situação é tão
generalizada que o governo está criando o Regime Especial para o Trabalhador
Aposentado isentando o trabalho na velhice de alguns impostos. Aposentadoria “por
tempo de serviço” aos 50 anos é, portanto, um luxo exclusivo dos donos do
estado. A maioria se aposenta antes disso, aliás, graças aos “regimes especiais”,
mais uma das inumeras formas de roubo legalizadas com que nos sangram,
exatamente semelhante aos “auxílios” e outros apelidos que dão a pedaços do
salário para aumenta-lo alem do teto e sonegar imposto, só que aplicado ao
tempo contado para se aposentar.
Pensões
por morte são outro luxo hereditário exclusivo do marajalato. Custam 3% do PIB
no Brasil quando o padrão mundial é abaixo de 1%. 32% dessas pensões são pagas
a funcionários que já recebem aposentadoria. 73% vão para apenas 30% dos
domicílios, todos na categoria dos de maior renda do Brasil. O gasto com “Benefícios
de Prestação Continuada” (BPC) pagos a “incapacitados”, valendo em média 10
Bolsas Família cada, cresceu de R$ 14 bilhões em 2003 para R$ 49 bilhões em
2016. A maior parte foi conseguida por ação judicial, dispensando, portanto, a
evidência de dedos ou membros faltantes ou outras deficiências perceptiveis a
olho nu. Só juizes, mais de 10 mil dos quais recebem acima do teto
constitucional e, frequentemente, salários acima de seis dígitos, e “peritos
judiciais”, foram capazes de “enxerga-las”. 43% dos BPC pagos vão para a faixa
dos 40% mais ricos do Brasil.
Vai por
aí o escárnio e, por essas e outras, a maioria dos servidores públicos federais
está na faixa dos 1% mais ricos do Brasil e quase nenhum está aquém dos 5% mais
ricos. Isso antes de contar as frotas de jatos, as dezenas de milhares de
automoveis, os planos de saude eternos e as mordomias mil que a favela paga
para os palácios.
Uns
poucos, muito poucos, entre esses abusos seriam coibidos pela reforma da
previdência proposta por Michel Temer que, por ter ousado tanto, está, com
todos os seus “negociadores” de reformas no Congresso, varejado de delações e a
um passo de ser apeado da presidência.
O
problema brasileiro é “biodegradavel”. Expostos os dados ao sol a unica
resposta decente, a única resposta aritimeticamente possivel, impõe-se por si
só. A sobrevida da “privilegiatura” depende estritamente, portanto, de
mante-los escondidos sob uma barragem a mais ruidosa possivel de mentiras. Não
é por outra razão que a luta pelo poder se tem resumido à luta pelo controle
dos meios de difusão de “narrativas”, o novo nome da mentira, seja pela
martelação da discurseira sem contraditório daquela gente sinistra dos “horários
gratuitos”, seja pelo “aparelhamento” de escolas e redações. Agora querem dar o
golpe final fechando o último canal de expressão sem “tradução” da voz do povo
com essa “lista fechada”.
Meu
coração tem tentado mas meu cérebro recusa-se a se convencer de que é apenas
ingênua e distraída essa justiça sem prioridades que, sempre em perfeita
afinação com a imprensa e consonância com o tramite das reformas, arregala um
olho para ladrões individuais de milhões mas sistematicamente fecha os dois
para a ladroagem coletiva de trilhões sem o fim da qual o Brasil não se salva.
O
passado condena? Pode ser. Mas a verdade é que Temer não pode dizer a verdade
num pais onde ninguém mais diz a verdade. Como não é dele, é do Brasil que se
trata, é preciso lançar uma campanha impessoal para demonstrar, sem eufemismos,
a relação direta de causa e efeito entre cada marajá excluído da reforma e cada
aumento de imposto, e entre cada aumento de imposto e cada emprego a menos. O
Brasil precisa ser instado a fazer as escolhas que lhe restam sabendo
claramente quem custa quanto ao estado brasileiro, o quê pode ser trocado pelo
quê, quanta dor adicional e quanto alívio podem ser contratados pelo mesmo
dinheiro escasso. Sem isso, fica fácil demais para lobos se apresentarem como
cordeiros e bandidos como mocinhos enquanto nos empurram, todos juntos, para o
ponto de onde não ha mais retorno.
VESPEIRO
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