Cristiano Romero
Adesão a movimento será maior no
serviço público
As
centrais sindicais prometem promover, na sexta-feira, "greve geral"
com o objetivo de protestar contra a tramitação de duas reformas institucionais
propostas pelo governo: a trabalhista e a previdenciária. De antemão, já está
claro que as categorias que mais vão aderir ao movimento são as do serviço
público. A tática é paralisar principalmente os transportes, impedindo que a
maioria dos trabalhadores saia de casa para trabalhar.
A
participação de funcionários públicos tem um lado anedótico - quando era
sindicalista, o ex-presidente Lula costumava dizer que, sem corte de ponto, greve
de funcionário público é férias - e outro bem mais sério. Quando se debatem
contra mudanças na superdeficitária Previdência, os empregados do serviço
público estão apenas defendendo seus interesses, que eles sabem contrários ao
da maioria da população brasileira.
Em 2003,
Lula chegou ao poder e, em poucos meses, enviou ao Congresso Nacional projeto
de emenda constitucional propondo a unificação das regras de aposentadoria de
funcionários públicos e trabalhadores celetistas (INSS). Parte da base parlamentar
de apoio ao governo e toda a oposição simplesmente não entenderam aquilo:
"Como? Lula quer acabar com privilégios dos funcionários públicos?".
A
perplexidade se justificava: os sindicatos das principais categorias do
funcionalismo eram filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao
PT. A curiosa aliança existente entre partidos de esquerda e sindicatos do
funcionalismo se deu no Brasil porque, nos estertores da ditadura, ambos tinham
em seus discursos a defesa de um Estado forte, centralizador e intervencionista
- o Estado que os militares criaram, inchado e razão primeira das injustiças
sociais que grassam no país, e que já estava falido desde a crise da dívida
externa, em 1982.
A
batalha para a aprovação da PEC de 2003 foi renhida e custou a Lula, num
primeiro momento, um naco do PT. Inconformada com a reforma, a então senadora
Heloísa Helena liderou um pequeno motim e fundou o PSOL, partido que conseguiu
se notabilizar no campo da esquerda por empunhar bandeiras mais anacrônicas que
as do PT.
Embora
nos tempos de sindicalismo tenha defendido algumas teses modernas, como o fim
do imposto sindical e a regulamentação do direito de greve para funcionários
públicos, Lula sentiu o golpe. Ao considerar excessivo o custo político da
aprovação daquela reforma, o então presidente tomou uma decisão com sérias
consequências para as finanças públicas nos anos seguintes: sem anunciar
oficialmente ao distinto público, ele desistiu de regulamentar a reforma que
aprovou em 2003.
A
reforma de Lula instituiu a contribuição dos aposentados para a previdência -
medida que o governo de Fernando Henrique Cardoso não conseguiu aprovar no
Congresso - e estabeleceu que, a partir da regulamentação daquela emenda
constitucional, quem entrasse no serviço público passaria a se aposentar pelas
regras do INSS até o teto e, se quisesse, complementaria aquele valor
contribuindo para um fundo de pensão a ser criado pela União. Na prática, a
reforma de Lula acabava com uma velha injustiça: a aposentadoria integral dos
funcionários públicos.
Mas, sem
regulamentação, apenas a contribuição dos inativos passou a vigorar. Lula ficou
mais sete anos no cargo, durante os quais, ordenou que esquecessem a reforma
que ele aprovou com enorme dificuldade no Congresso. Nesse período, contratou
dezenas de milhares de funcionários públicos, e estes vão se aposentar pelas
regras antigas.
Numa das
poucas decisões sensatas de sua ruinosa gestão, a ex-presidente Dilma Rousseff
regulamentou a reforma da previdência promovida por Lula. A empreitada era
fácil: bastava passar, por maioria simples, lei ordinária instituindo o fundo
de pensão que administraria a aposentadoria complementar dos funcionários
contratados a partir da vigência da nova lei - e assim foi criado o Funpresp.
Uma
nota: a desistência de regulamentar a reforma da previdência foi o primeiro
sinal de que não era para valer a intenção de Lula e do PT de abraçar o
pragmatismo e reformar as ideias econômicas da esquerda. A partir dali, Lula se
convenceu de que era preciso fazer um aceno à esquerda, ideia que se tornou uma
obsessão em 2005, com o escândalo do mensalão que o enfraqueceu e quase o tirou
da presidência. A ascensão de Dilma, que estava à esquerda de todos no PT, se
deu justamente naquele momento - como a história é irônica, Dilma regulamentou
a reforma "neoliberal" de Lula, mas também destruiu sua herança na
macroeconomia por considerá-la desde sempre... "neoliberal". Vá
entender...
O tema
previdenciário voltou porque não há futuro para o Brasil sem mudanças drásticas
no regime atual. De saída, é preciso considerar uma questão de natureza ética -
as diferenças ainda existentes entre as regras aplicadas a trabalhadores do
setor privado e do setor público - e outra, atuarial: o Brasil é um dos poucos
países do mundo onde é possível se aposentar aos 50 anos, sendo que a
expectativa de vida dos brasileiros é superior atualmente a 70 anos.
Quanto
maior a expectativa de vida e menor a idade de aposentadoria, mais tempo o
Estado terá que arcar com os rendimentos dos aposentados. Mesmo tendo uma
população relativamente jovem, o Brasil gasta com previdência o equivalente a
quase 13% do PIB. O déficit anual é crescente (dados de 2016): R$ 151,9 bilhões
no INSS e R$ 78,5 bilhões no regime dos servidores.
A
temporada, claro, é rica em argumentos que, se fossem levados em conta, não
reduziriam o rombo real em um centavo sequer. Alguns, por exemplo, fazem a
seguinte afirmação: a previdência quebrou porque JK usou dinheiro da
previdência para construir Brasília e também porque as empresas devem bilhões
de reais ao INSS - a maioria dessas firmas não existe mais e as que existem e
devem não pagam por absoluta incapacidade; outras não pagam porque a cobrança é
ineficiente.
Outro
argumento: o regime próprio de previdência dos servidores públicos é
deficitário porque a Constituição obrigou o governo a bancar as aposentadorias
de funcionários que nunca contribuíram e fez o mesmo, no regime geral (INSS),
com os aposentados rurais. Se essas benesses fazem parte do pacto social inscrito
na Constituição e todos vivemos sob a égide da Carta Magna, logo, todos devem
pagar por ele e não apenas os setores da sociedade não representados em
Brasília.
Valor Econômico
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