BBC
Discurso patriótico e tom
nacionalista caracterizam o movimento "identitário", que pode ajudar
a candidata Marine Le Pen
A
França, apesar de sua reputação de ser um bastião do liberalismo progressivo,
está na vanguarda de um crescente movimento europeu de extrema-direita.
Marine
Le Pen, uma eurocética que pode muito bem liderar o primeiro turno das eleições
presidenciais francesas, no dia 23, está se beneficiando de uma insurgência
populista que têm crescido ao longos dos últimos 15 anos.
Os temas
dessa insurgência são familiares na era de Donald Trump e do Brexit (a saída do
Reino Unido da União Europeia): preocupação com a classe trabalhadora, apoio a
valores tradicionais e oposição à imigração e à interferência supranacional.
Porém, a
característica mais distinta do "surto patriótico" da França é a sua
juventude. Diferentemente de seus contemporâneos nos EUA e no Reino Unido, os
franceses com menos de 30 anos são mais nacionalistas que o restante da
população.
Na ponta
radical do movimento estão os "identitaires", ou identitários - o
equivalente à "alt-right" (direita alternativa) americana.
Quem são os identitários?
O
carro-chefe do movimento é o Geração Identitária (GI), grupo que se especializa
em truques publicitários em vídeo e postados nas redes sociais para divulgar
uma "luta pela reconquista do território francês", que o movimento
afirma ter sido "perdido para imigrantes".
O GI tem
120 mil fãs no Facebook - quase o dobro do registrado pelas alas jovens do
Partido Socialista, de esquerda, e dos Republicanos, de centro-direita,
combinadas. Ao contrário de movimentos mais radicaais, como os skinheads, o
grupo faz ações sem violência. O smartphone, eles descobriram, é mais poderoso
que o porrete.
Ao
seguir o grupo de ativistas distribuindo flyers em París, porém, fica claro que
eles adoram confrontos verbais. Seu líder, Pierre Larti, 26, fica rodeado de um
grupo de homens vindos do norte da Africa.
Estranhamente,
para um grupo apaixonado por diferenciações nacionais, o GI está se ramificando
pela Europa. Mas os identitários veem todo continente como um campo de batalha
entre a Europa e a cultura islâmica.
Jean-Yves
Le Gallou, ex-membro do Parlamento Europeu, fala que há uma luta por identidade
"civilizacional". "Seja você holandês, alemão ou francês, você
tem o mesmo problema e têm alguns dos mesmos pontos de vista sobre o
mundo".
Le
Gallou, de 69 anos , produziu um vídeo chamado "Ser Europeu", marcado
pelo frase "A Europa não é um espaço globalizado e sem fronteiras. A
Europa não é um país Africano ou Islâmico". O vídeo foi visto mais de 3,2
milhões de vezes no YouTube em menos de dois anos - três vezes mais que
"Sendo Francês", vídeo em que ele enaltece sua terra natal.
O site
de Le Gallou, Polemia, está na ponta mais intelectual do espectro identitário.
Na década de 1970, ele era um dos líderes do "Nouvelle Droite" (Nova
Direita), um grupo influente de pensadores de extrema-direita.
Mas sem
a internet, Le Gallou e outros não teriam uma audiência massiva.
Seus
alertas em relação à "Grande Substituição" de pessoas locais por
imigrantes são uma área proibida para a mídia tradicional.
Espalhando a mensagem online
Excluídos
pelo mainstream, os identitários têm prosperado online ao longo da última
década. Uma das estrelas é o Fdesouche, um agregador de notícias que destaca
links de artigos e clipes de sites de notícia selecionados para descrever o que
classifica como caos em regiões habitadas por imigrantes.
O Fdesouche
recebe cerca de 3 milhões de visitas por mês, batendo os sites de políticos
tradicionais. Emmanuel Macron, um centrista com acompanhado por um grupo de
hipsters devotos e que disputa a liderança das intenções de voto com Le Pen,
recebe menos de 1 milhão.
O
sucesso do Fdesouche gerou um enxame de imitadores e rivais. Uma linha divide
os novos identitários, que veem islâmicos como a principal ameaça, dos
tradicionalistas, que acreditam que principal força do mal no mundo é o
sionismo.
O antissionista
mais proeminente é Alain Soral. Seu site, E&R - Égalité et Reconciliation
("Igualdade e Reconciliação") - amarra temas nacionalistas e de
esquerda ao pedir solidariedade para pessoas de países pobres.
Soral
rejeita a acusação de que seja antissemita. Acredita que há uma clara distinção
entre "judeus comuns" e o que ele chama de lobby judeu organizado,
que diz estar perseguindo-o. Soral simpatiza com os franceses nativos, mas
acredita que identitários estão se focando no alvo errado.
"Ao
incitar brancos pobres a se voltar contra negros e islâmicos, eles estão
fazendo o trabalho dos sionistas", disse à BBC. Soral é regularmente
processado por incitação ao crime. Mas ele não é peixe pequeno. O E&R tem
mais leitores que o Fdesouche, e é, por algumas métricas, o site político mais
popular da França.
Várias
partes da alt-right online podem estar atacando de diferentes direções, mas o
alvo é sempre o estabelecimento político e midiático. Esse ressentimento não
pertence à esfera do movimento identitário periférico, ou à pessoas que vivem
em regiões supostamente negligenciadas pelo governo central.
A
oposição às elites liberais e a preocupação com o "desaparecimento das
fronteiras" estão sendo cada vez mais exibidas no coração de Paris.
Em
Sciences Po, uma instituição que visa treinar a nova geração de governo, os
alunos eurocéticos criaram um clube, Crítica da Razão Europeia (CRE). Seu
líder, Nicolas Pouvreau, diz que o grupo conseguiu "criar um espaço
eurocético seguro em um ambiente que permanece hostil".
Outra
integrante, Sarah Knafo, disse que o crescimento da popularidade da Frente
Nacional (FN), o partido de Marine Le Pen, fez com que o grupo ganhasse um
relutante respeito no campus. "Nós representamos algo maior que nós
mesmos, e as pessoas não ousam nos desprezar tanto quanto elas faziam
antes."
A
vitória do Brexit no Reino Unido no passado entusiasmou os membros da CRE. Na
manhã seguinte ao plebiscito de 23 de junho, eles se reuniram do lado de fora
da embaixada britânica para tomar champanhe e cantar o Hino Nacional britânico,
God Save the Queen.
Racismo
contra brancos
Além da
hostilidade contra a União Europeia, membros do CRE consideram que fluxos
migratórios e comerciais possar ser uma fonte de desintegração social.
Não
seria correto taxar o CRE como de extrema-direita. O grupo concentra ativistas
nacionalistas tanto da direita quanto da esquerda que têm mais em comum umas
com as outras do que com os moderados de seus respectivos campos.
Kevin
Vercin, outro aluno e membro do CRE, que apoia o candidato presidencial de
esquerda Jean-Luc Mélenchon, é tão hostil ao multiculturalismo quanto os
conservadores do grupo.
Tendo
morado em um subúrbio com grande população de imigrantes, ele disse que foi
frequentemente chamado de "branco sujo" e que a imprensa tradicional
nega a realidade do "racismo contra brancos".
Por mais
impopular que seja, tais sentimentos são disseminados entre os que deixaram os
"subúrbios de imigrantes". "Já sofri por ser branco", diz
Ugo Iannuzzi, estudante da Universidade Sorbonne.
"Frequentemente
chorei. Costumava ir à escola com medo no estômago. Você começa a se sentir mal
por ser branco, por ser francês e gostar de suas origens, pois começa a
apanhar, ter o celular roubado e os óculos esmagados".
Iannuzzi
apoia a Frente Nacional. Mas seu ressentimento contra as elites políticas e
midiáticas espelha os de esquerdistas como Vercin.
Geração
perdida
Alexandre
Devecchio, jornalista e autor de um livro sobre as diferentes tribos de jovens
rebeldes franceses, chama todos aqueles preocupados com a erosão da identidade
de "geração Zemmour". Eric Zemmour é um influente autor e
apresentador que diz que a revolta de 1968 levou a França à ruína.
Muitos
dos jovens entre os vinte e trinta anos, argumenta Devecchio, concordam com
Zemmour, pois eles se sentem desiludidos. Nascidos depois da queda do muro de
Berlim, esperava-se que eles florescessem em uma sociedade aberta e inserida em
uma Europa pacificada, pós-histórica.
"Quando
eu leio esse panfleto, eu entendo que você não me quer aqui", diz um.
"O que nós não queremos é a substituição dos nossos valores por valores
islâmicos", responde Larti.
"A
França é historicamente um país cristão. Eu não estou criticando ninguém. O que
acontece nas tuas terras é negócio teu. O que acontece aqui é nosso. Nós somos
contrários à colonização, e é por isso que não queremos que o mesmo fenômeno
aconteça ao reverso".
"Para
essa geração, a realidade não seguiu o script", disse Devecchio à BBC.
"O
que eles têm experimentado é desemprego, trabalhos incertos e um senso de falta
de segurança física e cultural em áreas onde o islamismo radical está em
alta", argumenta o jornalista.
Poderiam
os identitários e a geração Zemmour, mais ampla, ajudar Marine Le Pen a vencer
a eleição?
No
momento, isso aparenta ser pouco provável. Le Pen não possui o endosso de um
grande partido político e a expectativa é que ela perca contra qualquer
oponente no segundo turno. Mas ela pode se consolar com o fato de que as
pesquisas de opinião têm subestimado o apoio de líderes populistas.
Altos
índices de abstenção também poderão ajudá-la. O instinto de agrupar em torno de
qualquer candidato que disputar contra o FN é mais fraco agora que no passado -
em 2002, por exemplo, quando o pai de Marine, François Le Pen, foi derrotado
por Jacques Chirac.
Pesquisas
sugerem que metade dos eleitores que apoiam o candidato de esquerda linha-dura
Jean-Luc Mélenchon iriam ou se abster ou apoiar Le Pen em um segundo turno
contra Emmanuel Macron.
E mesmo
que ela perca a corrida, o revés poderia ser temporário se o oponente vitorioso
fracassar ao tentar executar reformas. O "identitarismo" se alimenta
de pessimismo. Os rebeldes patrióticos do país são jovens e tem o tempo do seu
lado.
G1
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