Maria Cristina
Fernandes
Industriais escancaram hipocrisia da
Fiesp
O
anúncio foi publicado em fundo amarelo-pato. Por meio dele, a Fiesp anunciou
ontem aos leitores dos principais jornais do país que decidira apoiar o fim do
imposto sindical. Havia chegado a hora da meritocracia, dizia. Por isso, a
entidade, em respeito à coerência, decidira aceitar a navalha na própria carne.
Em
artigo, também publicado ontem, na "Folha de S.Paulo", três
dirigentes industriais, Horácio Lafer Piva, Pedro Luiz Passos e Pedro
Wongtschowski, expuseram a profundidade da navalhada. No texto, o ex-presidente
da Fiesp, e o atual e o ex-presidente do Iedi afirmam que a proposta tirará dos
sindicatos trabalhistas R$ 2,1 bilhões, referentes ao dia de salário que os
trabalhadores pagam compulsoriamente.
O
projeto, dizem, também vai abolir a versão patronal deste imposto que, no
cálculo dos industriais, somou R$ 934 milhões, distribuídos, em 2016, para
entidades como Fiesp, CNI e CNA. Não está escrito lá, mas o livro-caixa da
Federação das Indústrias de São Paulo registra que a fatia a ser subtraída da
instituição, com seu desprendido aval, representa 10% do seu orçamento.
As contribuições
que, de fato, mantêm essas entidades, estão salvaguardadas pelo texto da
reforma. A receita do Sistema S hoje soma R$ 16 bilhões, o equivalente a 17
vezes a quantia que as entidades patronais vão abrir mão com o fim do imposto
sindical. A navalha não vai provocar um arranhão sequer.
As
entidades que patrocinaram a ascensão de Michel Temer à Presidência da
República vão ganhar uma legislação trabalhista para chamar de sua a custo de
uma gorjeta. O desmonte do corporativismo é parcial. Quem diz isso são os
signatários do artigo: "Se os empresários desejam fazer valer princípios
de eficácia, foco em resultados, clareza nas relações com a sociedade e redução
de custos e de burocracia, está na hora de defendê-los, enfrentando um tema
sobre o qual muito se fala e pouco se faz".
Lafer
Piva, Passos e Wongtschowski depenaram o pato. Cobraram o fim da contribuição
compulsória (0,2% a 2,5% da folha de salários) e atribuíram ao desvirtuamento
de seus objetivos originais de formação técnica dos trabalhadores a construção
de instalações que definiram com quatro adjetivos: suntuosas, megalômanas,
anacrônicas e dispendiosas. Essas anomalias, dizia o artigo, deslegitimaram
direções que não prestam contas de seus gastos, se eternizam no poder e não são
conduzidas por industriais de verdade.
O pato
está depenado mas respira. O mandato do presidente da Fiesp, Paulo Skaf,
símbolo-mor desse baronato industrial que só fabrica distorções, acaba no fim
do ano. Apesar de ter mudado o estatuto para poder completar 14 anos no cargo,
dificilmente terá condições políticas de fazê-lo.
O
aparelhamento da Fiesp, iniciado pelas candidaturas de Skaf ao Senado e ao
governo do Estado, culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Foi na defesa de recursos para sua campanha que o presidente Michel Temer mais
se expôs nas conversas com os empreiteiros que agora delatam na Lava-jato.
Seu
modelo de liderança empresarial se esvazia num momento em que o prefeito de São
Paulo, João Dória, escancara suas ambições de se tornar o principal
representante da categoria nas eleições de 2018. O arcabouço corporativista
sobre o qual Skaf está montado, no entanto, ainda custará a ser desfeito, em
grande parte, pelas vantagens que dele auferem uma ampla rede de aliados.
Colecionador
de acórdãos do TCU sobre as contas do Sistema S, o senador Ataídes Oliveira
(PSDB-TO) tem, na ponta do lápis, os valores de depósitos bancários bilionários
das entidades registrados, inexplicavelmente, com rendimentos abaixo daqueles
auferidos por cadernetas de poupança. No início do mês, o senador conseguiu
assinaturas suficientes para votar, em regime de urgência, projeto que
destinava 30% das rendas do Sistema S para a Previdência. A máquina peemedebista
do Senado conseguiu fazer sumir os signatários da noite para o dia.
Algo
parecido já havia sido tentado, sem sucesso, pelo ex-ministro da Fazenda do
governo Dilma, Joaquim Levy. Acabou rechaçado pelos mesmos partidos que hoje se
encastelam na base de Temer e resistem à reforma da Previdência sem oferecer
alternativas para saneá-la. Pelo grau de informalidade no trabalho previsto nos
textos da terceirização e da reforma trabalhista podem provocar o pior dos
mundos para a seguridade social: achatam sua arrecadação e se opõem a mudanças
para reduzir suas despesas.
O
Sistema S não entrou na reforma trabalhista a despeito de ser uma contribuição
compulsória recolhida por entidade sindical porque dele se alimenta todo o
sistema partidário. Desde a posse de Temer, apenas o PT foi destronado das entidades
que presidia, mas PMDB, PSDB, PTB e PSD ainda mantêm sob sua influência as
grandes confederações patronais que gerem entidades de toda a cadeia produtiva.
O fim do
imposto sindical trabalhista vai fechar entidades trabalhistas de fachada e pôr
um freio na proliferação de centrais que se valem do cartório sem nada
representar. É resquício de um Estado que se valeu da organização sindical para
amortecer conflitos e agrupar contingentes de trabalhadores num país que
começava a se industrializar.
Os grandes
sindicatos do país, principalmente aqueles da CUT, não serão muito afetados
pelo fim do imposto sindical. Mas a medida não vai abalar apenas as entidades
de gaveta. A representação sindical, principalmente dos trabalhadores menos
qualificados, será afetada no momento de maior mudança da história da
Consolidação das Leis do Trabalho. A principal inovação, a possibilidade de as
empresas negociarem acordos diretamente com os trabalhadores sem representação
sindical tanto pode ser uma porta aberta para a produtividade quanto para a
corrupção.
Se os
cartórios forem desmontados pela metade não se poderá falar de uma nova relação
entre capital e trabalho. Será apenas mais um capítulo de uma história há muito
conhecida por quem, desde sempre, paga o pato.
Valor Econômico
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