Fernando Eichenberg
(*)
O candidato do movimento de esquerda
radical na França, Jean-Luc Mélenchon, cresceu nas pesquisas na reta final e
virou alvo de adversários por ter chances de ir ao segundo turno no
domingo.
PARIS-
Um clima de Guerra Fria surgiu na França desde que Jean-Luc Mélenchon, candidato
nas eleições presidenciais pelo movimento de esquerda radical França
Insubmissa, cresceu nas pesquisas de opinião a ponto de poder reivindicar uma
passagem ao segundo turno no próximo domingo e uma eventual vitória na disputa
pela sucessão do presidente François Hollande. A perspectiva de que Mélenchon
possa se tornar o próximo inquilino do Palácio do Eliseu provocou temores —
“verdadeiros ou simulados”, como apontam analistas — no mercado financeiro e em
investidores, ressuscitando antigos discursos contra a “ameaça comunista”. Seus
principais adversários na corrida presidencial passaram a considerá-lo como um
sério concorrente e alvo privilegiado de ataques.
Sem
deixar de responder aos críticos, o autoproclamado candidato “antissistema”
prossegue sua campanha reunindo centenas de milhares de pessoas em seus
comícios, apresentando-se como a única e real opção de ruptura com o atual
modelo político e econômico.
— Hoje
se fala no “risco Mélenchon” para os bancos e o sistema financeiro. Que risco?
Eu sou perigoso? — ironizou ontem o próprio candidato, num de seus encontros
com eleitores.
O
candidato direitista François Fillon acusou-o de “sonhar em ser o capitão do
encouraçado Potemkin (navio russo palco de um motim em 1905, tema do célebre
filme do cineasta Serguei Eisenstein), mas que acabará negociando a sucata do
Titanic”. O presidenciável centrista Emmanuel Macron chamou-o de
“revolucionário comunista”, e a líder da extrema-direita, Marine de Le Pen, do
partido Frente Nacional (FN), de “imigracionista absoluto”. Já o jornal
conservador “Le Figaro” não hesitou em rebatizá-lo de “Chávez francês”, em
alusão ao falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, e “Maximilien Ilitch
Mélenchon”, numa combinação dos nomes do revolucionário Maximilien Robespierre
(do período do Grande Terror da Revolução Francesa de 1789) e de Vladimir
Ilitch Lenin (um dos líderes da Revolução Russa de 1917).
Para
Bruno Cautrès, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), é
preciso distinguir o medo exagerado e fantasioso das reais consequências na
hipótese de uma vitória Mélenchon.
— Se ele
ganhar a eleição presidencial, a França não vai retroceder no tempo e passar à
dominação soviética. Mélenchon se reivindica como alguém de tradição gaullista,
numa posição nacional típica, mas com uma tonalidade da cultura da esquerda, na
ideia de independência e da não submissão aos EUA. Já em relação à Europa, no
entanto, o caso é outro.
AMEAÇA DE SAÍDA DA UNIÃO EUROPEIA
O
programa de Jean-Luc Mélenchon prevê uma renegociação dos atuais tratados
europeus, com o abandono da austeridade e um incremento de investimentos em
políticas públicas. Em caso de fracasso no estabelecimento de novas regras,
numa anunciada queda de braço com a chanceler federal alemã, Angela Merkel, ele
ameaça com o Frexit, a saída da França da União Europeia (UE), a exemplo do que
ocorreu no Reino Unido.
— Uma
parte da esquerda francesa acusa a Europa pelas políticas de restrição
orçamentária e de austeridade na França. Mélenchon não é o antieuropeu visceral
da FN, que acentua a soberania e a identidade nacional. Nele, temos a
combinação entre a tradição intelectual da esquerda internacionalista e um
discurso crítico em relação à Europa liberal e suas instituições. Mas é verdade
que, oferecer todos os benefícios sociais que promete, só será possível via
renegociação dos tratados europeus ou pela saída da Europa — diz Cautrès.
Em nível
nacional, Mélenchon prega a diminuição do idade de aposentadoria de 62 para 60
anos; aumento da remuneração do funcionalismo público e do salário mínimo — dos
atuais € 1.150 para € 1.326 — ou um maior rigor na aplicação da lei de 35 horas
de trabalho semanais, com possível redução a 32h. O Observatório Francês das
Conjunturas Econômicas (OFCE) avaliou o programa econômico do candidato como
incoerente, acusando-o de não levar em conta as obrigações externas e as
finanças públicas do país.
— É verdade
que seu programa econômico não se adéqua muito aos limites da França, que já
possui uma dívida pública muito importante, de mais de € 2 trilhões. Mas além
de econômica, trata-se também de uma questão ideológica. Mélenchon fez uma boa
campanha, e uma boa parte do eleitorado decidiu mostrar que a esquerda não está
morta. O tema desta eleição é o “sistema”, principalmente após as denúncias de
corrupção (contra François Fillon). Há uma tendência de “varrer o sistema”, o
que explica em parte a dinâmica Mélenchon — conclui Cautrès.
Em duas
pesquisas divulgadas ontem, Mélenchon aparecia com 18% de intenções de voto.
Macron mantinha-se em primeiro, com 24% e 22%, em empate técnico com Le Pen,
que obtinha 23% e 22%. Já Fillon vinha com 21% e 19,5%.
O Globo
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: é triste constatar que no
Ocidente os países ditos democráticos oscilem entre extrema-direita e esquerda.
Tanto no aspecto econômico como no social, ainda estamos entre a dicotomia
liberalismo x comunismo, como se qualquer um dos dois já não tivessem provado
sobejamente que não são solução. Comunismo então, só não foi enterrado,
justamente pela insistência do liberalismo em não se modernizar.
Enquanto os liberais insistirem
nessa proposta suicida, de que o trabalhador braçal e sempre mal remunerado tem
que morrer à míngua, sem assistência, e que está correto o lucro se concentrar nas
mãos de poucos, o marxismo, este defunto insepulto, continuará rondando e
ameaçando as pseudo democracias do ocidente.
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