ROCÍO MONTES
(*)
Sistema que foi seguido por outros
países é contestado por chilenos. Aposentadoria atual de 91% da população é
inferior a 760 reais
O
sistema previdenciário privado implantado no Chile em 1981, durante a
ditadura de Augusto
Pinochet, que inspirou reformas em outros países e ganhou apoiadores do
modelo no Brasil, hoje não tem grandes defensores na sociedade chilena. Desde o
ano passado, quando um escândalo envolvendo a mulher de um conhecido deputado
socialista expôs as injustiças desse mecanismo, um intenso debate se instalou
no país andino, e a discussão promete ser um dos temas centrais da campanha
presidencial de 2017. Myriam Olate, a mulher do parlamentar, recebia uma pensão
equivalente a 25.400 reais por mês por pertencer à Gendarmería (departamento
prisional), uma das instituições que oregime militar resguardou
ao alterar o sistema, há 36 anos. Em contrapartida, 91% da população recebe
menos de 760 reais por mês de aposentadoria.
A trama
das pensões na Gendarmería e nas Forças Armadas e policiais, que está sendo
investigada pelo Ministério Público, não só contribuiu para a queda da ministra
da Justiça da presidenta Michelle Bachelet,
Javiera Blanco, como também impulsionou o nascimento de um movimento social. A
coordenadoria No
+ AFP [“basta das administradoras dos fundos de pensões”], formada por
diversas entidades de todo o Chile, conseguiu convocar centenas de milhares de
pessoas para as ruas do país a fim de exigir que as autoridades se comprometam
a substituir um sistema que é deficiente para a imensa maioria dos cidadãos. Em
24 de julho do ano passado, cerca de 100.000 pessoas, só em Santiago,
participaram de um protesto que exigia a criação de um novo mecanismo. As
manifestações foram sempre pacíficas e familiares, com a presença de crianças e
adultos, e se repetiram em várias cidades.
O modelo
privado de pensões em vigor no Chile, baseado na capitalização individual, não
existia em nenhum outro lugar do mundo até 1981, embora, com o passar do tempo,
tenha sido implementado em outros países (Malawi, Kosovo e República
Dominicana, Israel, Hong Kong e Austrália, que tem uma renda básica de 959
dólares, ou 2.900 reais).
De
acordo com a legislação, os trabalhadores dependentes são obrigados a reservar
10% de sua renda mensal para a aposentadoria. As mulheres começam a receber o
benefício aos 60 anos e os homens aos 65. O dinheiro é gerenciado por
administradoras de fundos de pensões (AFP), que investem essa poupança na bolsa
de valores e outras ferramentas financeiras, supostamente com o objetivo de
obter rentabilidade. O trabalhador tem a opção de colocar o seu dinheiro em
diferentes fundos, que variam conforme o risco, e na hora de se aposentar
recebe uma pensão calculada com base na sua poupança individual.
Diferentemente
do que acontece no
modelo de previdência adotado no Brasil e na grande parte dos países,
não há aportes dos empregadores nem do Estado, a não ser no caso de pensões
mais baixas. Tampouco existe um sistema de solidariedade formal por parte dos
trabalhadores ativos para com a população mais velha que vai se aposentando.
A
principal crítica ao sistema das AFP é que, no momento de se aposentar, o
dinheiro que os trabalhadores recebem é muito reduzido e mal dá para viver em
um país onde serviços básicos como saúde e ensino público vivem uma crise. Em
2015, a presidente Bachelet recebeu o relatório da comissão Bravo, que estudou
o sistema de pensões e propôs algumas saídas para se chegar a uma solução. De
acordo com os especialistas, quando se comparam o salário recebido por uma
pessoa nos últimos 10 anos com o dinheiro de sua aposentadoria, este chega a
apenas 45% daquele, isso se houver um aporte por parte do Estado. Se não houver
nenhum aporte complementar, como ocorre na maioria dos casos, a taxa chega a
apenas 34%.
A
comissão fez algumas projeções. Embora os criadores do sistema tenham previsto
que em 2020 as pessoas se aposentariam com 100% de seus vencimentos na ativa,
metade daqueles que contribuíram entre 25 e 33 anos receberá pensões
equivalentes a 21%.
O
mecanismo de pensões implementado pela ditadura tem origem privada, está
vinculado à seguridade não social, mas sim individual, e se assemelha a uma
espécie de poupança obrigatória. Para a população e para as autoridades, a
crise profunda do sistema é uma evidência: 91% dos chilenos aposentados recebem
no máximo 235 dólares (726 reais), que representam apenas dois terços do salário
mínimo do Chile. No caso das mulheres, em que os problemas são agravados pela
fragilidade do mercado de trabalho feminino, 94% das aposentadas ganham menos
ainda, segundo dados da Fundação Sol,
uma organização dedicada a questões de trabalho, sindicalismo e educação.
Embora
os salários no Chile sejam muito baixos, as AFP recebem muito dinheiro todos os
meses. Em 2014, por exemplo, as administradoras pagaram em pensões o
equivalente a apenas dois quintos das contribuições feitas pelos trabalhadores
no mesmo período. Como não se trata de um sistema de distribuição e o dinheiro
não é usado para pagar pensões, os outros três quintos são usados em
investimentos. As AFP alegam que graças a essas operações é que se gera rentabilidade
para as próprias pensões dos trabalhadores, mas a realidade não mostra que a
poupança cresce ao longo do tempo. De acordo com os críticos do sistema privado
em vigor no Chile, o dinheiro acaba se voltando para o investimento em grandes
grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, motivo pelo qual se torna muito
difícil obter qualquer mudança.
EL PAÍS
(*) Comentário do editor do
blog-MBF:
- Fundos de Pensão (empresas
estatais) geridos por sindicalistas indicados pelos políticos, vão a falência,
como de fato aconteceu, não apenas agora.
- Fundos de Pensão geridos pela
iniciativa privada – bancos -, trazem um retorno pífio, pois o grosso do lucro
fica com a diretoria e os acionistas do banco.
- FIPS – Fundo de Investimento e
Previdência Social, proposta em Capitalismo Social, é um fundo privado
totalmente gerido pelos trabalhadores. Todo
retorno é para os contribuintes do Fundo. Não é para sustentar governos e
políticos de plantão, nem empresas privadas (bancos).
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