Martin Wolf
(*)
O Plano
Marshall é encarado, corretamente, como uma das mais bem sucedidas ações de
diplomacia econômica na História. No entanto, o dinheiro não era seu ponto mais
importante. Em lugar disso, o mais importante foi que o plano permitiu que a
Europa Ocidental, devastada pela guerra, deixasse para trás a bilateralidade no
comércio internacional, que empobrece os dois lados.
O plano
o fez ao pôr fim à escassez de dólares que motivava a ênfase em sistemas
bilaterais de compensação de transações. Institucionalmente, isso foi
conseguido por meio da criação de uma união de pagamentos europeia, integrada à
Organização para Cooperação Econômica Europeia. Isso levou a conversibilidade
nas contas correntes e mais adiante ao mundo do comércio multilateral liberal,
que todos hoje aceitamos como uma constante.
Os
nacionalistas econômicos que são influentes no governo de Donald Trump
presumivelmente criticariam essa realização de seus predecessores. Preferem
contas balanceadas bilateralmente a contas balanceadas multilateralmente, no
comércio internacional; bilateralidade em lugar de multilateralidade, na
política econômica; e exercício unilateral do poder dos Estados Unidos a uma
cooperação institucionalizada.
Devemos
ser gratos por as catástrofes dos anos 30 terem desacreditado os proponentes de
visões nacionalistas e protecionistas igualmente estreitas. É horripilante
imaginar o que teria acontecido caso essas pessoas tivessem exercido
influência. Elas estavam desesperadamente erradas, então. E estão erradas hoje.
Devem ser derrotadas. Nosso destino depende disso.
Em 1945,
Howard Ellis, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, publicou um
importante estudo sobre os perigos da bilateralidade, que então era a norma no
comércio internacional. No estudo, ele concluiu que "a bilateralidade é,
em muitos aspectos, a forma de restrição mais condenável imposta ao comércio
internacional".
O que
justifica essa afirmação? Considere o que nossas economias nacionais seriam se
cada empresa tivesse de balancear compras e vendas com cada parceiro comercial.
O processo seria insanamente dispendioso - na verdade, insano e só. O dinheiro
existe para permitir uma divisão do trabalho imensamente mais complexa, e com
ela o balanceamento do valor da renda diante dos gastos na economia como um
todo.
O
comércio internacional permite que a mesma coisa aconteça transnacionalmente, o
que gera mais prosperidade, como afirma Richard Baldwin em "The Great
Convergence". A troca da bilateralidade pela multilateralidade, quase 70
anos atrás, foi o ponto de partida para a explosão do comércio internacional
que propeliu o crescimento mundial.
Em uma
economia multilateral, balanços bilaterais não importam. É claro que limitações
orçamentárias gerais ainda o fazem. Mas o fato de que eu esteja sempre em
deficit com o supermercado mais próximo não deveria me preocupar (ou preocupar
o supermercado), desde que eu não esgote os meus recursos totais.
Foi em
boa parte por essa razão que a estrutura mundial da diplomacia do comércio foi
criada para ser não discriminatória e multilateral. Ela também buscava combinar
a liberalização do comércio internacional à conversibilidade cambial,
inicialmente no nível de conta corrente.
Mas na
construção desse regime mundial, existia igualmente a compreensão de que há uma
diferença política importante entre comércio interno em um país e comércio
entre países; este último envolve estrangeiros, sempre alvo de desconfiança.
Assim, a melhor maneira prática de regular os compromissos relacionados ao
comércio internacional era a reciprocidade. A combinação entre não
discriminação e reciprocidade se tornou, desse modo, a fundação do regime de
comércio internacional do pós-guerra.
Isso
tudo é ótimo, dizem os nacionalistas atuais, mas o comércio internacional ainda
assim não é balanceado. Alguns países registram vastos superavits e outros
registram vastos deficit. Superavits são predatórios, e deficit são ruinosos. E
isso precisa mudar, eles dizem. A bilateralidade, insistem, é a maneira certa
de fazê-lo porque os desequilíbrios nas contas bilaterais se tornaram imensos,
hoje.
É uma
análise fortemente equivocada. Para começar, não existe maneira de assegurar
comércio bilateral equilibrado a não ser por interferência constante - e
constantemente variável - nas decisões de empresas privadas e indivíduos. De
fato, o resultado de um sistema como esse seria uma economia planejada.
É
ridículo que essa ideia seja proposta por um governo teoricamente dedicado à
liberalização econômica. Segundo, a ideia se tornaria um jogo no qual, sempre
que os Estados Unidos tentassem reduzir seu deficit com relação ao país A,
provocariam elevação do deficit com relação ao país B ou C, porque a origem das
importações seria desviada.
Terceiro,
o resultado seriam regras de comércio internacional impossíveis de administrar,
complexas e incertas. Se todos os membros da OMC (Organização Mundial de
Comércio) regulamentassem seu comércio com cada parceiro bilateralmente, seria
necessário que existissem mais de 13 mil acordos bilaterais de comércio
internacional. Isso seria uma loucura. A abordagem destruiria todos os acordos
existentes, criando o caos na política comercial.
Como
aponta Stephen Roach, deficit e superávits em conta corrente são fenômenos
macroeconômicos —um ponto que escapa aos assessores protecionistas de Trump. Os
saldos positivos e negativos representam a diferença entre a renda agregada de
um país e seus gastos, ou entre sua poupança e seus investimentos. Os chineses
e os alemães gastam proporção menor de suas rendas, e os norte-americanos
proporção maior. Roach argumenta que estes últimos deveriam ser mais prudentes,
em lugar de jogarem a culpa nos estrangeiros.
Roach
está certo, em termos gerais, mas não completamente. Se uma economia muito
grande, como a dos Estados Unidos, elevasse substancialmente o seu nível de
poupança interna, em um momento de taxas de juros mundiais tão baixas e de
demanda tão fraca, isso causaria recessão mundial.
No
passado, argumentei que os gastos insustentáveis dos norte-americanos propeliam
a demanda mundial antes da crise financeira de 2007-2008. Nesse contexto, o
excedente de poupança da China, Alemanha e alguns outros países é causa de
preocupação mundial porque nos faltam maneiras de absorvê-lo em forma de
investimentos produtivos e sustentáveis em outros lugares.
Assim,
os desequilíbrios gerais são uma questão legítima de política pública, como
argumentava John Maynard Keynes. Mas não há como resolvê-los por meio de
acordos bilaterais. Esse caminho resultará em políticas ineficientes e gerará
má vontade venenosa.
É
necessário resolver a questão dos desequilíbrios multilateralmente, porque eles
são um fenômeno multilateral. Além disso, seria muito mais produtivo tratar
deles por meio de política macroeconômica e da conta de capital do que por meio
do comércio internacional. A bilateralidade que o governo Trump hoje alardeia é
uma ilusão. Não vai funcionar. Mas causará grandes danos. É necessário
sepultá-la.
Financial Times
Tradução
de PAULO MIGLIACCI
(*) Comentário do editor do
blog-MBF:
“Os nacionalistas econômicos que são influentes no
governo de Donald Trump presumivelmente criticariam essa realização de seus
predecessores.”
O pessoal que assumiu o controle do
balanço de pagamentos dos EUA não afirmaram que são contra a multirateralidade
e a favor da bilateralidade, e sim de que precisam por a casa em ordem.
A globalização da forma que estava
sendo praticada, estava sendo favorável, e foi, apenas para os tigres asiáticos,
que partiram do anonimato e chegaram ao topo, e para os acionistas das
multinacionais.
O que adianta ao consumidor
americano pagar barato por uma mercadoria de qualidade duvidosa, se não tem
mais dinheiro para comprar, por estar desempregado ?
Por que os EUA deveriam continuar
sustentando uma balança comercial totalmente desfavorável, com a venda de
títulos públicos para os chineses ? Eles já possuem mais de 3 trilhões de
dólares de títulos americanos. Um absurdo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário