Claudia
Safatle
Faltarão R$
350 bi para cumprir "regra de ouro" em 2019
O governo está raspando os cofres para cumprir a "regra de
ouro" das finanças públicas este ano e há boas razões para acreditar que
conseguirá. Para 2019, no entanto, a situação é preocupante. Estima-se, na área
econômica, que haverá uma insuficiência de recursos da ordem de R$ 300 bilhões
a R$ 350 bilhões para assegurar a obediência à essa regra.
No início deste ano faltavam R$ 203,4 bilhões. Agora ainda há um
buraco de R$ 181,9 bilhões para atravessar 2018 sem comprometer o governo com a
desobediência de uma norma constitucional.
Para obter esses recursos o ministro do Planejamento, Esteves Colnago,
explicou que conta com R$ 100 bilhões da devolução antecipada do empréstimo do
Tesouro Nacional ao BNDES, quase R$ 27 bilhões do Fundo Soberano e outros R$ 16
bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) - criado em julho de 1986
com o dinheiro de um empréstimo compulsório sobre consumo de gasolina e álcool
que não foi devolvido à sociedade. Os dois fundos (Soberano e FND) acabam.
Cabe ao governo, portanto, encontrar mais R$ 38,9 bilhões e os
técnicos oficiais buscam nos cofrinhos de cada repartição pública esses
recursos, seja trocando de fontes ou subtraindo outros fundos como fez com o
Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), do qual retirou, este ano,
cerca de R$ 7 bilhões de superávit financeiro.
A "regra de ouro" foi colocada na Constituição de 1988 pelo
então deputado César Maia, pai do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ). Ela determina que as operações de crédito não podem exceder o valor
das despesas de capital (gastos com investimentos, inversões financeiras e
amortizações da dívida pública). O governo, portanto, não pode aumentar a
dívida pública para financiar despesas de custeio da máquina administrativa,
pagar folha de pessoal e benefícios previdenciários, entre outros gastos
correntes. Em uma linguagem bem coloquial, não é permitido ao governo vender o
almoço para pagar o jantar.
Nos tempos da superinflação, quando a Constituição foi escrita, não
havia dificuldade para cumprir essa determinação. No período em que se gerava
superávit primário, também não. O problema começou a aparecer em 2016, com a
profunda deterioração fiscal que ocorreu a partir de 2013.
Na corrida contra o tempo para garantir o cumprimento da "regra
de ouro" este ano, os técnicos têm até o fim de agosto e início de
setembro como prazo limite, pois nas "cabeças " do trimestre é que se
concentram os pesados vencimentos da dívida interna, explicou Colnago.
Uns R$ 30 bilhões devem ser obtidos com o cancelamento de restos a
pagar de obras não realizadas. Outros R$ 7 bilhões foram descobertos por
técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) numa conta da reserva monetária
do Banco Central, relativa aos tempos em que, até 1988, era o BC que recolhia o
IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), hoje da alçada da Receita Federal.
Está nas mãos do TCU a liberação do uso de "royalties" do
petróleo para compor o volume de recursos necessários. Dependendo da forma como
o tribunal autorizar o acesso ao superávit financeiro da conta de royalties, a
medida poderá render entre R$ 8 bilhões e R$ 12 bilhões. Inicialmente o TCU
entendia que esse era um recurso com vinculação constitucional, mas esse
entendimento veio mudando ao longo do tempo.
A soma dos restos a pagar mais o IOF e royalties do petróleo pode
atingir algo entre R$ 45 bilhões e R$ 49 bilhões. Com receio de ter uma
surpresa de última hora, o Planejamento trabalha com uma folga de recursos para
assegurar os R$ 38,9 bilhões.
Superado o drama deste ano, as atenções se voltam para a proposta
orçamentária de 2019, que será encaminhada em agosto ao Congresso Nacional.
Conforme consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que ainda não foi
votada, o orçamento terá um volume considerável de despesas obrigatórias cujo
pagamento estará condicionado à receita de operação de crédito.
O próximo presidente terá que encaminhar ao Congresso um projeto de
lei de crédito especial ou suplementar ao Orçamento que, se aprovado,
autorizará à União emitir títulos da dívida para pagar as despesas
obrigatórias. As despesas candidatas naturais a ficarem condicionadas são as
duas mais pesadas do Orçamento: pagamento de benefícios previdenciários e folha
de salários da União.
Isso significa, de certa forma, que a "regra de ouro" fica
temporariamente suspensa até que o novo governo, que será eleito em outubro,
consiga construir uma solução estrutural para o rombo das finanças públicas.
Há uma discussão entre a área econômica do governo e técnicos do
legislativo sobre que despesas poderiam ficar condicionadas à um novo
endividamento. Há quem defenda, por exemplo, que os gastos obrigatórios só
entrem na lista depois de zeradas as despesas discricionárias. É importante
ponderar, nesse caso, que isso significaria um "shut down" - um
desligamento da máquina do Estado totalmente desordenado e com consequências
imprevisíveis.
Não há, porém, como cumprir a "regra de ouro" sem medidas
duras. O dinheiro do pagamento antecipado dos empréstimos ao BNDES acabou, os
cofrinhos que ainda existiam estão sendo todos abertos e as moedas contadas.
A solução para 2019 - que pretende dar ao próximo presidente da
República um tempo mínimo para equacionar o rombo fiscal - foi buscada na
própria Constituição de 1988. Ela permite que o governo emita dívida em
montante superior às despesas de capital desde que seja para pagar financiar um
gasto específico.
Para tanto, o governo precisa encaminhar ao Congresso um projeto de
lei de crédito suplementar que tem que ser aprovado por maioria absoluta. Na
proposta devem ser listadas são as despesas condicionadas e, pelo tamanho do
gasto que representam. será difícil não incluir os pagamentos de aposentadorias
e os salários dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Como se vê, a situação fiscal é dramática e não está claro se os
candidatos à presidência têm consciência desse quadro.
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário