Editorial
A
economia brasileira está bem protegida dos estragos que a valorização do dólar
vem produzindo e que nesta semana levaram a Argentina à enfermaria do Fundo
Monetário Internacional. A grande vulnerabilidade brasileira é o crescente
endividamento público. Mas, diferentemente de países que foram derrubados por
alta de juros nos EUA e do dólar, como o México em 1995 e a Argentina de novo
agora, a dívida pública interna brasileira têm baixa participação de
investidores estrangeiros (menos de 20% do total) e está denominada em reais.
Isso retira um elemento vital de pressão em depreciações agudas da moeda local.
Na
comparação com as crises recentes, há diferenças favoráveis fundamentais. Na
crise de 2002, quando Lula estava prestes a ganhar a eleição, não havia
reservas robustas - menos de um décimo dos US$ 381,6 bilhões de ontem - e a
inflação estourou as metas. Em 2008, já em meio ao furacão da crise
internacional, entre o terceiro e quarto trimestre do ano o real se depreciou
42%, as reservas estavam na casa dos US$ 200 bilhões, mas a economia se
aquecera, com crescimento de 5,2% e a inflação se aproximara do teto da meta,
com 5,9%.
O início
do ciclo de desvalorização do real tem como motor a normalização da política
monetária americana, potencializada pela queda forte do diferencial entre juros
domésticos e nos EUA. Mas não apenas há reservas em excesso, inflação de menos,
ancorada e abaixo do piso da meta - em 12 meses encerrados em abril, o IPCA é
de 2,76% - como uma economia convalescente de uma recessão brutal, com
significativo hiato do produto a ser fechado.
O dólar
começou a deslizar para um novo nível que ninguém sabe qual é. O ponto de
partida é importante e até abril a taxa efetiva de câmbio pelo IPCA estava
alinhada com a de junho de 1994, isto é, em tese nem valorizada nem depreciada.
Tomando como base o IPA-DI ainda estava razoavelmente apreciada.
Uma das
mais importantes questões colocadas pela desvalorização do real é se ela exige
uma resposta da política monetária e de qual intensidade. O Banco Central se
sente confortável em sinalizar com mais uma redução, desta vez de 0,25 ponto
percentual, na taxa Selic, apesar do estresse dos investidores no mercado de
câmbio. E não teria por que mudar de posição. Os efeitos sobre a inflação
tendem a ser pequenos, dependendo obviamente da duração e da magnitude da
desvalorização. Em um cenário de crise, como o de 2015, com depreciação de
18,9% no primeiro trimestre do ano, e com o IPCA em doze meses até março de
9,39%, o passthrough estimado foi de 0,105 ponto para cada 1% de depreciação
cambial, a longo prazo (Fabrizio Marodin e Marcelo Portugal). É de se supor que
a força da transmissão aos preços seja ainda menor com a inflação ancorada e
muito baixa e uma economia com grande capacidade ociosa.
Se a meta
de inflação não está até agora ameaçada, resta ver os mecanismos de alimentação
da desvalorização. Até o momento não tem havido problemas de liquidez no
mercado à vista e a demanda pelo dólar decorre da maior procura por hedge. O
fluxo cambial líquido até abril foi o melhor em muitos anos - saldo de US$
14,39 bilhões - e posição vendida em dólar dos bancos no mês foi a menor pelo
menos desde 2015 (US$ 6,3 bilhões). O BC iniciou um programa de oferta de swaps
cambiais que pode chegar a uma colocação líquida de US$ 3 bilhões até o fim de
maio. O estoque de swaps é de US$ 24 bilhões e pode ser ampliado para suavizar
os movimentos de valorização.
As
incertezas sobre o ritmo da elevação de juros do Fed já estão em boa parte nos
preços dos ativos. Não se prevê mais do que três altas no ano, com o fed funds
chegando a 2,5% em 2018. Esse é um cenário previsível, que em pouco tempo,
porém, dará lugar às especulações sobre o resultado totalmente imprevisível da
eleição presidencial no Brasil. Uma nova rodada de desvalorização, ou a mesma,
prolongada, pode estar a caminho. Com o quadro de hoje, não há razão para que o
BC deixe de reduzir os juros mais uma vez e então interrompa o ciclo de
estímulo monetário. Muitos investidores gostariam de ver no BC o mesmo grau de
angústia com que estão operando no mercado. O BC não tem motivos para isso e
ainda dispõe de um amplo espaço de manobras no caso de uma crise maior - que
pode não ocorrer.
Valor Econômico
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