G.A. – S.C.
Novo alvo da Lava Jato mora no
Paraguai desde 2014, onde se naturalizou, e é amigo do presidente Horacio
Cartes. Doleiro foi citado nos escândalos do Banestado, Mensalão e Swiss Leaks
O
doleiro Dario Messer, procurado pela Interpol e alvo da Operação Lava Jato nesta
quinta-feira, construiu um currículo invejável no obscuro mundo do mercado
financeiro ilegal. Acusado de ter coordenado um esquema que movimentou
mais de 1,6 bilhão de dólares em 52 países, ele foi chamado pelo
colega de profissão e delator Alberto Youssef de
“o doleiro dos doleiros” no Brasil. Toninho Barcelona, outro gatuno das
transações por baixo dos panos, disse que ele era “o principal doleiro do
Partido dos Trabalhadores”. Mas sua atuação é alvo da polícia muito antes do PT
chegar ao poder e também inclui outros partidos. Desde os anos 1990, tem a
Justiça em seu encalço. Mesmo assim, ampliou seus tentáculos e fincou raízes no
Paraguai, onde tem relação estreita com o milionário presidente desse país,
Horacio Cartes, que se refere a ele como “um irmão”. Cartes, na verdade, já era
velho conhecido do pai de Dario, Mordko Messer, que teria ensinado o ofício de
doleiro ao filho.
É difícil
mencionar um escândalo de corrupção brasileiro no qual Messer não tenha ajudado
a azeitar as negociações e pagamentos. Segundo informações do
Ministério Público Federal, ao menos 1 bilhão de dólares teriam sido
movimentados pelo doleiro entre 1998 e 2003. Mas o nome de Dario veio à tona a
partir das investigações do caso Banestado (antigo Banco do Estado do Paraná),
ocorrido na segunda metade dos anos de 1990 e que envolveu remessas de dinheiro
ilegais para o exterior via contas correntes, onde Alberto Youssef, o mesmo que
deu o ponto de partida à Lava Jato, era personagem central. O relatório final
da Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou o escândalo do banco paranaense
recomendou, em 2004, o indiciamento de Messer por sua atuação no envio de
valores para outros países. A menção ao seu nome o elevou ao status de gigante
do setor.
Durante
o mensalão foi
acusado de receber dólares petistas em uma de suas empresas offshore localizada
no Panamá. Em troca,
repassou quantia equivalente a uma conta no Banco Rural que seria utilizada
pelo PT e pelo PP. O esquema teria contado com a participação de outro
veterano em escândalos, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Messer
também não é estranho aos escândalos internacionais. Seu nome apareceu nas
planilhas vazadas do banco HSBC, no caso conhecido como Swiss
Leaks. A quantia localizada em sua conta corrente, no entanto, destoa dos
grandes valores movimentados pelo doleiro: apenas 69.000 dólares. Não existem
provas de que o dinheiro depositado tinha origem ilegal.
Na
condição de doleiro mor no Brasil, Messer servia como fiador de
transações realizadas por outros doleiros menores, fazendo com que, ainda que
indiretamente, ele tivesse participação em centenas de operações ilegais. Por
isso as autoridades brasileiras o consideram uma espécie de “instituição
financeira” própria. Segundo a revista Veja, por exemplo, o doleiro
Benjamin Katz, tido como um dos operadores do ex-deputado Eduardo Cunha,
era cliente de Messer. Ele também teria participado do esquema que lavou
dinheiro para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
O ofício
de intermediar remessas, empréstimos e pagamentos no exterior escapando do
radar do fisco e sem ser detectado pelas autoridades foi aprendido com o pai, o
polonês Mordko Messer, considerado um pioneiro no ramo dos doleiros e morto em
data desconhecida. A família chegou a ser dona de um banco, o Dimensão, e
possui casas de câmbio e outros empreendimentos no Brasil, Paraguai e os Estados
Unidos. É proprietária de um apartamento de dois quartos no Upper East Side, em
Manhattan, um dos bairros mais nobres de Nova York.
Dario
Messer tem moradia fixa atualmente no Paraguai, para onde se mudou quando a
operação Lava Jato começou, em 2014. “Até ontem (quarta-feira), ele tinha toda
a liberdade de se movimentar de um lugar a outro pois não tinha nenhuma
restrição”, disse ao EL PAÍS Luis Arias, delegado da Interpol em Assunção, capital
paraguaia. Segundo ele, Messer tinha uma carta de naturalização desde que
chegou ao Paraguai, documento este que veio depois de as autoridades paraguaias
levantarem os antecedentes de Messer no Brasil. Segundo a Interpol brasileira,
ele não respondia a problemas judiciais no país àquela altura. “Foi assim que
ele conseguiu sua naturalização”, completa Arias. A Interpol paraguaia recebeu
nesta quinta a notificação contra Messer e agora o Ministério Público deve
solicitar a um juiz a captura internacional do doleiro. Veículos paraguaios
informaram que a polícia acredita que ele está no pais mas que a Interpol não
conhece seu paradeiro concreto.
Conexão paraguaia
As
relações da família Messer com o presidente paraguaio, Horacio
Cartes, são antigas. Durante evento do Congresso Mundial Judeu em Buenos
Aires, realizado em março de 2016, Cartes afirmou que em um momento difícil de
sua vida ele foi acolhido por Mordko, a quem chamou de “segundo pai”.
“Deus
colocou em meu caminho uma família e uma grande pessoa, que me acolheram em
seus corações e sentimentos, e me fizeram sentir parte da família. Me ajudaram
e me ensinaram coisas fundamentais. Eles ganharam meu eterno carinho de filho,
minha gratidão e admiração”, disse Cartes.
Anos
depois, em 2010, o paraguaio chamou Dario de “irmão de alma” em entrevista ao
jornal local Última Hora.O doleiro mesmo particiopou de uma viagem oficial
do presidente a Israel em 2013.
Messer
tem um imóvel no exclusivo Paraná Country Club, na cidade de Hernandarias, onde
apartamentos valem mais de 200.000 dólares e uma casa alcança 1 milhão. De
acordo com o jornal ABC Color, em 2017 Cartes “criou decretos para
beneficiar seu ‘irmão’ Dario”, dentre eles o veto a um projeto que declarava o
terreno do Paraná Club como sendo uma reserva natural.
A
ligação de Messer com o presidente paraguaio, que deve deixar o cargo no
próximo 15 de agosto após a eleição realizada no país no mês passado, causou
uma importante repercussão política no país. Vários ministros e até o
presidente eleito, Mario Abdo Benítez, tiveram que responder por essa conexão.
"Os amigos são os amigos, é a única coisa que eu posso dizer",
afirmou o ministro de Relações Exteriores, Eladio Loizaga. "A Justiça
funciona ou não funciona? Ela funciona em nosso país", acrescentou diante
das perguntas dos jornalistas.
O
ministro da Indústria e o Comércio, Gustavo Leite, comentou que ele não sabia
da amizade do doleiro com o presidente até que Messer participou de uma viagem
oficial a Israel. O ministro tentou tirar qualquer responsabilidade do governo
pelas atuações do amigo de Cartes: "Eu tenho entendido que ele tem
investimentos aqui, mas eu não sei o que ele fez. Nós fazemos o nosso trabalho
do lado do Governo. Mas nós não somos quem deve julgar as pessoas, porque ele
tem processos e a Justiça é quem deve cuidar disso. De todo modo, ainda
que ele tenha processo, é inocente enquanto não for declarado culpado".
O
vencedor da última eleição e futuro presidente, Mario Abdo Benítez, do mesmo
partido que o governo, também tentou minimizar o caso e as possíveis
consequências políticas no país: "Enquanto o sistema republicano a
as nossas instituições funcionem, e o mandado da Justiça for cumprido, por que isto
vai afetar o Paraguai? O Paraguai é afetado quando há impunidade, corrupção.
Mas se a instituições funcionam normalmente, cada um tem que prestar contas dos
seus atos".
Para
além dos contatos no Paraguai, Dario Messer também era famoso no Rio de Janeiro
pelas festas em seu apartamento no Leblon, frequentadas por famosos jogadores
de futebol, políticos e estrelas da TV. Agora, a Lava Jato vai atestar se o
glamour a seu redor e as conexões poderosas vão ajudá-lo a sair das garras da
Justiça.
EL PAÍS
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