Camilla Costa e João
Fellet
Após
passar quatro décadas no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), chefiar quatro
ministérios nos governos do PT e passar seis meses no Partido Socialista
Brasileiro (PSB), Aldo Rebelo não se sente mais à vontade no que define como a
"esquerda moderna, do politicamente correto".
Aos 62
anos, o jornalista nascido no interior de Alagoas encontrou guarida no
Solidariedade (SDD), sigla presidida pelo sindicalista e deputado federal
Paulinho da Força, e pela qual pretende disputar a Presidência - a última
reviravolta numa carreira marcada por guinadas inusitadas.
Eleito
seis vezes para a Câmara dos Deputados - que presidiu entre 2005 e 2007 -, Aldo
foi ministro das Relações Institucionais (2004-2005), dos Esportes (2011-2015),
da Ciência e Tecnologia (2015) e da Defesa (2015-2016). Na última pasta, ganhou
a confiança de comandantes das Forças Armadas, mesmo tendo integrado por quase
meio século um partido arrasado pela ditadura militar.
Aldo recebeu a BBC Brasil para uma entrevista em seu apartamento nos
Jardins, bairro nobre de São Paulo.
Na sala,
decorada com escudos do Palmeiras esculpidos em madeira, estátuas de barro e
quadros de artistas populares com personagens da cultura brasileira, entre os
quais os cangaceiros Lampião e Maria Bonita, sentou-se em uma cadeira de
balanço de palha, vestindo sandálias de couro de selaria.
Próximo
à mesa de jantar, um aparador exibe o troféu que recebeu de uma casa de leilões
de cavalos do interior de São Paulo em agradecimento "pelas ações em prol
do agronegócio" - setor do qual se aproximou ao articular a aprovação do
Código Florestal, elogiado por fazendeiros.
Ao
encerrar o encontro, ele se divertiu ao comentar as peculiaridades da política
do Maranhão, governado por Flávio Dino, do PCdoB, com quem se reuniria horas
depois.
"Na
ciência política brasileira, a política desafia a ciência. Costumamos dizer que
os comunistas governam quatro lugares do mundo: Cuba, China, Coreia do Norte e
o Maranhão - sendo que lá se aliaram ao PSDB e derrotaram o PT."
Confira
os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Depois de militar por 40 anos no
PCdoB, o senhor passou seis meses no PSB e agora mudou para o Solidariedade.
Por quê?
Aldo Rebelo - Entrei no PCdoB em busca da
realização de ideias que julgava importantes na minha juventude, quando o
nacionalismo era muito forte. Queria lutar por um país mais equilibrado e
justo. Mas os tempos e as agendas mudaram. A questão nacional passou a ter peso
pequeno na agenda das esquerdas.
As
agendas identitárias e o multiculturalismo passaram ter muito mais importância.
Isso me levou a um afastamento dessa esquerda moderna, do politicamente
correto.
Fui para
o PSB porque tinha laços com os governadores Miguel Arraes (1916-2005) e
Eduardo Campos (1965-2014), mas quando vi que a direção partidária se
encaminhava para a candidatura do ilustre ministro Joaquim Barbosa, me afastei.
Fui
convidado pelo Solidariedade para ser pré-candidato à Presidência. Quando relatei
o Código Florestal, a Força Sindical foi única central sindical que apoiou meu
relatório. E quando lancei o manifesto pela união nacional, os dirigentes da
Força e do SDD o assinaram em peso.
BBC Brasil - O senhor entrou num partido
fundado pelo deputado Paulinho da Força, que está sendo investigado pela Lava
Jato e teve os direitos políticos cassados em outro processo, por fraudes
cometidas com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Não havia opções
melhores?
Aldo - Os partidos, por várias
razões, estão submetidos a um processo muito vasto de denúncias. O deputado
Paulinho está se defendendo. O que qualquer brasileiro pode esperar é que a
Justiça seja feita e que as pessoas respondam com o direito de defesa.
BBC Brasil - O senhor se sente representado
ideologicamente no Solidariedade? Ainda se considera um homem de esquerda?
Aldo - A agenda que defendo inclui
a luta pelos direitos sociais, democráticos, das minorias. Mas a agenda central
para um país como o Brasil deve ser a defesa da nação, a retomada do
crescimento, do desenvolvimento, a redução das desigualdades, a luta pela
democracia - não a democracia formal, mas a democracia do dia a dia, a prática
da tolerância.
Então,
nesse sentido da agenda antiga, eu posso me considerar um homem de esquerda. Do
ponto de vista da esquerda moderna, onde as prioridades são outras, deixo para
a ciência política definir.
BBC Brasil - Quais suas propostas centrais
para a economia?
Aldo - Precisamos ordenar o
processo de regulação, que é muito complicado no Brasil. Houve casos de
empresas de tecnologia que deixaram o Brasil porque eram obrigadas a contratar
mais advogados que engenheiros.
No Rio
Grande do Sul, um plantador de arroz tem que licenciar a produção todo ano. Nem
na usina nuclear de Angra dos Reis há licenciamento anual. São imposições que
dificultam.
No
governo Dilma, recebemos US$ 70 bilhões como possibilidade de investimento
chinês em infraestrutura na direção do Pacífico. Disse à presidente que
desistisse. Não é possível executar uma obra tendo de passar por terra
indígena, por área de proteção ambiental, por floresta nacional.
Uma obra
como uma hidrelétrica mobiliza milhares de pessoas. De repente, um juiz no Rio
Grande do Sul com base na ação de um promotor de Rondônia paralisa a obra. Isso
acontece com muita frequência, não só em obras gigantescas, mas em pequenas
obras, de pontes, no conserto de escolas, rodovias.
BBC Brasil - Mas e quando essas ações buscam
evitar danos ao meio-ambiente e proteger populações que sofrem os impactos das
obras?
Aldo - O Brasil é o país que mais
preservou no mundo. Usamos 8% do nosso território pra produzir uma das maiores
safras do mundo. Os EUA usam 18%, a Índia, 60%. A Europa, muito mais. Quando
você faz uma estrada na Amazônia, o ambientalista diz que por essa estrada vai
o desmatador. Eu digo que por essa estrada vai o fiscal que vai impedir o
desmatamento.
Obras de
desenvolvimento da Amazônia beneficiam a população do Estado com a expectativa
de vida mais baixa no Brasil, que tem o padrão de vida mais baixo do mundo. A
ideia que vendem de que aquilo ali é um paraíso, "os povos da floresta
vivem como Adão e Eva", esqueça. Os povos da floresta vivem numa situação
muito difícil.
BBC Brasil - As queixas que o senhor faz ao
que considera excessos de regulamentação estão muito alinhadas com as feitas
pelo empresariado. Sua agenda econômica é liberal?
Aldo - É uma agenda para o
desenvolvimento. Os que se queixam e não são ouvidos são os trabalhadores que
perdem ou não ganham um emprego porque o país não se desenvolve.
BBC Brasil - Casos de corrupção em grandes
obras e desastres ambientais como o de Mariana não mostram que falta regulação
no Brasil?
Aldo - Se paralisar obra fosse
demonstração de eficácia no combate à corrupção, não deveria haver corrupção no
Brasil. O saneamento básico deveria ser a preocupação número um dos
ambientalistas. Eles deveriam estar preocupados com o rio Tietê, que apodrece a
céu aberto e não tem uma ONG que se interesse por seu destino. Estão todas lá
na Amazônia, provavelmente porque tem muito minério, muita água.
BBC Brasil - O senhor era ministro do Esporte
na época da Copa e defendeu a construção de estádios que hoje estão
subaproveitados e dão grandes prejuízos aos governos locais. Foi um erro
construí-los?
Aldo - A mídia aqui do Sudeste
nunca perdoou a Amazônia ter um estádio e uma sede da Copa do Mundo. A mídia
admite que Mato Grosso pague o superávit da balança comercial do Brasil
vendendo carne e soja, mas está proibido de fazer quatro jogos da Copa. Era um
esforço pra acolher maior evento do mundo.
BBC
Brasil - Com tantas
carências de escolas, hospitais e saneamento básico no país, os bilhões gastos
em estádios hoje ociosos não poderiam ter sido mais bem aproveitados?
Aldo - Provavelmente, quando foi
construído com dinheiro público o teatro municipal de São Paulo ou o do Rio de
Janeiro, houvesse outras prioridades. Esse discurso foi o mesmo usado pra não
fazer o Maracanã no fim dos anos 1940. Os pobres não têm direito ao lazer, só à
saúde e educação.
BBC Brasil - Muitos dizem que não conseguem ir
aos estádios da Copa porque os ingressos são caros. Sem falar nas denúncias de
desvios e superfaturamento em quase todas as arenas. O senhor não faz nenhuma
autocrítica?
Aldo - Se alguém rouba construindo
um hospital no interior de São Paulo, como o ministro da Saúde vai saber que
houve roubo naquele hospital, construído sob a responsabilidade de terceiros? O
governo não construiu os estádios, ele acompanhou a construção e fiscalizou os
prazos. Onde houve irregularidade, os responsáveis têm que responder.
Infelizmente,
há uma elitização do futebol no Brasil, mas o futebol aqui não é um esporte, é
muito mais do que isso. Ele foi a primeira plataforma de promoção social dos
pobres, dos negros, dos mestiços, dos mulatos. O futebol tem as suas mazelas,
mas há em setores médios um grande ressentimento porque ele é uma coisa dos
pobres e do povo.
BBC Brasil - Militares de alta patente têm se
pronunciado publicamente sobre temas políticos - caso, por exemplo, do
comandante do Exército, que deu uma declaração na véspera da decisão do STF
sobre a prisão de Lula e que foi interpretada como uma pressão sobre o órgão.
Como o senhor, que foi ministro da Defesa, encara esse fenômeno?
Aldo - Os militares não querem
envolvimento com política partidária, nem aspiram a substituir os civis no
poder. Eles têm preocupações legítimas de brasileiros patriotas com a situação
geral do país. O país hoje vive desorientado. Os valores de amor ao país, à
memória, à história, da disciplina, hierarquia, você encontra nas Forças
Armadas.
BBC Brasil - Dado o histórico de intervenções
militares, que vitimaram inclusive o partido em que o senhor atuou por tantos
anos, esse tipo de declaração não é perigoso?
Aldo - Não estou defendendo a
declaração, estou dizendo que ela não criou instabilidade. O golpe de 1964 foi
um golpe civil. Foi um golpe do empresariado, da igreja, da embaixada
americana, da mídia. Os militares entraram de última hora e não saíram até hoje
- a Comissão da Verdade está aí atrás deles. Não pegou nenhum bispo, nenhum
padre, nenhum empresário, nenhum embaixador, nenhum editorialista.
BBC Brasil - O senhor diz que o Brasil deve se
valorizar como nação miscigenada em vez de importar ideias do
multiculturalismo. O que quer dizer?
Aldo - Estamos cometendo aqui um
genocídio contra os mestiços. Eles estão desaparecendo das estatísticas, sendo
ocultados da vida social, do imaginário da população. Estamos importando a
política de transformar o Brasil numa nação birracial. E não somos isso.
Nosso
combate ao racismo deve ter como base a valorização da miscigenação e da
mestiçagem. Foi essa miscigenação que garantiu que ainda sejamos proprietários
da nossa herança remota de negros, índios, africanos. Vejam os negros
americanos: todos eles convertidos ao Protetantismo, com suas Bíblias. Você não
vê lá um pai de santo, o candomblé, a umbanda. Foram todos absorvidos pela
cultura e religiosidade dos brancos.
BBC Brasil - Esses mestiços que o senhor diz
que estão sumindo das estatísticas, enquanto a proporção dos que se declaram
negros tem crescido no país, não são eles que devem escolher a melhor forma de
se identificar racialmente e lutar por suas bandeiras? Não são eles as maiores
vítimas do racismo?
Aldo - Infelizmente, não são eles
que estão fazendo isso. Isso está sendo feito nas universidades por
pesquisadores associados a recursos de pesquisa da Fundação Ford, dos Estados
Unidos, da Open Society, de George Soros, ou do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística).
BBC Brasil - Com que interesse?
Aldo - Temos uma relação tão boa
com a África, de tanta cumplicidade na diplomacia, e talvez isso incomode lá
fora. Essas organizações querem provar que o Brasil é um país mais racista que
os EUA.
Provar
que no Brasil tem racismo é muito fácil, mas o Brasil não é um país racista. O
Brasil nunca instituiu o racismo como política de Estado, de governo, como
chegou a haver na América. O racismo aqui existe como instituição social.
BBC Brasil - O fato de que a maior parte dos
mortos em ações da polícia são negros, por exemplo, não demonstra um racismo
institucional, mesmo que não expresso em normas?
Aldo - A violência se abate sobre a
população mestiça porque ela está ao alcance da violência, não apenas do
Estado, mas dos grupos criminosos que cometem crimes.
BBC Brasil - O ex-ministro do Meio Ambiente
Sarney Filho disse que o Código Florestal, que o senhor relatou, é uma das
causas para a alta no desmatamento na Amazônia desde 2012. Qual sua posição?
Aldo - Quando houve uma audiência
sobre o Código Florestal no Supremo Tribunal Federal, o Ibama e o Ministério do
Meio Ambiente foram lá defendê-lo. Quando houve a Conferência do Clima na ONU,
todas as ONGs o elogiaram como sendo o fiador do Brasil pra cumprir as metas do
clima. Ele é a lei mais rigorosa do mundo.
BBC Brasil - Por que, então, o desmatamento
aumentou?
Aldo - O código penal pune o roubo,
mas não consegue impedi-lo. Se houve aumento do desmatamento, muito
provavelmente foi o ilegal, que tem de ser coibido punindo e oferecendo às
populações que recorrem a esse meio de sobrevivência uma alternativa de vida.
BBC Brasil - O senhor foi o autor de uma
proposta para submeter as demarcações de terras indígenas ao Congresso (hoje, o
processo só cabe ao Executivo) - ideia que se tornou uma das principais
bandeiras da bancada ruralista. Quais os problemas com o modelo atual?
Aldo - Os índios não compõem uma
unidade absoluta. Geralmente, as relações entre eles têm atritos históricos. Às
vezes, defendem que as demarcações sejam feitas em ilhas, para preservar a
autonomia de cada comunidade.
No caso
da demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (em 2005, em Roraima), os
ianomâmis estão em determinada escala, ainda da caça, coleta. Os macuxis já
estão em outra escala de conhecimento, de acesso à tecnologia, que os ianomâmis
não têm. Já são quase uma população miscigenada, que faz pastoreio, tem manejo
de gado, que planta.
Defendi
que houvesse demarcação em ilhas, mas os antropólogos que fizeram os laudos não
queriam.
BBC Brasil - Essa noção de escala, de graus
evolutivos, não é a mesma que embasou a escravidão e tantos genocídios? O senhor
acredita que alguns povos sejam mais evoluídos que outros?
Aldo - Depende do que você julga
superioridade. Se for superioridade biológica ou cultural, é racismo. Se for
estabelecida por acesso a tecnologia, por padrão de vida, não é um problema
entre índio e não índio.
Tenho
amigos antropólogos europeus que vêm aqui estudar determinadas tribos que não
conhecem a matemática e não sabem contar. E eles acham isso uma maravilha,
acham que isso deve ser preservado. Os meninos deles podem estudar matemática,
mas os nossos índios aqui, não.
Não se
trata de uma questão de escala evolutiva ou civilizatória, mas de acesso ao
conhecimento. Um menino branco está obrigado a ir para a escola. Um índio, não?
Você tem que garantir a ele educação.
BBC Brasil - O senhor diz que o Brasil precisa
de um Executivo forte. O que quer dizer?
Aldo - Hoje, você não sabe se quem
comanda o país é o juiz de primeiro grau, o promotor, o deputado ou o vigário
da aldeia. Defendo um Executivo com autoridade, que tenha capacidade de liderar
e que não possa ser questionado naquilo que a lei não autoriza o questionamento.
BBC
Brasil em São Paulo
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