segunda-feira, 28 de maio de 2018

Camargo Corrêa ocultou 365 milhões de reais em Andorra Juíza do pequeno país europeu investiga construtora por usar o antigo paraíso fiscal para pagar subornos

JOSÉ MARÍA IRUJO

A construtora brasileira Camargo Corrêa movimentou 100 milhões de dólares (cerca de 365 milhões de reais) entre 2008 e 2011 em um banco de Andorra, um pequeno país europeu considerado até o ano passado um paraíso fiscal. A terceira empresa do setor de construção do Brasil manejou esses recursos por meio de uma ramificação societária vinculada a dois ex-executivos e à própria corporação empresarial, segundo a documentação à qual EL PAÍS teve acesso. A juíza Maria Àngels Moreno investiga desde 2017 o dinheiro da Camargo Corrêa em Andorra. As investigações se concentram em um suposto crime de lavagem de capitais relacionado com corrupção.

A magistrada analisa se a Camargo Corrêa se valeu do minúsculo Estado europeu para lavar o dinheiro destinado a subornar políticos e altos funcionários da América Latina em obra de licitações de obras públicas.
A Camargo Corrêa –um conglomerado com ramificações em 22 países que em 2014 registrou uma receita líquida de 9,65 bilhões de dólares (35,3 bilhões de reais)– nega as acusações.

O modus operandi da empresa seria semelhante –segundo a investigação– ao executado até 2016 pela Odebrecht, a construtora brasileira que abalou as fundações políticas da América Latina depois de reconhecer o pagamento de 788 milhões de dólares (2,9 bilhões de reais) em comissões ilegais a funcionários e chefes de Governo de 12 países.

O capital da Camargo Corrêa no pequeno país europeu circulou por meio de um emaranhado de seis contas na Banca Privada d'Andorra (BPA). Duas dessas contas estavam criptografadas, uma muralha para blindar a identidade do cliente.

As investigações da juíza revelaram a "origem desconhecida" dos recursos da Camargo Corrêa em Andorra. E que, por trás de companhias de fachada associadas à gigante brasileira no principado, como a Joyfield Overseas SA, figuravam os ex-executivos Pietro Francesco Giavina e Fernando Dias Gomes. Os executivos foram presos em 2009 pela operação Castelo de Areia, que averiguou uma trama de comissões ilegais e de financiamento de campanhas eleitorais em troca de licitações de obras no Brasil e Peru. O Supremo Tribunal Federal do Brasil arquivou a Castelo de Areia em 2011 aludindo à nulidade dos grampos telefônicos em que as acusações se apoiavam.

Nas investigações de Andorra, Giavina Bianchi aparece como "um dos principais responsáveis pela organização" que controlou "pagamentos e transferências de comissões ilegais da empresa Camargo Corrêa a políticos brasileiros". O executivo figura também por trás da empresa de fachada Desarrollo Lanzarote, utilizada para pagar um suborno na Suíça ao filho de um senador brasileiro.

Somente uma das contas controladas pela Camargo Corrêa em Andorra recebeu em 2008 um total de 32 milhões de dólares (85 milhões de reais). O dinheiro chegou na base de transferências a partir de uma empresa de fachada panamenha administrada pela BPA, segundo aponta a Polícia de Andorra em um relatório em novembro.

Clube corrupto
A Camargo Correa teria também integrado "um clube" com outras 14 construtoras para dividirem obras públicas da Petrobras. O hermético grupo, do qual a Odebrecht fazia parte, recorreu a "práticas corruptas" para conseguir os contratos, de acordo com a investigação.

Para definir sua estrutura financeira, a Camargo Corrêa contou com o assessoramento da Banca Privada d'Andorra (BPA e de seu funcionário Andrés Norberto Sanguinetti Barros, Betingo, que permanece em prisão preventiva em Andorra por lavagem de dinheiro após ser extraditado pelo Uruguai.

Mas os vínculos do banco de Andorra com os esquemas da Camargo Corrêa têm um alcance maior. A Polícia critica a colaboração da BPA em várias operações milionárias da Camargo Corrêa. "É difícil assimilar o motivo pelo qual o banco não cumpriu a normativa legal de declarar à UIFAN (Unidade de Inteligência Financeira de Andorra) as operações descritas conforme sua gravidade".

As 15 atas confidenciais e secretas do comitê de prevenção de lavagem de dinheiro da BPA examinadas pela investigação indicam que o banco não controlou suficientemente os recursos depositados pela Camargo Corrêa em Andorra. E que a instituição evitou identificar os verdadeiros donos do dinheiro.

A juíza mantém como investigados os executivos da Camargo Corrêa Giavina Bianchi, Dias Gomes e Darcio Brunato; o ex-funcionário da BPA Betingo; os membros do Conselho de Prevenção de Lavagem de Dinheiro da instituição financeira; e a própria BPA. Também estão sob o foco judicial três empresas de fachada vinculadas à Camargo Corrêa.

A magistrada embargou no ano passado 8,5 milhões de dólares (31 milhões de reais) da empresa em Andorra. E convocou para depor na condição de réus Giavina Bianchi e Dias Gomes.

"A corrupção é um autêntico câncer social que impede o desenvolvimento econômico justo em benefício do interesse geral das sociedades modernas", afirmou a magistrada em um auto em abril.

Com uma trajetória de 77 anos e 500 obras, a Camargo Corrêa é um grupo com ramificações na indústria energética, portos e aeroportos. Quando em 2013 morreu a viúva do fundador, Dice Camargo, a mulher mais rica do Brasil, a revista Forbes calculou sua fortuna em 11,5 bilhões de dólares (32 bilhões de reais).

As autoridades de Andorra intervieram em março de 2015 no banco onde a Camargo Corrêa ocultou dinheiro pelo suposto delito de lavagem de dinheiro. Os donos da BPA, que chegou a ter 9.000 clientes e um volume de negócios de 8 bilhões de euros, negam essas acusações. Andorra, com 78.000 habitantes, suprimiu no ano passado o sigilo bancário.

EL PAÍS

BATALHA PARA ANULAR A INVESTIGAÇÃO
Os advogados da Camargo Corrêa trabalham para enterrar a causa judicial em Andorra contra o grupo brasileiro. E apresentaram uma alegação de nulidade que, até o momento, foi desconsiderada pela juíza instrutora do caso, Maria Àngels Moreno.
A construtora argumenta que a investigação se iniciou depois que a Justiça brasileira enviou uma carta rogatória –procedimento de colaboração entre tribunais de diferentes países– a esse Principado para averiguar a operação Castelo de Areia, que no final acabou arquivada no Brasil.
“Consideramos que a causa tem que ser arquivada porque caiu depois de ter sido declarado nulo o procedimento principal. A doutrina do fruto da árvore envenenado se estende a todas as atuações posteriores”, afirmam Xabier Jordana e Sonia Ruiz, os advogados da construtora, que acabam de apresentar novo recurso pleiteando a anulação, que ainda não foi avaliado.
Os advogados afirmam que o Ministério Público de Andorra aceitou, em caráter cautelar, tirar da causa as primeiras dezenas de folhas ligadas à operação Castelo de Areia.
Jordana e Ruiz alegam que a Camargo Corrêa regularizou há um ano com as autoridades do Brasil as cifras milionárias que movimentou em Andorra. E negam que esse dinheiro tenha sido usado para pagar comissões ilegais.

Nenhum comentário: