Marco
Antonio Villa
Nada indica
que Congresso a ser eleito em 7 de outubro será melhor que o atual. Os
interesses representados serão os mesmos
Tudo indica que a nefasta tradição brasileira de solucionar um
conflito através da conciliação, desta vez, deve fracassar. Isto porque o
Brasil não passa por uma crise política conjuntural. A questão é mais ampla e
atinge a estrutura organizativa do Estado e do funcionamento das instituições.
Não há nenhum paralelo com outros momentos da história republicana: 1889, 1930,
1964 ou 1984-1985 representaram disputas pelo poder de Estado mas que,
simplesmente, permitiram um rearranjo relativamente rápido entre as diferentes
frações da elite dominante. As forças do passado puderam obter algumas
vantagens na nova ordem. O entendimento representou uma mudança porém sem que
fosse possível a construção de uma nova institucionalidade efetivamente
republicana.
O malogro da conciliação deverá ocorrer, pois as contradições estão de
tal forma exacerbadas e o desgaste da estrutura legal edificada pela
Constituição de 1988 chegou a tal ponto, que não há outro caminho a não ser
reorganizar profundamente a República. A desmoralização das instituições é
evidente. O processo de renovação é
inviável, pois o sistema não permite nenhuma mudança estrutural. A petrificação
de interesses classistas e corporativos produzidos pela “Constituição cidadã”
manietou até a possibilidade da negociação. Qualquer alternativa gerada
pelo atual arcabouço legal somente vai estender a agonia do regime. Sem
solucionarmos a questão política, dificilmente teremos condições de, por
exemplo, permitir uma sólida recuperação econômica. Se o dr. Pangloss estivesse
no Brasil, até ele chegaria à conclusão de que não há motivo para otimismo.
O noticiário político está recheado de platitudes. Estamos a cinco
meses da eleição e sequer sabemos quais os candidatos que postulam a
Presidência da República. Sobre os programas, bem aí seria exigir demais. Um
dos possíveis nomes, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, é uma verdadeira
esfinge. Os jornalistas procuram seus velhos tuítes para descobrir o que ele
pensa. Ou seja, no Brasil tuíte é pensamento! Duzentos e oitenta caracteres são
suficientes para expor uma ideia. Inacreditável! Fofocas pululam por toda
parte. É uma comédia nonsense.
Os supostos candidatos percorrem o Brasil proclamando platitudes.
Acabam tendo destaque. Afinal, não é fácil todo santo dia preencher as páginas
dos jornais com noticiário político. Frente à pobreza das ideias, resta o diz
que diz. O que é dito hoje é desmentido no dia seguinte. Balões de ensaios são
lançados a toda hora. A maioria tem vida curta. O inimigo de hoje poderá ser o
aliado de amanhã. Ideologia? Qual? Onde? No Brasil não há direita, centro ou
esquerda. Há oportunismo. Só isso. Os conceitos políticos perdem seus sentidos
originais. Aqui, os opostos são idênticos. E, se são idênticos, não são
opostos, diria o Conselheiro Acácio.
A velha política ainda não compreendeu que o Brasil mudou. As grandes
mobilizações que conduziram o processo do impeachment de Dilma Rousseff deram
um protagonismo à sociedade civil como nunca na nossa história. O Brasil era o
país do futebol. Hoje é o país da política. As pessoas comentam as decisões de
Brasília como no passado falavam de um jogo de futebol. Sabem os nomes dos
principais políticos e dos ministros do STF. Concordam, discordam, debatem as
decisões que afetam o seu cotidiano e o futuro de suas famílias. A política
deixou de ser uma coisa chata ou um tema afeito a poucos. E isto é muito bom.
Também deve ser destacado que a indignação em relação à política
tradicional chegou ao ponto máximo. Ninguém mais suporta os conchavos
brasilienses. A maligna Praça dos Três Poderes é o símbolo maior do
antirrepublicanismo e da insatisfação popular. O desejo de mudança — mas de
mudança real — nunca foi tão presente. O
terrível é que a elite política faz ouvidos de mercador. Age como se fosse dona
do Brasil, uma máfia tupiniquim, vendo na coisa pública a possibilidade de
ascensão social ou de manutenção de status.
Nada indica que o Congresso Nacional a ser eleito 7 de outubro será
melhor que o atual. Se haverá — como de hábito — uma sensível renovação de
nomes — algo próximo a 40% —, os interesses representados serão os mesmos. E o domínio da
velha política continuará intacto. Isto porque a forma de eleger os
parlamentares não foi alterada. Com este sistema eleitoral, a mudança exigida
pela sociedade civil é impossível. Há uma contradição antagônica entre o que o
cidadão deseja e os instrumentos concedidos pelo sistema eleitoral.
No máximo teremos a eleição de alguns parlamentares identificados com o quadro
produzido nos últimos anos. Nada poderão fazer. Mesmo tendo boas intenções, vão
ficar isolados. Pior. Servirão como exemplos de que a estrutura é reformável, o
que é uma falácia.
Esta República vive seus estertores. Isto não significa que a crise
final vá ocorrer amanhã. Este processo pode demorar. As grandes mudanças da
história foram súbitas, imprevistas. Os agentes não conseguem ler a conjuntura
com antecedência. E determinar o seu caminho. O imponderável é a marca da
história. Quem, por exemplo, poderia prever o afluxo de pessoas às
manifestações em todo o Brasil — especialmente em São Paulo, na Avenida
Paulista — que ocorreram em 2015 e 2016? Havia um sentimento no ar de
indignação que só se materializava em conversas ou nas redes sociais. Porém,
quando o desejo de mudança foi às ruas, o Brasil assistiu às maiores
manifestações da sua história. Mas uma coisa é certa: as eleições — pois
teremos dois turnos — não vão solucionar a crise mais longa e profunda da
história republicana.
O Globo
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