Editorial
É notório o aumento da violência no campo, obrigando o cidadão a se
defender por seus próprios meios, sem poder contar com o poder público na
garantia da lei e da ordem. Tal situação contrasta com a importância do setor
para a economia do País. Em 2017, a participação do agronegócio no Produto
Interno Bruto (PIB) foi de 21,59%. No entanto, agricultores e pecuaristas vivem
um dia a dia cada vez mais inseguro, com o crime invadindo propriedades rurais
e amedrontando fazendeiros, funcionários e suas famílias.
No Estado de Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, roubos e
furtos no campo subiram 60% entre 2014 e 2017. Em Goiás, o crescimento foi de
20%. Em Minas Gerais, houve nos últimos dois anos uma média de 139 casos por
dia de crimes em imóvel rural. Na maior parte do País, os números sobre a
violência no campo são pouco precisos, sem uma apuração efetiva das
ocorrências. Na tentativa de levantar mais dados sobre o problema, a
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) criou o Observatório da
Criminalidade no Campo.
Ainda que falte informação mais detalhada, sabe-se que o crime no
campo se profissionalizou. Os relatos colhidos pela CNA com produtores rurais
nos últimos 18 meses mostram que 72% dos furtos e roubos foram “encomendados”.
De acordo com o secretário executivo do Instituto CNA, André Sanches, “os
bandidos entram nas fazendas sabendo muito bem o que querem levar, o que mostra
organização e planejamento. Não são crimes de ocasião (...). E isso ocorre
porque existe um mercado paralelo de insumos agrícolas que custam caro”.
Há quadrilhas especializadas nos mais variados tipos de roubo. Os
criminosos levam gado, sacas de café, insumos, equipamentos. “São grupos
estruturados com caminhões e até galpões para guardar o material levado das
fazendas”, relata Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira
(SRB). Em sua opinião, a falta de segurança hoje é o maior problema do
agronegócio. Os produtores e trabalhadores “nem podem mais dormir nas
propriedades, precisam ir para as cidades, o que dificulta e encarece a
produção. Os produtos também não podem mais ser armazenados no campo, em função
dos roubos”, disse Marcelo Vieira ao Estado.
A insegurança é tão grande em algumas regiões que a facilidade de
acesso a uma fazenda – por exemplo, a existência de uma rodovia próxima à
propriedade – é causa de desvalorização da área, quando deveria ser o oposto,
por facilitar o escoamento da produção. O absurdo de não se combater o crime
com a devida diligência produz essas consequências esdrúxulas, como a
transformação de infraestrutura logística em aspecto negativo.
Além de desvalorizar áreas produtivas, a insegurança no campo
dificulta a retenção de bons profissionais nas fazendas. O crime na área rural
tem feito com que muita gente prefira viver na cidade. “Antes era um paraíso,
dormia de janela aberta. Agora, com tudo isso, escutamos carros passar de noite
e ficamos preocupados. É gente estruturada, que rouba e depois vende sem nota”,
disse Antonio Junqueira, de Colina (SP), ao Estado. Junqueira cultiva bananas,
eucalipto, cana-de-açúcar e seringueira.
A insegurança no campo também diminui a competitividade do agronegócio
brasileiro, já que aumenta os custos. Toda a cadeia produtiva é afetada pelo
crime, desde o armazenamento dos insumos e a falta de mão de obra especializada
disposta a trabalhar em áreas perigosas, até o escoamento da produção.
Produtores rurais têm encontrado dificuldades para fazer seguro do maquinário
usado na fazenda. Além de elevar os preços, o alto risco tem feito com que
seguradoras não comercializem esse tipo de seguro.
É urgente que o Estado cumpra o seu papel na segurança pública do
campo. A situação atual, com a omissão do poder público levando a que as
fazendas se armem, como única forma de proteção contra os criminosos e suas
quadrilhas, é insustentável. A produção rural deve ser estimulada. Deixá-la que
se torne uma atividade de alto risco, como tem ocorrido, é um crime contra o
País.
O
Estado de São Paulo
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