Sérgio Abranches
O presidente vai cair. Foi citado em
processo sobre corrupção e caixa 2 em seu partido, decorrente de relações
promíscuas e ilegais com empreiteiras contratadas para obras públicas.
Na
Espanha. Mariano Rajoy diz que a moção de censura do PSOE contra ele não é boa
para o país. É um velho hábito dos presidentes íbero-americanos, quando são
ameaçados por seus malfeitos, enrolam-se na bandeira pátria e tentam
confundir-se com o país. Temer faz isso, por aqui, toda hora. Não é bom para
ele Rajoy, que não tem sido nada bom para a Espanha.
A
Espanha é uma monarquia parlamentarista. Lá o chefe do Executivo é denominado
presidente do governo e não primeiro-ministro. Mas, seu mandato é dado pelo
parlamento. Rajoy está no cargo, porque duas eleições não foram capazes de
gerar uma maioria clara no Parlamento. Seu governo nasceu minoritário e
precário. Tinha o apoio do Ciudadanos e de pequenas legendas nacionalistas, que
não lhe davam maioria. Conseguiu formar o governo porque o PSOE decidiu
abster-se no voto de confiança. Mas, na quarta-feira (24), saíram as primeiras
sentenças do “Caso Gürtel” o caso de corrupção do seu Partido Popular, no qual
está irremediavelmente envolvido. Sua defesa não teve credibilidade nem no
Tribunal, nem na sociedade. Muito menos no meio político. Rajoy foi
surpreendido com a dureza das penas de prisão nas sentenças e com a citação
expressa de seu nome.
O país
está paralisado, com um governo fraco, ilegítimo e sem credibilidade, abalado
pelas investigações do “Caso Gürtel”. Trata-se da investigação de uma vasta
rede de corrupção político-empresarial, que tem como um dos pivôs o empresário
Francisco Correa. A operação recebeu o nome Gürtel, correia em alemão, mas
engloba 10 outras operações, entre elas o “Caso Bárcenas”, em torno de Luis
Bárcenas, o ex-tesoureiro do PP, o partido de Rajoy, agora preso. Nas suas
anotações de pagamentos constam Rajoy e sua ministra da Defesa, Maria Dolores
de Cospedal, como beneficiários.
O
Ciudadanos retirou seu apoio ao governo e o PSOE entrou com a moção de censura.
O partido, a novidade da centro-direita, tem considerado a moção de censura do
PSOE de oportunista. Quer a antecipação das eleições. Seu líder, Albert Rivera
lidera as pesquisas de intenções de voto.
As
últimas pesquisas, antes dessa crise, já davam ao Ciudadanos a perspectiva de
ganhar a primeira minoria, a maior bancada.
A moção
de censura precisa do apoio do Ciudadanos para derrubar Rajoy. Pedro Sánchez,
líder do PSOE está aparentemente disposto a oferecer ao Ciudadanos um acordo
para aprovar a moção, em troca, a convocar eleições para algum momento ainda
este ano. Sánchez quer comandar um governo provisório e tomar algumas medidas
antes, de convocar as eleições. Quer um “tempo razoável”, para recuperar a
normalidade política e institucional, atender as urgências sociais e buscar o
que chama de regeneração democrática. Pablo Iglesias, liderança da terceira
força na Espanha, o Podemos, celebrou a moção de censura do PSOE, a qual vinha
pedindo a Sánchez há um ano. Concorda que, deposto Rajoy, a tarefa é cuidar das
urgências sociais e combater a corrupção, removendo a todos os envolvidos ainda
ocupando postos públicos.
Deve
haver acordo. Sánchez não terá todo o tempo que deseja. Mas, é provável que se
acerte um prazo de transição, para preparar as eleições e que ele presida o
governo provisório até as eleições, com apoio de Ciudadanos e Podemos.
Ciudadanos e Podemos, como se sabe, nasceram dos movimentos indignados nas ruas
e praças, físicas e virtuais de Espanha. Recentemente, Iglesias, do Podemos,
andou tendo problemas com sua militância por ter comprado uma casa de luxo, no
mesmo local que era alvo de suas críticas à elite suntuária. Mas, pelo menos,
no Podemos, tudo é discutido ao vivo e em rede.
Mesmo
que não haja acordo e a moção de censura não seja aprovada, Rajoy dificilmente
se sustenta no governo por muito tempo. Continuará acossado por Albert Rivera
para que convoque eleições. Nada mais consegue no Parlamento. O governo, para
todos os efeitos, acabou. Uma parte do PP já o abandona. Muitas lideranças
temem que o partido sofra duras perdas por causa de Rajoy.
As
eleições devem ser fatais para o Partido Popular de Rajoy. A queda de Rajoy é
previsível. Novas eleições, ainda esta ano, também. O que não é previsível é o
resultado das urnas. O Ciudadanos parece pronto para herdar o espólio eleitoral
do PP, que pode definhar. Não dá é para dizer se conseguirá a maioria.
Provavelmente não. O PSOE vem de uma trajetória de perdas eleitorais
sucessivas. É difícil saber se conseguirá se recuperar, com o protagonismo no
governo provisório. Tem alguma chance. O Podemos andou capengando na última
eleição, mas realiza um trabalho incansável de organização de base. Não
surpreenderá se crescer e encostar no PSOE. Se ninguém tiver a maioria e o
Ciudadanos conseguir a maior bancada, ele terá dois caminhos. Uma coalizão à
direita com o PP, decadente e estigmatizado. Ou, uma coalizão pela esquerda,
com o PSOE. O Cuidadanos é um típico partido no novo liberalismo conservador. O
PSOE é um velho partido social democrata, com setores social-liberais. Pode
colar.
O mundo
em transição é assim. As quedas são previsíveis, o que vem depois, não. Mas há,
na Espanha, pelo menos, uma reação saudável de apoio ao combate à corrupção.
Ninguém chama os juízes de fascistas, porque prendem e condenam políticos e
empresários. A esquerda tenta se reciclar. Há diálogo político, mesmo que não
dê em entendimento, entre forças partidárias ideologicamente opostas. O
presidente vai cair e ninguém transforma isso em trauma, transe e ódio. A democracia
respira. As eleições podem levar a um aprofundamento do realinhamento
partidário em curso. É resultado do desejo de ver gente nova entrando na
política a sério, na esquerda e na direita, mas com compromisso democrático.
G1
– Globo
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