Miguel Morgado,
Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão Amaro
É nosso
dever indeclinável não calar, nem evitar a discussão do maior escândalo da
história da nossa democracia, independentemente dos equilíbrios
político-partidários que isso possa pôr em causa.
Na
última década, o País foi lenta e gradualmente despertando para uma dura
realidade: a de que vivemos durante anos sob uma liderança política que se
colocou como um dos vértices de uma gigantesca teia de corrupção, promiscuidade
e de abuso de poder. A degradação das instituições, o empobrecimento
democrático, a destruição de valor económico com a aniquilação de algumas das
maiores referências empresariais do país (o maior banco privado, a maior
empresa em capitalização bolsista), a bancarrota nacional – cujos custos
suportados pelos Portugueses não serão esquecidos por muito tempo – e o
exercício do poder ao serviço de uma lógica não-democrática de dominação sobre
a sociedade, foram os resultados óbvios e inevitáveis de práticas intoleráveis
para uma democracia como aquela em que os Portugueses querem viver.
Entretanto,
desde há poucos dias, ainda que não seja muito clara a razão de tal mudança,
foi quebrado o silêncio a que este escândalo foi sujeito, a começar por altos
dirigentes do Partido Socialista que estiveram num passado muito recente
intimamente envolvidos e comprometidos com a liderança política de José
Sócrates, incluindo o atual Primeiro-Ministro, António Costa. Essa intimidade
política não terminou numa época longínqua. Só terminou – e, nalguns casos, nem
aí – com a detenção de José Sócrates em novembro de 2014.
Ora, os
desempenhos dessas figuras a invocar a vergonha (normalmente, alheia), a
ignorância retrospetiva ou a “desonra da democracia”, como ousou dizer o
Primeiro-Ministro no Canadá, não nos impressionam. São politicamente espúrias e
eticamente irrelevantes. Porquanto nenhum desses íntimos parceiros políticos de
Sócrates, que hoje constituem todo o núcleo duro do atual governo, deputados
destacados e outras figuras mais ou menos públicas, se atreveu a assumir
qualquer tipo de responsabilidade própria. Nem por um instante ouvimos qualquer
alusão à responsabilidade política – perante o povo português – de quem
cooperou, ajudou, participou no projeto político a que subjazia uma conceção do
poder como dominação da sociedade e no contexto do qual foram perpetrados os
alegados crimes que constam da acusação a Sócrates. Nem houve sequer uma
referência indireta à responsabilidade política de quem por todos os meios
recriminou, ofendeu, achincalhou os que em devido tempo criticaram, admoestaram
e exigiram transparência e escrutínio democrático. O que todos juntos ajudaram
a construir foi o castelo quase inexpugnável do poder socialista atrás de cujas
muralhas, entre outras coisas, se praticaram todos estes atos que gradualmente
o País vai conhecendo e que Sócrates e outros governantes puderam levar a cabo
com pouco ou nenhum escrutínio. Assim como não houve qualquer reconhecimento de
que, para ser eufemístico, foi cada um deles gravemente falho em julgamento
político dos atos e comportamentos pelos quais foram colegialmente
responsáveis. O último recurso desesperado parece agora ser reconhecer que
reprovam o homem, mas que se orgulham das políticas desse homem e do projeto
político que ele personificou – uma duplicidade que não resiste a um juízo
sério, desde logo, porque tais políticas foram decididas e implementadas no
quadro sinistro que hoje todos os Portugueses conhecem.
Por tudo
isto, a responsabilidade política democrática destas pessoas que ainda hoje
exercem funções públicas em nome do povo português não pode ser escamoteada.
Há
poucos dias, António Barreto escreveu que depois de tudo, “… será difícil
convencer quem quer que seja que membros deste governo não tiveram nada que ver
com o governo Sócrates…” (“A corrupção e as suas variedades”, DN, 5/5/2018). O
que foi verdadeiramente estranho nestes últimos três anos foi assistir, sem que
houvesse um pingo de indignação, protesto, vergonha ou contrição, à
transferência do núcleo duro do governo Sócrates para o novo governo apoiado
pela Geringonça. São os mesmos. E nenhum deles quer assumir qualquer
responsabilidade. Tal como se repetem os sinais do mesmo modelo de governação e
conceção de poder, que estes mesmos políticos resolveram retomar desde o final
de 2015, como se não soubessem agir de modo diferente porque a conduta do
passado se tornou uma espécie de segunda natureza. Os exemplos não escasseiam:
o papel obscuro na governação de um amigo pessoal do Primeiro-Ministro, a
interferência arbitrária na vida interna de empresas privadas, a guerrilha com
as autoridades independentes de regulação, a colonização do Estado e da
sociedade, os relatórios desfavoráveis que ficam escondidos, a informação
sonegada ao Parlamento, a hostilidade ao escrutínio, os SMS a jornalistas
incómodos, o uso despudorado dos meios públicos para propaganda partidária, a
subversão das Comissões Parlamentares de Inquérito, e por aí em diante.
Nos
últimos tempos tem havido na Europa uma compreensível preocupação com a
qualidade da democracia e do Estado de Direito nalguns Estados membros da
União. Mas o que dizer de nós, que mantivemos um regime durante anos a fio que
padecia dos mesmos vícios graves – na intromissão na comunicação social
privada, na instrumentalização das grandes empresas e banca para fins de domínio
político de um partido, na manipulação do sistema judicial, e por aí fora – e,
não obstante, com a impavidez moral e política dos cínicos nos colocamos para
exemplo dos outros? Mas sabemos muito bem que isto foi obra de alguns
responsáveis, e não de um abstrato “todos” que isenta quem quer que seja de
qualquer responsabilidade.
Os
subscritores desta declaração são deputados à Assembleia da República. Somos
representantes do povo português. Nessa medida, é nosso dever indeclinável não
calar, nem evitar a discussão do maior escândalo da história da nossa
democracia, independentemente dos equilíbrios político-partidários que isso
possa pôr em causa, ou dos interesses particulares que possa ferir. Temos uma
missão geral de representação que os Portugueses nos confiaram para que
cuidemos do bem público e do interesse comum do País. Neste caso, essa missão é
simples: levar até às últimas consequências o apuramento das responsabilidades
políticas de todos os envolvidos; contribuir para a regeneração da nossa cultura
política rumo a mais responsabilidade, mais transparência, mais robustez
institucional, mais resistência às sucessivas tentativas de infantilização e
manipulação da opinião pública, com o recurso sistemático à mentira, à
propaganda e à opacidade. Neste cenário, seria inaceitável e até suspeita a não
recondução de Joana Marques Vidal na PGR.
Os
Portugueses não esperam menos de nós. E depois de o impensável ter acontecido
em Portugal; depois de tudo se ter sucedido e por muito pouco não ter passado
completamente impune; não podemos permitir que tudo isto volte a acontecer.
Esse será o resultado mais previsível amanhã se todos nos reduzirmos hoje ao
silêncio e à complacência. Chegou, portanto, a altura de falar e de agir.
Este
artigo é assinado pelos deputados do PSD: Miguel Morgado, Margarida
Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão
Amaro
O Observador
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