Editorial
Pente-fino
em programas ditos sociais encontra grande desperdício de dinheiro, prova
consistente de que o Estado de fato não gerencia bem as despesas
O déficit gigantesco e crescente da Previdência não é o único sinal de
que há algo errado nos gastos públicos. No caso, transparece a leniência com
que políticos, há muito tempo, administram o uso do dinheiro do contribuinte,
massacrado por uma carga tributária na faixa de 35% do PIB, a mais elevada
entre os países emergentes. Mesmo assim, deixa-se que o país, ainda
relativamente jovem, gaste 10% do PIB com aposentadorias, tanto quanto o Japão,
conhecido também por seus nonagenários.
Governantes e parlamentares preferem empurrar para frente a sempre
amarga, mas imperiosa, atualização de regras para que os gastos caibam nas
receitas. Na Previdência, como tantos países fazem, é crucial atualizar o
sistema, à medida que a população envelhece e faz aumentar a despesa com
benefícios. É preciso, então, contê-la, pela manutenção por mais tempo no
mercado de trabalho de um trabalhador cuja expectativa de vida está em
ascensão.
Esta atualização não foi executada, como deveria, devido a
resistências políticas de cunho demagógico nas gestões FH, Lula, Dilma e Temer.
Assim, este problema, muito agravado, está à espera do próximo presidente.
É antiga no Brasil a visão de que cabe ao Estado tutelar a sociedade.
Foi por aí que, principalmente a partir da Constituição de 88, criou-se uma
rede de assistência social que, além de grande, não é controlada de forma
eficiente.
O que permite, por óbvio, que seja usada com fins eleitoreiros, para
sustentar projetos de poder. É exemplar a reação de petistas, no primeiro
governo Lula, contrária à fiscalização do Bolsa Família.
Estatísticas trazidas pela “Folha de S. Paulo”, sobre o pente-fino que
tem sido feito nesses gastos, dão ideia do descalabro a que se chegou. Em três
programas — Bolsa Família, aposentadoria por invalidez e auxílio-doença —,
foram identificados pagamentos indevidos, do segundo semestre de 2016 a maio
último, no valor de R$ 10 bilhões. Ao todo, terminaram sendo cancelados
benefícios de 5,7 milhões de pessoas, dos quais 5,2 milhões no Bolsa Família.
Até 2020, o Ministério do Desenvolvimento Social estima que mais R$ 20 bilhões
venham a ser identificados nestes desvios. O discurso da “justiça social”, como
se vê, tem sido lucrativo para muita gente.
Os números indicam a fragilidade ou inexistência de sistemas de
auditoria, que precisariam cuidar da lisura e eficiência nos gastos do dinheiro
da sociedade. O mesmo problema ocorre em outras áreas: pagamento do seguro
(defeso) a pescadores em época de desova dos peixes; no Fies (crédito a
universitários); no Benefício de Prestação Continuada (um salário mínimo para
idosos doentes que se declarem sem renda).
O resultado deste pente-fino é uma das mais sólidas provas de que o
Estado de fato não só gasta muito, mas também gasta pessimamente.
O
Globo
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