segunda-feira, 2 de julho de 2018

O IPTU E A RETÓRICA TRIBUTARISTA

Percival Puggina

 Uma coisa é perceber que a municipalidade (Porto Alegre é o caso, aqui) não conta com receita suficiente para manter, ainda que minimamente, serviços rotineiros como o de tapar buracos. Outra, bem diferente, é considerar que a solução passa por majorar o valor do IPTU segundo valores que, em 20% dos casos, podem mais do que duplicar.

Uma coisa é a administração local enviar projeto à Câmara de Vereadores com tal objetivo. Outra, bem diferente, é a autoridade alegar que não está promovendo aumento de imposto quando a maior parte dos pagadores de IPTU passará a despender muito mais ante o mesmo fato gerador.

 Uma coisa é o justo anseio da gestão local por realizar um pouco ao menos daquilo que, na campanha eleitoral, demonstrou saudável intenção de concretizar. Outra, bem diferente, é cumprir tal objetivo buscando os recursos nos bolsos já rotos e drenados dos pagadores de impostos.

 Uma coisa é o prefeito revelar a intenção de reduzir vantagens funcionais incompatíveis com a penúria do erário e atuar com firmeza na diminuição do gasto. Obviamente não é sustentável que as despesas correntes cresçam, de modo sistemático, segundo percentuais superiores aos da arrecadação. Um dia essa casa cai. Outra, bem diferente, é equivaler tais impositivos morais e racionais ao aumento imediato da receita tributária. A receita tributária deve evoluir com o desenvolvimento econômico e não com os meios de subsistência das famílias.

 Uma coisa é haver desproporções gritantes entre os impostos pagos por imóveis novos e antigos em uma mesma área da planta de valores. Outra, bem diferente, é afirmar que todos são “privilegiados”, quando não agentes ativos de uma suposta injustiça. Imóveis hoje antigos tiveram seu IPTU rigorosamente atualizado na planta de valores fixada em 1989 e, desde então, todo ano, o tributo lançado é corrigido pelo IPCA, preservando seu valor real. Se o imposto cobrado dos novos imóveis não é referido ao valor da transação, isso é um problema da legislação ou das práticas fiscais. Entenda-se o fisco consigo mesmo, antes de acusar os munícipes; é inadmissível que se impute a eles quaisquer responsabilidades em relação a tal situação e que se onere os demais em vista disso.

 Uma coisa é isentar imóveis de valor comercial insignificante. Outra, bem diferente, é afirmar que essa isenção depende da majoração do valor pago pelos demais – este, sim, verdadeiramente significativo. A caridade fiscal proposta é nada convincente, tanto no plano da razão quanto no da virtude social. Se a falta de recursos tem a dimensão que se alega, isentar de imposto quem já está pagando, ainda que pouco, não é coerente – a menos que se pretenda, com isso, criar massa de manobra para pressionar pelo que realmente convém à retórica tributarista.

 É prova de insensibilidade a majoração de impostos num momento de letargia das atividades econômicas, quando os meios financeiros que faltam para o poder público faltam, também, para os cidadãos. E faltam àquele porque faltam a estes. No entanto, mesmo se as atividades econômicas transcorressem em condições normais, ainda assim haverá grave problema fiscal sempre que as despesas fixas cresçam de modo sistemático acima da receita. O pagador de impostos não pode ser indigitado como bode expiatório de um mal sistêmico.

 Por fim, é meio pretensioso tratar da questão fiscal numa perspectiva que parece ver como privilégio o direito do “contribuinte” de viver onde vive enquanto o espaço urbano se degrada à sua volta. São responsáveis pela crise fiscal: 

• todo gestor que silenciou e contemporizou enquanto o abismo se desenhava;

• todo pretendente ao posto de prefeito que, em campanha, ao longo de décadas, transmitiu ao eleitor a ideia de que as dificuldades seriam vencidas apenas com o vigor de sua “vontade política”;

• todo vereador, partido e bancada que aprovou despesa sem a sensata previsão de receita correspondente;

• todos os que se renderam, enfim, ao populismo e às facilidades da demagogia nutrida com recursos públicos, à pressão das greves, ao alarido das praças e ao grito das galerias clamando por fatias crescentes do bolo fiscal.

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