JACQUELINE FOWKS
Magistrados de alto escalão do país
foram gravados negociando com políticos e empresários. Martín Vizcarra também
defende consulta popular para reforma política
Na
mensagem anual pela comemoração da independência do Peru, o presidente
Martín Vizcarra anunciou um referendo para as reformas judicial e
política. As consultas anunciadas no sábado incluem a decisão da não reeleição
dos congressistas, o financiamento privado das campanhas eleitorais e a volta
ao sistema bicameral, já que o Perueliminou
o Senado em 1992. O anúncio é feito três semanas após o escândalo provocado
pela publicação de áudios de conversas que documentam a corrupção no sistema de
Justiça, o que levou milhares de pessoas em quase todo o país a protestar nas
ruas e exigir a limpeza do setor.
“Todos
os peruanos poderão fazer parte e decidir a mudança que o país precisa.
Tomaremos essas importantes decisões com vocês”, disse o mandatário que substituiu
em março Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou ao cargo. “A única forma de
conseguir isso é com um claro apoio da população, que está indignada com o que
os áudios revelam, com os favores, com as negociações obscuras que beneficiam
poucas pessoas e que prejudicam todos nós, especialmente os mais frágeis”,
afirmou.
O
Parlamento, de maioria fujimorista, desde o início da Administração Kuczynski,
em julho de 2016, foi contrário a aprovar reformas propostas pelo governismo e
outras forças políticas. Na quinta-feira, o partido fujimorista Força Popular
ganhou novamente a presidência da Mesa Diretiva do Congresso, a instância que
decide quais projetos de lei serão debatidos e quem presidirá as comissões. Os
fujimoristas manterão sua obstrução ao Governo e poderão continuar usando as
comissões parlamentares de investigação para assediar e condicionar seus
inimigos políticos.
Isso
explica o fato do chefe de Estado recorrer à figura do referendo, aplicada
poucas vezes no Peru nas últimas décadas. Em 1993, o então presidente Alberto
Fujimori submeteu à consulta popular a nova Constituição: conseguiu 53% a favor
e 47% contra.
A
corrupção da máquina de Justiça exposta nos áudios obtidos de escutas
telefônicas legais mostra os pactos e negociações irregulares entre promotores,
políticos e empresários com membros do Conselho Nacional da Magistratura (CNM),
que nomeia, ratifica e destitui juízes. Várias das conversas mencionam
explicitamente líderes fujimoristas e do Partido Aprista.
A crise
levou à renúncia do presidente do Poder Judicial, a declaração de emergência
dessa instância e a remoção dos conselheiros do CNM. Além disso, um juiz
superior está em prisão preventiva e outro magistrado da Suprema Corte será
investigado por seu amigo, o Promotor da Nação.
Após os
escândalos dos áudios, Vizcarra criou uma comissão que propôs as medidas para a
reforma da Justiça. Uma delas propõe que os conselheiros do CNM sejam designados
por concursos de mérito, em vez do sistema de representação de colégios
profissionais e universidades, a Suprema Corte e a Promotoria. Essa mudança
necessita de uma reforma constitucional.
Também
recomenda a revisão das nomeações e ratificações de juízes e promotores
realizadas pelos conselheiros removidos.
Reformas postergadas
O
presidente iniciou sua mensagem à nação com uma menção ao Governo de Alberto
Fujimori dos anos 90. “Dezoito anos depois de testemunharmos um dos maiores
escândalos de corrupção que teve como protagonista a ‘salinha do SIN’ [Serviço
de Inteligência Nacional, dirigido por Vladimiro Montesinos], nosso país
novamente se vê envolvido em uma série crise por atos de corrupção no âmbito da
administração de Justiça”.
Em 2004,
durante o Governo de Alejandro Toledo, uma comissão de especialistas elaborou a
mando do Ministério da Justiça um relatório que recomendava numerosas
modificações na Constituição de 1993 para melhorar o sistema de Justiça. Nenhum
governo as realizou.
Vizcarra
também submeterá à consulta uma reforma política postergada desde 2016 pelo
Congresso de maioria fujimorista. A reforma abarca a reeleição de
congressistas, o financiamento privado dos partidos políticos e as campanhas
eleitorais; e a restauração de duas câmaras sem que se aumente a quantidade de
parlamentares (130).
A
maioria dos líderes e ex-presidentes de partidos políticos é investigada pela
Promotoria por contribuições não declaradas de empresas brasileiras nas
campanhas eleitorais de 2011 e 2016. Entre eles estão os ex-mandatários Alan
García, Alejandro Toledo e Ollanta
Humala, e a esposa deste, Nadine Heredia, além de Pedro Pablo Kuczynski. A
ex-prefeita de Lima, Susana Villarán, também enfrenta uma investigação por
receber dinheiro da Odebrecht e evitar sua destituição do cargo em 2013.
EL PAÍS
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