Editorial
Depois que
o presidente Michel Temer perdeu o controle de sua base no Congresso, os
parlamentares começaram a retirar em dobro o que haviam concedido antes. O caso
das agências reguladoras é exemplar e não é o único, nem talvez o mais grave.
A Lei das Estatais estabeleceu restrições importantes para a ocupação
de cargos de diretoria e do Conselho, criando regras que afastavam a mera
indicação política e o nepotismo na ocupação de posições importantes nas
companhias em que o Tesouro é acionista relevante. Na votação do projeto de lei
6621, que traçava novas diretrizes para os órgãos de regulação, os deputados
voltaram atrás e tornaram a permitir a indicação de parentes e de membros dos
diretórios partidários para esses cargos. Cabe ao Senado a palavra final e o
desfecho não deve ser republicano.
Como órgãos de Estado, e não de governo, as agências reguladoras
deveriam ser autônomas operacional e financeiramente, além de tecnicamente
sólidas. Não são nada disso. Com a proliferação dos partidos e a consequente
necessidade de barganhas políticas exaustivas por parte do Executivo, em que a
oferta de cargos é a moeda de troca, as agências entraram na dança e
tornaram-se presa fácil das indicações partidárias com critérios rebaixados ao
nível da atual representação política e de seu irrisório espírito público.
Como a Operação Lava-Jato mostrou, assim como antes outros escândalos,
o MDB é um dos grandes condutores dos lobbies e traficante de interesses
privados no interior do aparelho de Estado. Com quase toda sua cúpula alvejada
por suspeitas graves de corrupção, inclusive o presidente da República, Michel
Temer, é a legenda campeã em nomeações para as agências, segundo levantamento
de "O Globo" (22 de julho) - 18 das 35 indicações políticas, em uma amostra
de 40 cargos dos oito principais órgãos regulatórios do país. Seus companheiros
de viagem na base governista, com reputação igual ou ainda pior, também foram
aquinhoados, como o PR, do mensaleiro Valdemar Costa Neto, ou o PP, a legenda
proporcionalmente mais atingida pelas investigações da Lava-Jato. O PT, que
sempre quis ter o controle político das agências, tem seis indicados na
amostra, inclusive um policial federal que fez parte da equipe de segurança da
presidente Dilma Rousseff, lotado na Agência Nacional da Aviação Civil (Anac).
A Agência Nacional de Saúde, envolvida em polêmicas recentes sobre
reajuste de planos de saúde, tem metade dos membros indicados pelo presidente
do Senado, Eunício Oliveira, um outro pelo presidente do MDB, Romero Jucá e
mais um por Ciro Nogueira (PP), condenado por se envolver na roubalheira
descoberta pela Lava-Jato. Entre as recentes boutades da direção da agência
está a de que ela não existe para defender os interesses dos consumidores, o
que é apenas uma meia verdade sem a outra metade do argumento, a de que ela
também não existe para atender ao interesse das empresas privadas de saúde.
O cipoal regulatório que cria insegurança jurídica tem sua origem em
um Legislativo que vota ao sabor das circunstâncias e da pressão dos lobbies.
As agências reguladoras perdem eficácia em meio a leis mal formuladas,
atribuições mal definidas e diretorias escolhidas por critérios sinuosos. Um
projeto de lei que levasse em conta a experiência já considerável das agências
deveria restringir os critérios de seleção dos corpos diretivos, ampliar sua
autonomia e melhorar o foco de sua atuação, buscando, entre outros, a melhoria
dos serviços e simplificação das práticas (Leonardo Ribeiro, Valor, ontem). A
prática de deslocar receitas próprias das agências para ajudar na tarefa de
cobrir os déficits públicos deveria ser interrompida. Critérios para
substituição rápida de integrantes da cúpula deveriam ser sacramentados, para
impedir a paralisia decisória que acometeu várias delas.
Há agências que funcionam bem e quadros técnicos valiosos e dedicados
em todas elas. Mas o manto da politicagem barata tolhe sua ação e eficiência,
quando não distorce suas decisões para atender a interesses particulares. Não
há maneira de exercerem com eficiência suas funções sem que elas sejam bem
definidas e se limite, ao máximo, as influências políticas em seu
funcionamento. Com o governo de Temer em seu ocaso, incapaz de nortear as
votações no Congresso, o Legislativo tem tomado decisões contra os interesses
do erário público e da racionalidade econômica. Nesse clima, seria melhor
esperar um novo governo e um novo Congresso para legislar sobre temas tão
importantes.
Valor Econômico
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