Cristiano
Romero
Nervosismo
do mercado decorre do fim do "pacto"
O governo do presidente Michel Temer acabou de fato no dia 17 de maio
do ano passado, quando, a serviço do então procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, gravou
diálogo embaraçoso, contendo trechos impróprios para uma conversa com o chefe
da Nação. Ao contrário dos prognósticos iniciais, Temer conseguiu se manter no
cargo, mas o episódio jamais foi superado e, por isso, seu governo, cuja força
no primeiro ano de gestão foi aprovar medidas importantes no Congresso
Nacional, ficou praticamente paralisado desde então.
Nada mais relevante - para o país superar a mais grave crise fiscal de
sua história - passou no parlamento e, o pior, os oportunistas de sempre
aproveitaram o vácuo político para assaltar o Tesouro. O clima de último baile
da ilha fiscal, como ficou conhecida a festa cheia de pompa promovida pela
monarquia em 9 de novembro de 1889, a apenas seis dias do golpe militar que a
apeou do poder e proclamou a República, se estende a integrantes do Poder de
Judiciário, que, igualmente movidos pelo enfraquecimento político do presidente,
têm tomado decisões de caráter populista, sem nenhuma preocupação com a
situação fiscal - como a do TST em favor de empregados da Petrobras, numa conta
estimada em R$ 17 bilhões, e as do ministro Ricardo Lewandovski, do STF,
impedindo a venda de estatais sem autorização prévia do Congresso, sendo que já
existe lei regulando o tema desde a década de 1990.
Temer assumiu o comando do país há pouco mais de dois anos, em meio a
uma das mais agudas crises política e econômica da história do Brasil. Quando
era vice-presidente, já rompido com a então presidente Dilma Rousseff, lançou o
documento "Ponte para o Futuro", um conjunto bem arrazoado de
propostas para modernizar a economia. Parte de sua versão da "Carta aos
Brasileiros" - documento que Lula lançou na corrida presidencial de 2002
com o objetivo de acalmar os mercados - foi cumprida e isso ajudou a economia a
sair de três longos anos de recessão, caracterizada por encolhimento de quase
8% do PIB e de 10% da renda per capita, além de inflação de dois dígitos,
explosão da dívida pública e o desemprego de 14,2 milhões de brasileiros.
O presidente conseguiu aprovar a criação do teto de gastos, mudança
feita na Constituição para impedir o crescimento real (acima da inflação) das
despesas da União durante 20 anos, medida de difícil cumprimento, mas
absolutamente necessária diante do descalabro fiscal em que se encontram as
contas do setor público. Além disso, passou alterações importantes no marco
regulatório do petróleo - decisão que está fazendo o setor renascer, depois de
dez anos de paralisia; aprovou a reforma trabalhista, cujos aperfeiçoamentos
negociados com centrais sindicais e parlamentares não vingaram porque a medida
provisória elaborada para essa missão caducou já na fase de enfraquecimento do
governo no Congresso; e propôs a reforma da Previdência, projeto mais
importante da agenda fiscal do país e que também não foi votado pelos
parlamentares porque o Palácio do Planalto perdeu o controle sobre sua base de
apoio no Legislativo.
A experiência mostra que não há ideologia no parlamento brasileiro -
os políticos com convicções ideológicas são poucos. Os presidentes que
perceberam isso - Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010) - aprovaram propostas aparentemente impopulares, como o fim
dos monopólios estatais e a primeira reforma da Previdência do setor público.
Ambos consagraram o chamado "presidencialismo de coalizão", que, além
de funcionar como uma espécie de "frente anti-impeachment", ajuda a
aprovar mudanças legais muitas vezes rejeitadas por aliados históricos do
presidente. A contrapartida é a entrega de nacos do poder a parlamentares - e,
claro, de agrados nada republicanos.
FHC e Lula também sofreram derrotas no Congresso, mas muito mais por
cochilo de seus articuladores políticos do que por resistência programática dos
partidos. Já Dilma Rousseff acreditava que seu problema com Eduardo Cunha, o
então presidente da Câmara que tirou da gaveta o processo de impeachment contra
a ex-presidente, era de natureza ideológica...
Em sua análise, FHC vai além: para ele, não há no Brasil nem direita
nem esquerda, dignas da definição feita pelo pensador italiano Norberto Bobbio.
Sendo assim, o Congresso aprova o que o Chefe do Executivo, eleito pelo voto
popular, quer. A tendência da maioria esmagadora dos congressistas é apoiar o
governo porque só assim terá a chance de fazer algo por sua cidade e, em última
instância, por seu Estado, crucial para o projeto de qualquer político
profissional, que é reeleger-se a cada quatro anos.
Como no presidencialismo o presidente tem muita força, com vontade
política, liderança e capital político obtido por dezenas de milhões de votos,
ele faz maioria no Congresso e aprova com razoável facilidade projetos tidos
como impopulares por grupos apoiados por corporações do funcionalismo e por
lobistas que defendem interesses específicos, muitos deles mantidos por grandes
empresas, inclusive, multinacionais.
Temer iniciou seu governo aprovando medidas desse tipo, como o teto de
gastos, que passou no Congresso sem maiores turbulências. A desenvoltura fez o
mercado conceder ao governo o benefício da dúvida. Qual era o pacto? Mesmo com
a União incorrendo em sucessivos déficits primários (conceito do resultado
fiscal que não inclui a despesa com juros) desde 2014, obrigando o Tesouro a se
financiar de maneira insustentável, as condições financeiras - os mercados de
taxa de juros e câmbio e a bolsa de valores - melhorariam. Essa melhora era
crucial para viabilizar a retomada da economia, que veio em 2017 e 2018, mas
numa velocidade muito lenta.
O que se vê agora nos mercados, que andam nervosos, é, além dos
reflexos da elevação dos juros nos Estados Unidos, um pouco da quebra desse
pacto porque a parte mais importante do "acordo" não foi cumprida: a
aprovação da reforma da Previdência.
Valor Econômico
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