Luiz
Carlos Azedo
É cultura
política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da
República, é agenda de governador. Era, não é mais
De onde vem a resiliência do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ),
que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República com
Lula fora da disputa? Com toda certeza, vem da violência presente no cotidiano
da população, que tem raízes profundas na sociedade brasileira, por causa do
nosso passado escravocrata, mas ganhou contornos de guerra civil não declarada
em razão do tráfico de drogas e da explosiva situação dos presídios
brasileiros.
Há outras causas para o enraizamento popular de sua candidatura, como
o desemprego escandaloso, que atinge 13 milhões de trabalhadores, e a
desestruturação da família unicelular patriarcal em decorrência da revolução
dos costumes, mas são temas em disputa eleitoral que não foram monopolizados
por Bolsonaro. O tema da violência, não, é dele e ninguém tasca, porque
Bolsonaro tem uma proposta de tratamento de choque para o problema: a pena de
morte. Ou seja, tratar os criminosos com intensidade igual ou superior à
natureza de suas ações, em todos os casos. Música para os violentos.
Ironicamente, o maior legado que o presidente Michel Temer deixará
para os seus sucessores é a organização do Sistema Unificado de Segurança
Pública (SUSP), recentemente criado, cuja implantação está a cargo do ministro
da Segurança Pública, Raul Jungmann. Pela primeira vez na história, o governo
federal assumirá responsabilidade em relação ao problema em caráter nacional e
permanente. Desde a Constituição de 1924, era assunto dos estados, fazia parte
da política de conciliação do poder central com as oligarquias regionais.
O combate à violência era uma das bandeiras de Temer para tentar a
reeleição, mas o presidente da República foi engolido pelas duas denúncias do
ex-procurador-geral Rodrigo Janot e por investigações em curso da Operação
Lava-Jato, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís
Barroso. A economia não cresceu como se esperava e a intervenção federal no Rio
de Janeiro, ato de grande repercussão, não deu os resultados que o governo
esperava.
A mudança que Temer promoveu foi estrutural e terá resultados a longo
prazo, com a criação de um fundo de financiamento do sistema, uma escola de
segurança e inteligência e um sistema integrado de dados. Como a abertura
comercial feita pelo ex-presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato
para evitar o impeachment, somente com o tempo a mudança será sentida pela
população. Mas estarão dadas condições efetivas para que o futuro governo
lidere o combate à violência e ao crime organizado, que se tornou um problema
de segurança nacional.
Acontece que nenhum candidato, com exceção de Bolsonaro, pretende
tratar desse assunto como prioridade. É cultura política arraigada, fingir que
a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de
governador. Era, não é mais. Vejam o caso do governador do Espírito Santo,
Paulo Hartung (PMDB). Em 2010, deixou o governo com uma crise nos presídios que
arranhou sua imagem de político comprometido com os direitos humanos e a
questão social. Agora, encerra o terceiro mandato sem condições de disputar a
reeleição, desgastado em razão da crise do sistema de segurança pública
capixaba, cujo ápice foi a greve dos policiais militares.
Classes perigosas
Um dos intérpretes do Brasil, o alagoano Alberto Passos Guimarães
(1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a
estudar o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem
estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no
rastro dos seus estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.
Na obra As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora
UERJ), publicada em 1982, fez um diagnóstico preciso do problema: “À violência
dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma
terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo
para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e
injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da
repressão”.
A “via prussiana” de modernização do país, durante o regime militar,
gerou um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela
mecanização da agricultura, e despreparado para ser absorvido nos marcos da
urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja
pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi
o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje.
O Brasil entrou num novo ciclo de ampliação das desigualdades na crise
do governo de Dilma Rousseff. Apesar da retórica petista e dos programas de
transferência de renda do governo, a recessão ampliou os desequilíbrios
demográficos e sociais. Além disso, a crise ética mudou o comportamento social
das camadas urbanas, que utilizam códigos ou símbolos morais diferentes para
entender e resolver seus problemas. O entendimento do direito à propriedade já
não é o mesmo. Os que têm o maior interesse em resguardá-lo não o fazem. E o
respeito sagrado inoculado na consciência das classes pobres foi profundamente
desgastado, como já advertia Guimarães.
Correio
Braziliense
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