quinta-feira, 5 de julho de 2018

Empresários se somam à transição de López Obrador após sua esmagadora vitória

IGNACIO FARIZA

Dois lados deixam para trás desencontros da campanha eleitoral e encenam um novo clima de “entendimento e confiança”

Ninguém quer ficar de fora do novo ecossistema político mexicano; muito menos o setor empresarial. O futuro presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, e o chefe da principal entidade patronal mexicana, Juan Pablo Castañón, encenaram nesta quarta-feira um novo clima de “entendimento e confiança” depois da esmagadora vitória do primeiro nas eleições de domingo passado. Após uma campanha eleitoral marcada por desencontros – embora matizados na reta final, quando a vitória do candidato do partido Morena já era inexorável –, ambas as partes enterraram nesta quarta-feira, em um encontro num hotel no centro da capital, a tocha de guerra que exibiram durante semanas. O evento terminou com uma entrevista coletiva conjunta marcada por sorrisos e palavras amáveis.

As rixas ficaram definitivamente para trás. Ambas as partes têm consciência de que se necessitam mutuamente nesta nova etapa: López Obrador não pode realizar sua promessa de uma “quarta transformação” do México sem o setor produtivo, enquanto e o empresariado, sabedor de que quem se mexe não sai na foto, reconduziu às pressas sua relação com o futuro presidente. “Foi uma reunião muito cordial, muito boa, de coordenação para trabalhar conjuntamente”, salientou o futuro chefe de Estado e de Governo da segunda maior economia da América Latina. “Quero expressar minha satisfação com a atitude do setor empresarial e agradecê-los por sua atitude responsável e de confiança mútua.”

Como já fez em seu primeiro discurso como presidente-eleito, no domingo à noite, López Obrador reiterou que a “transformação do México” será “pelo caminho da concórdia”. A seu lado, Castañón assentia com um sorriso no rosto: a música, por enquanto, soa bem a ambas as partes. “Nada será imposto, vamos argumentar e convencer. Mesmo que nosso movimento tenha a maioria, não vai agir de maneira prepotente: nada pela força, tudo pela razão e pelo direito. Vamos atuar com muita responsabilidade: queremos transformar o país em um ambiente de liberdades plenas”, salientou o líder do Morena. “Estamos em um tempo de reconciliação e de unidade nacional.”

“Como empresários, conhecedores das instituições que fomos forjando, estamos conscientes de que necessitamos de um Governo sólido e forte”, complementou Castañón, presidente do Conselho Coordenador Empresarial (CCE). “E a atitude foi de confiança, de certeza, de serenidade, de trabalho em conjunto e de visão de futuro. É uma grande oportunidade poder trabalhar com sua equipe [no período de transição].” Os dois lados se comprometeram a desenvolver conjuntamente um modelo de formação profissionalizante destinado aos jovens – uma das principais preocupações do programa eleitoral de López Obrador –, um programa de melhorias para as pequenas e médias empresas e mecanismos específicos para “priorizar” os investimentos no sul do país, região que concentra os Estados mais pobres do México.

Mas nesta reunião não foi discutido detalhes de um dos temas que mais geraram atritos entre ambos os lados durante a campanha: a construção, já em andamento, do novo aeroporto da Cidade do México, ao qual o agora presidente eleito se opõe por enxergar no projeto um “ninho de corrupção”, e também por sua localização – no leito do antigo lago Texcoco – e seu custo elevado. Mas pactuaram, por outro lado, a criação de equipes de trabalho para analisar “imediatamente” qual é a melhor opção: manter as obras em seu esquema atual, fazer uma concessão dessa infraestrutura – a saída mais provável – ou paralisar os trabalhos e levar o novo aeródromo à base militar da Santa Lucía, como propôs inicialmente o ex-prefeito da capital.

López Obrador foi à reunião acompanhado dos futuros secretários (ministros) de Fazenda, Carlos Urzúa, e Trabalho, Luis María Alcalde, e pelo seu futuro chefe de Gabinete, o também empresário Alfonso Romo. Pelo lado do setor privado Castañón se cercou dos principais representantes setoriais: da indústria, do campo, dos serviços e do setor financeiro, entre outros. Antes do encontro, Romo tinha destacado que o objetivo destas primeiras ações do líder do Morena como presidente-eleito seria dar “muita confiança” para que o México se torne um “paraíso para os investimentos”. Um novo aceno e a enésima mensagem de tranquilidade para os grandes fundos de investimentos, que reagiram positivamente depois das eleições de domingo.

“O discurso de López Obrador, tanto no dia da eleição como hoje, foi muito conciliador. Nós o recebemos com otimismo”, disse o presidente do Conselho Mexicano de Negócios e primeiro-executivo da rede de cinemas Cinépolis, Alejandro Ramírez, ao EL PAÍS. “Vemos muito positivamente sua ideia de aumentar o investimento público; é muito necessário e motivará mais investimento privado”. “Concordamos com ele sobre a responsabilidade das empresas de gerarem empregos de qualidade”, acrescentou Daniel Baima, presidente da Constellation Brands no México, um dos maiores investidores privados no país.

Urzúa, por sua vez, prometeu na Televisa que no próximo mandato presidencial não haverá “movimentos abruptos” no mercado da gasolina, cujo preço será fixado em função da inflação anual, e projetou um desembolso de 35 bilhões de pesos (sete bilhões de reais) para cumprir seu compromisso de oferecer uma pensão a todos os idosos, e de 90 bilhões de pesos para o programa de emprego e estudo juvenil. O braço-direito de López Obrador para assuntos econômicos anteviu também uma melhora na taxa de câmbio do peso frente ao dólar caso se chegue a um acordo para a renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), defendeu a cooperação com o Governo de Enrique Peña Nieto – cujo mandato vai até 1º. de dezembro – em tudo o que for relativo ao diálogo trilateral com os Estados Unidos e Canadá e previu um crescimento econômico de 2,5% para o ano que vem, ligeiramente acima do estimado pelo atual Executivo.

EL PAÍS

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