William
Waack
Somos pequenos e diminuímos nas últimas décadas por falta de
lideranças com visão
É uma pena, e ao mesmo tempo um péssimo sinal, o fato de temas de
política externa terem tão pouca importância no debate político eleitoral no
Brasil, país ao mesmo tempo abençoado e amaldiçoado pela enorme distância que
mantém de qualquer conflito internacional relevante. Abençoado, pois ninguém
aqui vai dormir hoje preocupado em saber se um ente querido vai matar ou morrer
num conflito armado (não estou considerando a guerra interna brasileira como
conflito armado clássico). Amaldiçoado, pois a imensa maioria da população – e
os políticos em geral – não tem a menor percepção da natureza, abrangência e
alcance de grandes contenciosos lá fora.
E olhem que Donald Trump, involuntariamente, nos deu uma espetacular
demonstração da rapidez da destruição que está alcançando o sistema de relações
entre as potências existente desde o fim da 2.ª Guerra Mundial. Ao lado do
tirano russo Vladimir Putin, de quem foi livrar a cara num encontro em
Helsinque, Trump encerrou uma extraordinária semana de massacre do que tinham
sido até aqui alguns princípios norteadores da potência que foi decisiva para
dar forma e garantir esse sistema do pós-guerra, os Estados Unidos.
O mundo no qual o Brasil terá de se virar agora é um lugar no qual o
presidente americano xinga aliados e elogia adversários tradicionais; abomina
instituições multilaterais (da OMC à ONU) e a coordenação de ações entre
países; encara o comércio internacional como um jogo de soma zero, no qual se
alguém ganha é às custas de outro; reflui para o pensamento de divisão do mundo
em esferas de influência nas quais “homens fortes” podem agir a gosto; mantém
que a aplicação de princípios ou valores é coisa de trouxa e só distrai de
resultados práticos.
Não estou aqui (desculpem o cinismo) fazendo um julgamento moral sobre
se esse admirável mundo novo é pior ou melhor do que o velho. Cumpre apenas
registrar que boa parte do que foram apostas de política externa e inserção
internacional do Brasil (supondo que as havia de maneira mais ou menos
doutrinária) simplesmente caiu por terra. O que um novo governo aqui possa ter
como norte precisará levar em conta um mundo muito mais perigoso e multipolar
no “mau” sentido da palavra, isto é, não pela convivência mais ou menos
harmônica de vários polos de poder, mas, sim, pela destruição de regras que até
agora tiveram notável importância.
Duas delas estão sob ataque há algum tempo, não importa Trump.
Democracias liberais e seus sistemas representativos passam por notável crise,
em parte até acelerada pela revolução digital. Sob ataque está a ordem
internacional do “livre” comércio – que inclui o livre movimento também de
capitais e pessoas. A instabilidade parece ser o componente essencial de uma
nova situação na qual não está claro como será a acomodação (pacífica ou nem um
pouco pacífica) do surgimento de uma nova superpotência, a China.
É bastante óbvio que esse tipo de desafio se torna ainda mais difícil
para um país como o Brasil, amarrado ao chão não por grilhões impostos por
potências estrangeiras (como afirmam populistas imbecis, particularmente os de
coloração petista, mas não só). Somos pequenos no mundo e diminuímos em termos
relativos nas últimas décadas por conta de produtividade estagnada, economia
pouco competitiva e paralisia política geral para resolver problemas (como a
crise fiscal) que demandam urgentemente o recurso do qual mais precisamos, e
não encontramos: lideranças políticas com visão.
No nosso próprio clima de “vamos ver o circo pegar fogo”, tem bastante
gente aplaudindo Trump. É bom não esquecer que somos parte do circo.
O
Estado de São Paulo
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