Editorial
A profusão de projetos aprovados pela Câmara e pelo Senado às vésperas
do recesso parlamentar, com forte impacto negativo sobre os cofres públicos,
causaria perplexidade se fosse a primeira vez que acontecesse. A prática, no
entanto, se repete, principalmente em ano eleitoral. Acreditava-se, no entanto,
que a criação de um teto de gastos para a União colocaria um freio nesse
desatino populista. Mais uma ilusão que se desfez.
O país vive hoje uma situação surreal. Em dezembro de 2016, o
Congresso aprovou um teto para os gastos da União, como forma de colocar um
freio no crescimento continuado das despesas e reequilibrar as contas públicas,
que estão deficitárias desde 2014. Depois que o teto entrou em vigor, os mesmos
senadores e deputados passaram a criar novas despesas obrigatórias, como se uma
coisa fosse compatível com a outra. É o non sense.
O mais grave, no entanto, é que os próprios parlamentares incluíram um
dispositivo na emenda constitucional 95, que criou o teto de gasto,
determinando que a proposição legislativa que crie ou altere despesa
obrigatória ou renúncia de receita seja acompanhada da estimativa do seu
impacto orçamentário e financeiro.
Não é conhecida a estimativa feita pelos deputados sobre o impacto nos
cofres públicos do marco regulatório para o transporte rodoviário. Se é que
fizeram, antes de aprová-lo. Igualmente não é conhecido que os parlamentares
procuraram saber se havia espaço orçamentário para a lei 13.606/2018, que
parcelou os débitos dos produtores rurais com o Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (Funrural).
Recentemente, houve um diálogo entre o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ) e o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que dá uma ideia de como os
projetos são aprovados. Os deputados estavam votando o fim da cobrança da conta
de luz para famílias com renda menor ou igual a meio salário-mínimo.
Maia perguntou ao deputado Lopes, o relator da matéria, qual era o
impacto da medida no orçamento. O parlamentar disse que não haveria impacto.
"Há impacto em algum lugar", rebateu Maia. "Se alguém não vai
pagar, outro alguém vai ter que pagar a conta." A medida deverá aumentar a
conta de energia dos demais consumidores em 1,6 ponto percentual. Aqui não se
discute o mérito da proposta, mas a necessidade de uma avaliação adequada das
propostas que são votadas. É o mínimo que se espera dos representantes do povo.
É louvável o questionamento feito por Maia. Mas ele deveria ter
perguntado também quanto custaria o parcelamento das dívidas dos produtores
rurais com o Funrural ou se alguém sabia qual era o impacto das vantagens
introduzidas pelos deputados no marco regulatório para o transporte rodoviário.
A estimativa do governo é que o projeto aprovado custará R$ 8,5 bilhões por ano
aos cofres públicos, de acordo com entrevista do ministro da Fazenda, Eduardo
Guardia, ao jornal "O Estado de S. Paulo".
Na semana passada, os parlamentares deram mais uma demonstração de
dissintonia com a realidade fiscal do país. Ao votar o projeto de lei de
diretrizes orçamentárias para 2019, retiraram do texto o artigo colocado pelo
relator da proposta, senador Dalirio Beber (PSDB-SC), que proibia novos
reajustes salariais aos servidores em 2019 - além dos já concedidos e que serão
pagos em janeiro - e a criação de cargos e funções na administração pública
federal.
O senador Beber tentou convencer seus pares a manter o artigo, com o
argumento de que a sua intenção era reduzir o tamanho dos problemas fiscais do
próximo governo. De nada adiantou. Deputados e senadores derrubaram também o
artigo que reduzia em 5% os gastos em custeio administrativo em 2019.
É bom lembrar que a LDO aprovada na semana passada autoriza o governo
Michel Temer a "driblar" uma regra fiscal. A Constituição determina
que as operações de crédito da União não podem superar as despesas de capital,
ou seja, os investimentos. O governo não tem como demonstrar que a proposta
orçamentária de 2019 cumpre o dispositivo (chamado de "regra de
ouro"), pois as despesas primárias superam as receitas primárias. Para
contornar o problema, os senadores e deputados autorizaram o governo a incluir
na proposta despesas obrigatórias no montante de R$ 260,2 bilhões, com execução
condicionada à emissão futura de títulos públicos, que somente será solicitada
pelo próximo presidente em 2019. É mais um "jeitinho" brasileiro, que
simplesmente adia a solução de um problema.
Valor Econômico
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