Fernanda
Trisotto
Para Zeina
Latif, economista-chefe da XP Investimentos, Brasil já passou da hora de fazer
sua reforma da Previdência e para eliminar os privilégios, será preciso mexer
também com o funcionalismo antes que o tema perca a disposição da sociedade
O ano novo não teve um começo fácil para o Brasil. As contas públicas
estão em frangalhos – tanto o governo federal quanto estados e municípios estão
penando para não estourar os gastos. O primeiro puxão de orelha veio logo da
agência Standard & Poor’s, que rebaixou
a nota de crédito do Brasil e nos colocou ao lado de países como o
Vietnã. Entre outras razões, o fato de o Brasil não conseguir aprovar sua
reforma da Previdência pesou na avaliação da agência de risco.
Para a economista-chefe da XP Investimento, Zeina Latif, a reforma da
Previdência é a espinha dorsal do ajuste fiscal, importante para o governo, e o
país já está atrasado por não tomar nenhuma atitude. “Será que a gente vai
precisar quebrar de verdade para conseguir fazer reforma?”
Para ela, aprovar algo ainda em 2018 é importante para garantir um
fôlego ao próximo presidente. Mas também não dá para ser ‘qualquer coisa’. Uma
reforma válida apenas para quem entrar no mercado de trabalho agora seria ruim.
A aprovação da idade mínima com regra de transição já é promissora. Porém,
deixar o funcionalismo de lado pode significar esquecê-lo por muito tempo.
“Todo o discurso do governo nessa nova tentativa de reforma é eliminar os
privilégios. Aí na hora que fala que vai aguardar para mexer no funcionalismo
meu temor é de que enfraqueça o apelo, a disposição da sociedade por essa reforma
que mexe só no INSS”, pondera.
Esse processo ainda é o termômetro dos desafios que o próximo
presidente vai encarar para retomar o crescimento. “Agora 2019 é a hora da
verdade. O próximo presidente tem de vir com agenda forte, ambiciosa e com
muita capacidade de articulação política”, aponta.
Zeina esteve em Curitiba para um evento de lançamento da Patrimono
Investimentos, em Curitiba. Ela conversou com a Gazeta do Povo sobre a situação
fiscal do Brasil, a reforma da Previdência e as expectativas para o próximo
presidente. Leia os principais trechos.
Qual sua
avaliação do atual momento do Brasil?
O setor público está nesse colapso, que não é só do governo federal –
é dos estados, dos municípios, não tem capacidade de fazer investimentos, tem
que atrair o setor privado. Atrair o setor privado não é fácil: você tem, por
um lado, muita demanda para infraestrutura e serviços no Brasil, mas por outro
é um país onde é muito difícil de fazer negócios. Para você atrair esse
dinheiro – porque dinheiro na mesa tem – você tem que arrumar o funcionamento
dos avanços institucionais que o país precisa. Tudo isso num contexto de uma
sociedade que está muito decepcionada, muito desconfiada, não tem salvador da
pátria. É uma sociedade com interesses muito pulverizados. Se por um lado a
gente tem uma agenda tão difícil politicamente, por outro lado eu vejo o Brasil
melhor posicionado para lidar com isso, com esses problemas, do que no passado.
O país
começou o ano com o efeito do rebaixamento da nota de crédito na Standard &
Poor’s...
Não concordei com a decisão. O que tem de importante foi reafirmar e
ressaltar a gravidade da crise fiscal e da urgência dessas medidas – não tem
mais espaço para adiar essas agendas. A S&P, no fundo, falou que está
rebaixando o Brasil e colocando no grupo do Vietnã porque o Brasil não consegue
aprovar a reforma da Previdência e tem riscos eleitorais, que somando tudo, é
prenúncio das dificuldades do próximo presidente. Ela toma a natural incerteza
do cenário eleitoral como sinal de que a gente vai ter muita dificuldade com
essa agenda e eu acho que está cedo para dizer isso. O que eu penso é o
seguinte: tem desafios, são enormes, mas por outro lado o país está mais
maduro. A gente não pode tomar a incerteza como a certeza que tudo vai dar
errado, porque pode dar certo. A incerteza também é para o bem – pode ser que a
gente se surpreenda.
No que isso
impacta a projeção do Brasil para os próximos anos?
As manifestações de colapso do estado estão aí e podem piorar muito
este ano. Tem muitos estados e o próprio governo federal em situação bastante
difícil: febre amarela e não tem seringa, estado que não consegue pagar folha
de pagamento. É torcer para que não aconteçam catástrofes e coisas do tipo,
porque a nossa capacidade de reação vai ser muito limitada. Agora, a gente vai
construindo um cenário para que o próximo presidente e a nossa classe política,
que é muito pragmática, vão conseguir avançar. A discussão é quem, dentre esses
candidatos, vai ter mais capacidade política de entregar uma agenda mais
ambiciosa, de forma que o Brasil consiga ter ciclos econômicos daqui para
frente tão acentuados. Será que a gente vai precisar quebrar de verdade para
conseguir fazer reforma? E só vai fazer reforma quando a coisa vai mal ou
teremos mais maturidade para fazermos reformas com mais frequência? Hoje a
gente tem mais chance de enxergar um cenário benigno do que no passado.
Venezuela a gente não vai virar. O Brasil tem instituições mais sólidas. Mas a
questão é essa: quem vai poder entregar mais? Essa resposta a gente não vai ter
em 2018, teremos em 2019, quando o futuro presidente tomar posse. Provavelmente
não vai ter lua de mel, vai ter de chegar já mostrando a que veio. Acho que
podemos nos surpreender positivamente, tanto do ponto de vista de reação da
economia quanto de não ter uma volatilidade expressiva. Agora 2019 é a hora da
verdade. O próximo presidente tem de vir com agenda forte, ambiciosa e com
muita capacidade de articulação política, porque são agendas que não dependem
só de boa vontade e de estar conectado. Isso é importante, mas ele terá que ter
capacidade de articulação política e diálogo.
Uma das
medidas que ajudariam a missão do próximo presidente é a aprovação da reforma
da Previdência, mas não há sinais de que ela sairá esse ano. É melhor qualquer
reforma do que nenhuma mudança?
Depende. Acho improvável que aconteça, mas digamos que o presidente
faça uma reforma da Previdência só mudando as regras para quem ingressar agora
no mercado de trabalho. Se for para fazer isso, é melhor não fazer, porque vai
ser uma reforma ruim. Agora, se você consegue fazer idade mínima com regra de
transição, manter isso, vai ser um salto importante. Eu acho que a dificuldade
do governo na aprovação da reforma da Previdência não é exatamente a questão de
capacidade de articulação política. É porque o tema é de fato difícil, demorou
para esse debate avançar e cair a ficha da sociedade da importância da reforma,
que estamos envelhecendo e não dá mais para manter o desenho do passado. E vejo
ainda muita resistência do funcionalismo em relação às mudanças, que faz uma
pressão muito grande dentro do Congresso. Isso é bastante claro quando a gente
olha ao dia seguinte do anúncio do governo de que iria adiara a votação da
reforma para depois do Carnaval, no dia seguinte, o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, falou que ia ter de flexibilizar adicionalmente as propostas de
reforma da Previdência da parte do funcionalismo. Mais recentemente, saiu na
imprensa que o governo também discute não mexer com funcionalismo agora, deixar
essa parte para o próximo presidente e fazer só o ajuste do INSS. Se caminhou
desse jeito, a minha interpretação é de que fato aí é que tem uma grande
resistência.
E o
discurso do governo para emplacar a reforma é de redução de privilégios...
Todo o discurso do governo nessa nova tentativa de reforma é de uma
reforma que não vai impactar as pessoas mais pobres – vai impactar os
não-pobres, e, portanto, tem essa questão de justiça e de eliminar os
privilégios. Aí na hora que fala que vai aguardar para mexer no funcionalismo –
mesmo que mexa só no INSS já seria importante – mas o meu temor é de que ao não
mexer no funcionalismo enfraqueça o apelo, a disposição da sociedade por essa
reforma que mexe só no INSS. A gente vê um quadro difícil para aprovação. Mesmo
que seja só INSS, por mais decepcionante que seja não mexer com o
funcionalismo. E essa questão do funcionalismo é urgente no caso dos Estados.
Mesmo que isso não aconteça, só fazer o INSS já é importante. Quanto mais a
gente avançar agora, mais o próximo presidente vai ter capital político para
avançar em outras agendas: a reforma dos militares, a questão do funcionalismo,
reforma tributária. Então, se você sobrecarrega demais a missão do próximo,
obviamente que poderá ter reveses.
E não fazer
nada com a Previdência afeta muito as contas públicas.
A reforma da previdência é a espinha dorsal do ajuste fiscal. Nesse
orçamento deficitário, que ainda não temos o número, mas deve ser mais de 2% ou
até 2,5% do PIB, no nível federal 57% das despesas são de previdência e tem
outras despesas obrigatórias – a gente já está gastando toda a nossa margem.
Não é à toa que não tem dinheiro para investir. Independe de regra de ouro, de
regra de teto – isso não é saudável para o país: o dinheiro acabou. A reforma
da previdência é essencial, e a gente está atrasado. Qualquer país minimamente
arrumado estabeleceu a idade mínima há 20 anos – nós tentamos fazer isso e não
conseguimos. Eu não estou comparando o Brasil a países desenvolvidos. Estou
comparando com países parecidos como a gente. Nossos vizinhos da América Latina
já fizeram suas reformas para adequar a idade mínima. É um absurdo o Brasil não
ter idade mínima para aposentar. Aliás, tem: para os mais pobres, que se
aposentam, a depender da regra, com 60 ou 65 anos. Justamente quem tem mais
renda, que é quem se aposenta por tempo de contribuição, não tem idade mínima
para aposentar. É um equívoco do ponto de vista fiscal e de equidade.
Quais as
opções do governo: enxugar a máquina? Mexer na regra de ouro, como vem
sinalizando?
Já passou dessa fase. Claro que uma reforma administrativa seria muito
boa, mas já não resolveria. A regra de ouro é uma boa regra: o governo só pode
emitir dívida pública para amortizar a própria dívida e para investimento, não
pode usar para gastos correntes. Ela fala que esta geração não pode deixar a
fatura para a próxima. Quer ter gastos com previdência, funcionalismo, com isso
e aquilo? Pois é, vai ter que fazer com carga tributária. Já deixamos um quadro
bastante ruim para os nossos jovens de é um país que não cresce e ceifa
oportunidades. Ainda vamos deixar mais? Há uma questão concreta que é a
seguinte: até que a gente tenha a aprovação de reformas estruturais e elas, de
fato, se materializem nos cofres públicos, a gente vai passar por riscos. O
número talvez fique menor, mas hoje é algo na casa de R$ 200 bilhões para
cumprir a regra em 2019. O próximo presidente já entra correndo o risco de
cometer crime fiscal e isso ameaçar o seu mandato. Flexibilizar a regra de
ouro, se bem feito, não compromete a solvência de dívida nossa. É um ajuste de
curto prazo, em que se põem contrapartidas, limitações, para que isso não gere
precedentes. No fundo, a questão é como vai arrumar R$ 200 bilhões ou algo
nessa casa em 2019? Não tem mais dinheiro do BNDES, certo? CPMF não tem como –
vai cobrir R$ 50 bilhões e olha lá. Mesmo que você faça um conjunto de medidas,
é um volume de recursos muito grande num país que tem sérias limitações para
aumentar a carga tributária. A opção é diluir por alguns anos, mas com contrapartidas,
como não aumentar funcionalismo. E o governo não pode mandar um orçamento já
violando a regra. Alguma flexibilização será necessária. A questão é como fazer
isso sem abrir precedentes e sinalizar irresponsabilidade fiscal. Simplesmente
flexibilizar, sem nenhuma contrapartida, aí seria um tremendo equívoco porque
abre um precedente muito ruim.
Este ano
vamos escolher o próximo presidente. Há espaço para um debate eleitoral de
nível?
Durante a campanha, seria ingenuidade pensar que os candidatos vão querer
discutir o seu desenho de reforma da previdência. É ingenuidade achar que
teremos esse tipo de conversa. A questão na agenda econômica é não negar o
problema, porque isso vai ser questionado. Não há espaço para discurso
populista, porque para ser populista é preciso ter dinheiro no bolso. A
tendência dos candidatos é de ter uma postura mais responsável, porque a
campanha de 2014, em que os problemas foram negados e passou-se uma imagem de
um país que não existia, deixou lições. Os equívocos de 2014 deixaram lições
para a classe política: tem limite para você negar problemas, porque você corre
o risco de ganhar a eleição e aí tem que fazer o ajuste da casa. E como é que
faz? Num país que passou por uma crise como essa – em que chefes de família
perderam emprego, com crise de segurança, colapso do setor público – a
sociedade precisa entender a importância do equilíbrio fiscal par a gente
recuperar a capacidade do estado de oferecer serviços públicos. Aí tem que ser
o debate, não de ter ou não problema, mas em cima de quais são as propostas de
cada um. Qualquer que seja o partido e a orientação do partido, a discussão
deve ser em cima das propostas e não de um falando que tem problemas e o outro
falando que não tem.
Gazeta
do Povo
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