Editorial
A
resistência à modernização das relações de trabalho leva sindicatos a
desrespeitarem o Congresso e a agirem como se o imposto sindical ainda
existisse
O momento por que o país passa, com necessidade de ajustes nos gastos
públicos, apresenta vários exemplos de como grupos de privilegiados na
sociedade, dentro e fora do Estado, reagem com vigor ao risco de perdas
necessárias à estabilização da economia e à modernização do sistema produtivo.
A reforma da Previdência é caso evidente, pelo tamanho e
características do problema, bem como pelas resistências corporativistas. O
sistema como um todo precisa ser atualizado para uma nova realidade
demográfica, de crescente parcela de idosos, com expectativa de vida em
ascensão — uma boa notícia —, sem que o fluxo de entrada de jovens no mercado
de trabalho, novos contribuintes do INSS, financie o aumento dos gastos com
aposentadorias e benefícios. Resultado, déficits.
Há, ainda, a enorme disparidade entre a aposentadoria do assalariado
do setor privado e do servidor público, em favor deste, injustiça que grupos
organizados do funcionalismo não admitem que seja eliminada. É o que está à
espera do novo presidente.
No âmbito das relações trabalhistas, a resistência de castas é mais
grave, porque sindicatos driblam a reforma no que se refere à extinção do
imposto sindical, uma excrescência, substituído por contribuições espontâneas.
Os dirigentes sindicais cometem uma ilegalidade.
Sancionada a reforma em julho, desde então chegou formalmente ao fim a
tunga daquele imposto, equivalente, por ano, a um dia de trabalho, fosse a
pessoa sindicalizada ou não.
Era um dinheiro fácil — em 2016, R$ 2,9 bilhões —, gasto sem qualquer
controle, um convite à roubalheira. E casos de desvios já foram relatados pelo
jornalismo profissional.
Quando surgiu no sindicalismo e na política, no final da década de 70,
o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva combatia essa ordem varguista: era
contra o imposto sindical e o monopólio regional. Ou seja, a impossibilidade de
haver dois sindicatos por base. Eleito presidente, mudou de ideia e ainda
reservou milhões do imposto para as centrais (CUT, Força Sindical etc.).
A reforma — como desejava o Lula dos anos 1970 — força o sindicato a
prestar bons serviços aos filiados, para que eles aceitem contribuir. Os
sindicatos precisam ter de fato representatividade.
Mas, em vez disso, como revelou reportagem do GLOBO, têm realizado
assembleias de quórum desconhecido e aprovado “contribuições” que, em alguns
casos, chegam a ser mais elevadas que o extinto imposto sindical. Na
representação dos metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, ela corresponde a 3,5
dias de trabalho, mais que o triplo do imposto.
É nisto que deu este aparato corporativista monstruoso instituído no
getulismo da ditadura do Estado Novo, com pedigree fascista. Sindicatos de
trabalhadores e patronais estão ligados ao Estado, eterno tutor, e têm até
Justiça própria.
Os interesses criados por esta máquina são tão fortes e autônomos que
sequer obedecem ao Congresso, como demonstra esta resistência inconcebível a
seguir as novas regras trabalhistas. O Ministério Público e a Justiça precisam
agir.
O
Globo
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