quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Fuga da realidade

Míriam Leitão

Nas negociações da Previdência os partidos fazem propostas para diluir a reforma, mas não garantem votos se a ideia for aceita. Os políticos passaram as últimas horas dedicados ao esporte nacional de fugir dos problemas. A solução foi um relatório sem alguns pontos com maior discordância, para ser decidido em plenário: concessões para servidores de antes de 2003 e acumulação de aposentadoria e pensão.

A reforma de Temer pode ficar para a história como a que foi sem nunca ter sido. Todos os últimos governos fizeram alterações na Previdência e, como foram diluídas no Congresso, o país continua precisando de mudanças urgentes no sistema de pensão e aposentadorias.

Os governadores querem tirar as despesas da Previdência dos seus limites de gastos e transferi-las para um fundo previdenciário. Alguns governadores têm noção da gravidade da situação e entendem que a melhor saída é a união em torno do executivo federal para aprovar as mudanças. Outros preferem achar que há uma solução mágica.

A proposta que eles discutiram foi elaborada por economistas. Um deles, Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara, disse que a ideia é aberta a todos os entes federados e seria construir um fundo capitalizado com ativos que estão sendo mal geridos. Os fundos ficariam entregues a uma entidade gestora independente. A engenharia calculada pelos economistas pode ser a forma de resolver o impasse, mas o que a maioria dos governadores entendeu e o próprio relator do projeto é que é um jeito de escapar do problema.

— A proposta consiste em retirar todo o peso da dívida previdenciária acumulada pelos estados, que não tomaram sequer mínimas medidas para conter o aumento da dívida atuarial, e agora querem jogar tudo nas contas da União — disse Arthur Maia (PPS-BA) ao Jornal Nacional, da TV Globo.

Até agora, não há votos para aprovar a reforma, mas a decisão é a de continuar negociando para que o assunto seja colocado em plenário no dia 20. Mas ninguém do governo tem qualquer garantia de que ela será aprovada. Pelo contrário, o número 270, com algumas variações, é repetido pelos principais negociadores da reforma. E isso é em torno de 40 votos a menos do que o necessário.

O começo do novo ano legislativo traz complicações. Há novos líderes escolhidos e eles não sabem dizer quantos votos podem ser trocados em cada concessão feita.

Foi assim no caso da acumulação de aposentadoria com pensão. Apareceram mais duas propostas. Uma, de que o limite para acumulação seja retirado. Isso beneficiaria principalmente funcionários públicos. A outra é que a pessoa aposentada poderia acumular a pensão do cônjuge, mas ela seria reduzida ao longo do tempo. A terceira, que já estava na mesa, é a de permitir a acumulação até o máximo do teto do INSS. O outro ponto sobre o qual o governo já cedeu é o de ter regras mais favoráveis para os que entraram no setor público antes de 2003, quando foi votada a reforma do Lula. Discutidas essas propostas, os partidos foram consultados sobre quantos votos isso agregaria. O PSD disse que mais três votos, se tanto. O PSDB não sabe dizer porque o novo líder do partido na Câmara, deputado Nilson Leitão, acabou de assumir. Os tucanos estão divididos agora em três partes: um terço votaria pela reforma, um terço é contra, e um terço, oscila. O PMDB tem mais votos a favor, o PP não sabe dizer.

A proposta dos estados se fosse como os economistas conceberam não seria ruim. O risco é eles entenderem que terão mais espaço para despesas. Segundo, se tivessem como capitalizar seus fundos previdenciários seria bom, mas eles querem entregar ativos ainda não definidos para o governo federal, e ele capitalizaria essas fundações. Se a Previdência dos servidores federais e o INSS são bola de neve, pior são as previdências estaduais que têm custos mal calculados. Os estados precisam ainda mais da reforma, mas os governadores têm preferido pedir que a União resolva o problema.

A reforma caminha para não ser aprovada. Se alguém pensa que essa é a reforma do Temer está enganado. Da mesma forma que a de Fernando Henrique, a de Lula e a de Dilma foram mudanças que trouxeram benefícios para os governos que vieram depois. Mas foram todas insuficientes. Exatamente pela pressão dos lobbies que ocupam o legislativo. A resistência ao projeto é feita pelos especialistas em fuga da realidade.

O Globo


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