Fernando
Limongi
Nada
justifica os privilégios do Poder Judiciário
No início de fevereiro, a revista "Isto é" festejou "o
novo tom da justiça". Para a revista, "o Supremo não se dobra a
pressões" e rejeita "acomodações". Posando com caras de durões e
trajando capas, os Ministros foram retratados como heróis, membros da Liga da
Justiça.
Na abertura do ano judiciário, 'Os Onze Supremos' foram recepcionados
pela FRENTAS (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público). Os
juízes e promotores não saudavam o estrelato de seus líderes. Estavam ali para
pressionar, defender o seu. De lá para cá, a pressão só cresceu e, no final
dessa semana, circularam rumores de que magistrados estariam dispostos a entrar
em greve.
Não é a primeira vez que juízes pressionam o Supremo e ameaçam
paralisar atividades. Fizeram o mesmo em 2000, ano da aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e da imposição de tetos salariais. Cortes e
austeridade fiscal para todos, menos para os magistrados.
Nelson Jobim, em seu depoimento à História Oral do Supremo, desce aos
detalhes, narrando peripécias de fazer inveja a Pedro Malasartes. Jobim
manipulou pauta do Supremo, blefou, ameaçou, fez acordos com líderes do
movimento grevista e muito mais. Tudo para escapar dos limites impostos pelo
teto constitucional sem parecer que o Supremo cedera ao 'sindicato'. Para
tanto, contou com a anuência do Presidente Fernando Henrique e fez tabelinha
com o então Ministro Chefe da Casa Civil, Pedro Parente --a quem define como um
'craque' -- e com Gilmar Mendes, à época na Advocacia Geral da União.
Eis o resumo da ópera: "Aí você via as coisas mais malucas.(...)
Tinha gratificação por... curso superior [risos]. Sabe disso? Tinha
gratificação não sei do quê...,tinha o diabo de gratificação. (...) Eu absorvi
tudo isso dentro do valor, então legalizei... E o Pedro Parente teve uma figura
muito importante. (...) Todos aqueles penduricalhos que tinham, tudo ficou
legalizado (...). Percebeu a lógica? Em vez de dizer que era ilegal, eu dizia
que aquilo ali que tu recebeu passou a ser legalizado, porque passou a ser
integrante do salário."
Não há quem não perceba a lógica. Jobim, Ministro do Supremo, guardião
da Constituição, desenhou e implementou uma operação para 'legalizar'
'gratificações malucas'. Montou uma lavanderia, não de dinheiro, mas de
penduricalhos. A operação foi longa e só se completou no governo Lula, em
negociações diretas com o ministro Palocci e membros do STJ, para garantir que
abono não fosse taxado. A íntegra do depoimento é de tirar o fôlego e vale o
acesso ao portal do projeto.
Assim, quando afirmam que não há nada de ilegal em seus contracheques,
que seus salários acima do teto não ferem a lei, os juízes não estão faltando
inteiramente com a verdade. Está tudo 'legalizado'.
Mas os magistrados voltaram a inventar novos 'adicionais malucos'. O
para moradia, garantido por Luís Fux em 2014, é só um deles. Isto para não
falar das ações cobrando dívidas e adicionais não pagos no passado. Por isto,
os contracheques chegam à estratosfera. Tudo legal. Tudo decidido e autorizado
pelo próprio judiciário que julga as ações que move contra o Estado.
A desculpa que recebem o que a lei autoriza é esfarrapada. A lei em
questão fere lei maior. Os subterfúgios encontrados agora não passam de modos
espertos de contornar a legislação em benefício próprio. São reedições da
lavanderia do Jobim. Como observou Ribamar Oliveira (Valor, 8/02/2018), a Lei
de Diretrizes Orçamentárias em vigor veda explicitamente o pagamento do
auxílio-moradia para o agente público que possui imóvel no município em que
exerce o cargo. Bretas, Moro e Gilmar Mendes e tantos outros, portanto,
desrespeitam a lei. Simples assim.
Os magistrados estão dispostos a tudo para preservar e justificar seus
privilégios. O exemplo mais acabado ocorreu no início de 2016,
significativamente, no Paraná. A Gazeta do Povo noticiou que juízes e
promotores do estado recebiam salários acima do teto constitucional. A
corporação recorreu à tática introduzida pela Igreja Universal: abrir processos
individuais contra os jornalistas em 40 municípios espalhados pelo Estado. Eram
citados em Curitiba em um dia, Maringá em outro e assim por diante, forçados a
viajar pelo Estado para responder as citações, impedidos de trabalhar e arcando
com os custos da defesa e as despesas dos deslocamentos. Que outra organização
recorreria a uma estratégia tão requintada de vingança?
Ainda assim, em uma primeira decisão, a Ministra Rosa Weber não viu
nada de errado na retaliação coletiva orquestrada pelos paranaenses. Demorou
meses para se convencer do óbvio e acatar a medida cautelar do jornal.
O mais incrível é que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
não se deu por vencida e entrou com pedido para que a ministra revisse sua
decisão, alegando que "não houve abuso do direito de ação por parte dos
magistrados paranaenses, pelo simples motivo de que a Associação de Classe não
tem legitimação para propor ação coletiva visando à obtenção de indenização que
decorre da violação de direito personalíssimo (ofensa à honra e
intimidade)." Quando a questão é garantir seus salários, os membros da
casta se comportam como intocáveis.
Desde a aprovação da LRF, juízes e promotores defendem seus
privilégios com voracidade incomum, sem respeito à ética e à lei. Nada
justifica os privilégios com que contam e só querem fazer crescer. Austeridade,
só para os outros. Pode faltar dinheiro para educação e para a saúde, mas não
para o Judiciário.
Não por acaso, na Lava Jato, não é segredo, delações envolvendo os
membros da Liga foram evitadas. Moro e Dallagnol sabem das retaliações de que
seus pares seriam capazes, afinal moram no Paraná e, no frigir dos ovos, são
beneficiários dos penduricalhos 'lavados' por Jobim. Os castos predam o erário
que dizem defender.
Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para
os demais.
Valor
Econômico
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