domingo, 4 de fevereiro de 2018

A percepção das drogas

MARIO VARGAS LLOSA

A criminalidade é a pior das calamidades geradas pelo narcotráfico. As melhores maneiras de combatê-la são a descriminalização dos entorpecentes e a tolerância

A Comissão Global de Políticas de Drogas, que já foi presidida pelo ex-mandatário brasileiro Fernando Henrique Cardoso e tem agora a ex-presidenta suíça Ruth Dreifuss como diretora, é integrada por políticos, funcionários internacionais, cientistas e intelectuais de diversos países do mundo, e desde 2011 promove uma valiosa campanha em prol de uma política mais sensata e realista no campo do narcotráfico e do consumo de estupefacientes, em vez da mera repressão policial e judicial.

Nos sete relatórios que publicou desde sua criação, sustentados por rigorosas estatísticas e pesquisas sociológicas e clínicas, a Comissão mostrou de maneira inequívoca a futilidade de combater esse flagelo com proibições e perseguições que, apesar dos bilhões de dólares gastos, ao invés de reduzir aumentaram vertiginosamente o consumo de drogas no mundo, assim como a violência criminal associada à sua produção e distribuição ilegais. Em quase todo o mundo, mas principalmente na América Latina, as máfias de narcotraficantes são uma praga que causam dezenas de milhares de mortes e são, sobretudo, uma fonte de corrupção que decompõem as instituições, infectam a vida política, degradam as democracias e, nem é preciso dizer, as ditaduras, onde, por exemplo na Venezuela, um bom número de dirigentes civis e militares do regime são acusados de comandarem o narcotráfico.

No princípio, os trabalhos da Comissão se concentravam naAmérica Latina, mas agora se estenderam ao mundo inteiro. O último relatório, que acabo de ler, foi dedicado a combater com argumentos persuasivos a percepção em geral negativa e delituosa que os governos promovem de todos os consumidores de drogas, sem exceção, apresentando-os como refugos humanos, propensos ao delito devido ao seu vício e, pelo mesmo motivo, como ameaças viventes à ordem e à segurança das sociedades.

Quem preparou este trabalho fez uma cuidadosa investigação, da qual tiram conclusões muito diferentes. Em primeiro lugar, as razões para o consumo das “substâncias psicoativas” são muito diversas, e, em um grande número de casos, perfeitamente justificadas, ou seja, de saúde. Por outro lado, entre as próprias drogas há um leque muito grande em relação às consequências que elas têm sobre o organismo, da heroína, com efeitos tremendamente perniciosos, à maconha, que faz menos mal aos usuários que o álcool.

EL PAÍS

Nenhum comentário: