quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Benesses para o Judiciário pesam nas contas públicas

Editorial

Não há nenhum motivo razoável para que juízes recebam auxílio-moradia e uma série extensa e generosa de benesses custeadas pelo dinheiro dos contribuintes a não ser o poder de que desfrutam legalmente para obtê-las. A remuneração do Judiciário é um cipoal de "verbas indenizatórias" que fariam a delícia dos trabalhadores da iniciativa privada, que compõem a fatia dos 99% dos assalariados que têm rendimentos inferiores aos dos juízes e magistrados.

Criado em 1979 pelo Estatuto da Magistratura, elaborado por membros do Judiciário, o auxílio-moradia não atende mais sequer à sua finalidade duvidosa: conceder ajuda pecuniária aos membros mais bem pagos do aparelho de Estado para custear residências quando não existirem imóveis funcionais disponíveis. A ajuda, de R$ 4.377,73, equivale ao dobro do salário médio brasileiro e é concedida também ao Legislativo e Ministério Público.

Em setembro de 2014, para atender a ações de magistrados, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar que estendia o auxílio-moradia aos magistrados que o pleiteassem, independentemente de possuírem ou não imóvel próprio e de residirem ou não na mesma cidade em que trabalham. No fim de 2017, Fux liberou para julgamento no STF a questão, que deverá ser votada em março pela Corte. De lá para cá, foram consumidos em dinheiro público algo como R$ 5 bilhões.

O auxílio-moradia comprova que o que é legal não é necessariamente justo. Não só há juízes e procuradores com um ou mais imóveis no local em que trabalham recebendo o benefício, como o juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol, coordenador do MPF na Operação Lava-Jato, como há quem dê asas à interpretação legal, como Marcelo Bretas, juiz responsável pela Lava-Jato no Rio - com respaldo da Justiça. Casado com uma juíza, que já recebe o benefício, Bretas pleiteou e obteve também o direito a recebê-lo, apesar de morar com a esposa e ser dono de imóvel no Rio. A Justiça decidiu que o auxílio é um "direito pessoal".

Membros da alta hierarquia do Judiciário reagem com indignação e algum sarcasmo ao pedido de explicação das mordomias, como se elas fossem únicas, naturais e incontroversas. Todos argumentam que a prebenda para moradia é legal, embora sua extensão esteja sendo garantida por liminar. Estão certos quanto à legalidade, mas suas manifestações deixam claro também que são contra mudanças na lei.

O auxílio-moradia é uma de muitas regalias, que faz com que mais de dois terços dos magistrados dos Tribunais de Justiça de 26 Estados recebam acima do teto de R$ 33.763 a que faz jus o presidente da República, o que ocorre com 11,6 mil dos 16 mil juízes e desembargadores. Sua média salarial é de R$ 42,5 mil, como mostrou "O Globo".

Nessas e em outras coisas mais, o Rio de Janeiro se excede. A lista de benefícios ao Judiciário é vasta e inclui auxílios para alimentação, saúde, transporte, pré-escola, instrução dos próprios magistrados, fora pelo menos dois meses de férias. Os gastos mensais com vantagens desse tipo, em um Estado falido e carcomido pelo crime, são de R$ 6,9 milhões.

As benesses são fáceis de criar e difíceis de acabar, mesmo porque os juízes e seus pares são os encarregados julgar sua propriedade e legalidade. Há vários argumentos para tentar justificá-las. Uma análise superficial esbarra na propensão a que a criação de alguma vantagem à categoria em alguma parte do território se alastre nacionalmente, sob a bandeira da isonomia. "Os advogados da União agora recebem honorários advocatícios. Em janeiro, cada um recebeu R$ 6 mil e esse valor foi pago até mesmo para aposentados", disse Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais. Que aposentados ganhem por isso é uma aberração, mas o líder da associação de juízes acha isso natural, desde que os magistrados não fiquem para trás.

Em artigo na "Folha de S. Paulo", a Ajufe defende direitos questionáveis. Ela tem absoluta razão ao afirmar que, pela importância da função, juízes merecem o teto da remuneração, algo de que ninguém discorda. Mas seria altamente desejável que eles se restringissem de fato ao mais alto salário da República. Hoje ganham muito mais do que isso, de forma não transparente, algo incompatível com a verdadeira justiça.

Valor Econômico


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