Alexander Busch
O Brasil
forma poucos engenheiros. Mesmo assim, não faltam profissionais da área no
mercado. Para o jornalista alemão Alexander Busch, isso é um mau sinal – e o
país está perdendo a revolução digital na indústria.
No
Brasil, quem tem filhos que acabaram de concluir o ensino médio vive dias de
muito estresse. Os aspirantes ao ensino superior se perguntam: em que
instituição posso estudar com a pontuação que obtive no Enem (Exame Nacional do
Ensino Médio), cujos resultados foram divulgados há poucas semanas?
A cada
ano, muitos dos três milhões de brasileiros que iniciam os estudos no ensino
superior também se submetem a exames de admissão adicionais de universidades
públicas. Com frequência, os vestibulares acontecem em duas etapas e levam
vários dias.
Quem
quer estudar numa universidade pública de renome faz dezenas dessas provas e
costuma gastar com a viagem aos locais dos exames, com o pernoite e
possivelmente com cursinhos pré-vestibular. Até agora, o esforço que citei é só
para entrar nas universidades federais ou estaduais, que são gratuitas. As
instituições privadas de ensino superior, nas quais 80% dos brasileiros estudam
e que cobram mensalidades, também exigem exames admissionais.
É um
desgaste que espanta. Mas fico ainda mais impressionado quando vejo o número de
vagas disponíveis, a exemplo do curso de Engenharia Mecatrônica. São 2.200
vagas no Brasil inteiro, mas há apenas uma meia dúzia de universidades públicas
que obtiveram bons resultados no teste de qualidade do Ministério da Educação.
É para
entrar nessas universidades que milhares de candidatos de todo o país
concorrem, brigando por um número de vagas que raramente passa de 50 e que são
atribuídas segundo critérios sociais, as chamadas cotas. Além disso, mais da
metade dos alunos interrompem a faculdade. Hoje em dia, apenas 345 estudantes
de Mecatrônica concluem o curso anualmente.
Esse
número é incrivelmente baixo se considerarmos que vivemos hoje uma revolução
global na indústria que, desesperadamente, procura exatamente esses
engenheiros. A palavra-chave é Indústria 4.0, que inclui habilidades
relacionadas a automação, big data, inteligência artificial, impressão 3D,
etc.
É
decisivo para o Brasil não perder a oportunidade de dar esse salto. Há muito em
jogo. O Brasil é uma das poucas grandes economias emergentes no mundo que
possui uma larga base industrial. Em comparação, Índia e Rússia têm bases bem
menores.
Há
vários motivos para isso: a indústria pesada criada durante a era Vargas; a
indústria automobilística que chegou ao país há 60 anos; empresas como a
Petrobras e a Embraer, que sempre realizaram pesquisas por conta própria. Mais
tarde, veio a construção das represas e a criação do Sistema Interligado
Nacional (SIN) de energia elétrica. A automação no setor agrícola também
impulsionou a industrialização do país.
Mas esse
alicerce de uma indústria de transformação está ameaçado – e não é de hoje. A
desindustrialização do Brasil avança de forma acelerada há duas décadas. De um
lado, porque o Brasil voltou a se concentrar na produção e na exportação de
matérias-primas. Por outro lado, porque a pesquisa e o desenvolvimento dependem
fortemente do Estado, há anos paralisado pela recessão e pela corrupção.
Estudos
realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira
(Inep) mostram claramente que o Brasil está perdendo a chance de estabelecer os
fundamentos para a sua própria revolução industrial. Dos 8 milhões de
estudantes universitários brasileiros, apenas cerca de um milhão cursa uma das
disciplinas científicas, como matemática, informática, ciências naturais e
tecnologia.
Isso
equivale a mais ou menos 13% de todos os estudantes do país. Se supusermos que,
no campo das ciências naturais, a relação entre cursos privados e públicos é de
oito para dois, chegamos à conclusão de que apenas 2,5% dos estudantes
universitários brasileiros frequentam cursos nessa área.
Em
comparação, o número absoluto de estudantes em relação à população do país é
semelhante no Brasil e na Alemanha. Mas, no país europeu, um terço dos quase
três milhões de estudantes segue carreiras de exatas. Acrescenta-se a isso mais
um milhão de estudantes em escolas técnicas (comparáveis ao Senai no Brasil).
Mas erra
quem pensa que as empresas brasileiras estão desesperadas por não encontrarem
engenheiros suficientes, como acontece nos Estados Unidos ou na Europa. Não
faltam especialistas em robótica e mecatrônica no Brasil, segundo explicou
Claudio Raupp, presidente da HP Brasil, em entrevista recente ao jornal Folha
de S. Paulo. Segundo Raupp, a indústria brasileira está tão atrasada que a
demanda por esses especialistas ainda nem existe. "O risco [que o Brasil
enfrenta] é que nossos melhores engenheiros se mudem para o exterior porque não
há necessidade deles aqui", avalia.
DW-Deutsche
Welle
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