Opinião
Depois das
catástrofes da era maoísta, a China parecia farta dos regimes autocráticos
perpétuos. Mas o atual presidente prepara o terreno para se eternizar no poder,
opina o jornalista Matthias von Hein
Xi Jinping era visto como um inexpressivo candidato de
transição em 2012, quando assumiu as principais funções de liderança da
República Popular da China: a presidência do todo-poderoso Partido Comunista, a
chefia da Comissão Militar Central e o cargo de presidente do país. Mas logo se
descobriu que o chefe de Estado chinês, atualmente com 64 anos, tinha sido
grandemente subestimado.
Desde domingo (25/03), sabe-se que a ambição de Xi
ultrapassa até mesmo os limites da Constituição chinesa. A agência local de
notícias Xinhua informou sobre a apresentação de emendas constitucionais na
próxima sessão do pseudoparlamento, o Congresso Nacional do Povo. Além de prosa
partidária inofensiva, como a descrição mais detalhada do sistema socialista
como "excelente", "moderno" e "belo", esconde-se
uma outra mudança constitucional de potencial explosivo.
Na linguagem da agência Xinhua: "O Comitê Central do
Partido Comunista da China propõe eliminar o trecho da Constituição que limita
a cinco anos o mandado do presidente e do vice-presidente." Não há dúvida
de que o Congresso do Povo aceitará essa proposta – afinal, ele nunca rejeitou
nada.
Com isso, o Partido Comunista da China rompe oficialmente
com uma prática de décadas de transferência ordenada de poder, o mais tardar
após dez anos. Tal sistema foi introduzido pelo arquiteto da reforma na China,
Deng Xiaoping, que tirou lições dos excessos cometidos na era do fundador da
República, Mao Tsé-tung. Com poder concentrado e irrestrito, o líder comunista
desencadeou catástrofes como o Grande Salto Adiante – campanha de aceleração do
desenvolvimento do país que resultou na maior onda de fome provocada pelo ser
humano – ou a Revolução Cultural.
A imagem de Mao permanece imponente sobre a entrada do
Palácio Imperial, em Pequim, com o olhar voltado para a Praça da Paz Celestial
– conhecida como centro simbólico do país e pelos protestos estudantis em 1989.
Mas sua autocracia abriu feridas tão profundas, que até mesmo oficialmente a
herança política maoísta é avaliada em apenas "70% boa, 30% má".
Nunca mais uma só pessoa deveria ter tanto poder em suas mãos. O culto ao líder
onipotente ficou mal visto. O coletivo deveria liderar.
Sob o trunfo da descentralização, experimentos eram
bem-vindos.
Xi coloca um fim a isso. Ele eliminou rivais políticos
com uma campanha contra a corrupção sem precedentes, que possui a vantagem de
ser bem recebida pela população. Recentralizou estruturas e assumiu tantas
responsabilidades em tantos grupos de liderança que numa edição passada a
conceituada revista britânica The Economist estampou a manchete
"O chefe de tudo".
Desde a posse de Xi, adotaram-se medidas mais duras
contra dissidentes, ativistas e a sociedade civil do que nas décadas
anteriores. As pequenas liberdades vigentes foram revertidas. Por fim, em
outubro, Xi se certificou que seu "pensamento Xi Jinping" fosse
incorporado como teoria política nos estatutos do Partido Comunista – uma honra
que até então só coubera ao próprio Mao.
Na prática, isso significa que ninguém no partido pode
ter mais autoridade do que Xi. "Seja governo, Exército, sociedade ou
escolas, seja norte, sul, leste ou oeste, o partido governa tudo", está
descrito no estatuto partidário. Ou seja, Xi reina automaticamente sobre tudo.
E esse aumento de poder é acompanhado por um crescente culto a sua
personalidade.
Com a planejada reforma constitucional, Xi garante agora
também institucionalmente a possibilidade de exercer esse poder de forma
vitalícia. O mundo terá que se preparar para o líder chinês mais poderoso em
décadas – por mais algumas décadas.
E isso, num momento em que a China cada vez mais se torna
um centro geoestratégico, um país que levanta questões de concorrência
sistêmica com as democracias do Ocidente e que busca reavivar o brilho da China
imperial. O novo projeto One Belt – One Road, de uma Rota da Seda
abrangendo todo o continente euroasiático, é apenas um gostinho prévio da
ambição da China e, consequentemente, de seu presidente Xi Jinping.
DW – Deutsche Welle
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