terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Opinião

Depois das catástrofes da era maoísta, a China parecia farta dos regimes autocráticos perpétuos. Mas o atual presidente prepara o terreno para se eternizar no poder, opina o jornalista Matthias von Hein

Xi Jinping era visto como um inexpressivo candidato de transição em 2012, quando assumiu as principais funções de liderança da República Popular da China: a presidência do todo-poderoso Partido Comunista, a chefia da Comissão Militar Central e o cargo de presidente do país. Mas logo se descobriu que o chefe de Estado chinês, atualmente com 64 anos, tinha sido grandemente subestimado.

Desde domingo (25/03), sabe-se que a ambição de Xi ultrapassa até mesmo os limites da Constituição chinesa. A agência local de notícias Xinhua informou sobre a apresentação de emendas constitucionais na próxima sessão do pseudoparlamento, o Congresso Nacional do Povo. Além de prosa partidária inofensiva, como a descrição mais detalhada do sistema socialista como "excelente", "moderno" e "belo", esconde-se uma outra mudança constitucional de potencial explosivo.

Na linguagem da agência Xinhua: "O Comitê Central do Partido Comunista da China propõe eliminar o trecho da Constituição que limita a cinco anos o mandado do presidente e do vice-presidente." Não há dúvida de que o Congresso do Povo aceitará essa proposta – afinal, ele nunca rejeitou nada.

Com isso, o Partido Comunista da China rompe oficialmente com uma prática de décadas de transferência ordenada de poder, o mais tardar após dez anos. Tal sistema foi introduzido pelo arquiteto da reforma na China, Deng Xiaoping, que tirou lições dos excessos cometidos na era do fundador da República, Mao Tsé-tung. Com poder concentrado e irrestrito, o líder comunista desencadeou catástrofes como o Grande Salto Adiante – campanha de aceleração do desenvolvimento do país que resultou na maior onda de fome provocada pelo ser humano – ou a Revolução Cultural.

A imagem de Mao permanece imponente sobre a entrada do Palácio Imperial, em Pequim, com o olhar voltado para a Praça da Paz Celestial – conhecida como centro simbólico do país e pelos protestos estudantis em 1989. Mas sua autocracia abriu feridas tão profundas, que até mesmo oficialmente a herança política maoísta é avaliada em apenas "70% boa, 30% má". Nunca mais uma só pessoa deveria ter tanto poder em suas mãos. O culto ao líder onipotente ficou mal visto. O coletivo deveria liderar.

Sob o trunfo da descentralização, experimentos eram bem-vindos.
Xi coloca um fim a isso. Ele eliminou rivais políticos com uma campanha contra a corrupção sem precedentes, que possui a vantagem de ser bem recebida pela população. Recentralizou estruturas e assumiu tantas responsabilidades em tantos grupos de liderança que numa edição passada a conceituada revista britânica The Economist  estampou a manchete "O chefe de tudo".

Desde a posse de Xi, adotaram-se medidas mais duras contra dissidentes, ativistas e a sociedade civil do que nas décadas anteriores. As pequenas liberdades vigentes foram revertidas. Por fim, em outubro, Xi se certificou que seu "pensamento Xi Jinping" fosse incorporado como teoria política nos estatutos do Partido Comunista – uma honra que até então só coubera ao próprio Mao.

Na prática, isso significa que ninguém no partido pode ter mais autoridade do que Xi. "Seja governo, Exército, sociedade ou escolas, seja norte, sul, leste ou oeste, o partido governa tudo", está descrito no estatuto partidário. Ou seja, Xi reina automaticamente sobre tudo. E esse aumento de poder é acompanhado por um crescente culto a sua personalidade.

Com a planejada reforma constitucional, Xi garante agora também institucionalmente a possibilidade de exercer esse poder de forma vitalícia. O mundo terá que se preparar para o líder chinês mais poderoso em décadas – por mais algumas décadas.

E isso, num momento em que a China cada vez mais se torna um centro geoestratégico, um país que levanta questões de concorrência sistêmica com as democracias do Ocidente e que busca reavivar o brilho da China imperial. O novo projeto One Belt – One Road, de uma Rota da Seda abrangendo todo o continente euroasiático, é apenas um gostinho prévio da ambição da China e, consequentemente, de seu presidente Xi Jinping.

DW – Deutsche Welle

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