Jean-Philip
Struck
Magistrados brasileiros em início de carreira chegam a ganhar o triplo
de seus colegas alemães. Mesmo gastando mais, Brasil tem proporcionalmente
menos juízes que o país europeu.
O custo do Poder Judiciário brasileiro voltou aos holofotes após a
revelação de que juízes da Operação Lava Jato recebem auxílio-moradia mesmo
quando possuem imóveis nas cidades em que trabalham. Em 2017, o auxílio-moradia
para juízes e procuradores custou 399 milhões de reais aos cofres públicos. O
valor, no entanto, empalidece quando comparado aos gastos totais do
Judiciário: 84,8 bilhões de reais em 2016, segundo dados do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ).
Os brasileiros pagam por um dos sistemas judiciários mais caros do
mundo. O valor de 2016 representou 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
No mesmo período, os gastos com a Justiça na Alemanha alcançaram apenas 0,4% do
PIB. Ou seja, o Judiciário brasileiro custa, relativamente, 3,5 vezes mais aos
cofres públicos do que o alemão. A diferença é expressiva mesmo
se for considerado que o PIB alemão é o dobro do brasileiro.
Outras comparações também evidenciam como os brasileiros gastam mais.
Em 2015, o Judiciário alemão custou em média 150 euros (cerca de 600 reais) por
habitante. No Brasil, a proporção foi de 413,51 reais no mesmo período. O
valor mais alto na Alemanha não significa que seus habitantes pagaram
proporcionalmente mais, já que a renda per capita dos alemães é quase cinco
vezes a dos brasileiros.
Salários,
penduricalhos e início de carreira
Na questão salarial, o Brasil também destoa da Alemanha, especialmente
no pagamento aos juízes. Segundo dados do CNJ, cada juiz custou aos cofres
públicos 47,7 mil reais em 2016. O valor supera claramente o teto
constitucional de 33 mil reais.
Para contornar o limite, salários são turbinados com extras, como o
auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-paletó, auxílio-educação,
adicional mais alto nas férias, entre outros, que não são descontados no
imposto de renda. Graças a esses penduricalhos, os magistrados ganham em média
572 mil reais por ano.
Na Alemanha, os valores podem variar conforme o tribunal
(instâncias superiores pagam mais), o cargo (posições de chefia têm salário
maior), o tempo de serviço e o estado da Federação. Os maiores salários são
pagos aos juízes das cortes federais superiores. A média na Alemanha é de
110 mil euros anuais (442 mil reais) – consideravelmente inferior ao
salário dos juízes do Brasil.
Nas cortes distritais, os valores são ainda mais baixos. Um juiz
alemão experiente, com pelo menos 20 anos de carreira num tribunal distrital,
pode almejar 77 mil euros anuais (310 mil reais) – quase a metade do salário
dos ganhos médios dos juízes brasileiros.
Para os juízes em início de carreira, os valores são ainda mais
baixos. Em alguns tribunais estaduais, como em Baden-Württemberg, um magistrado
em início de carreira recebe 3.347 euros (13.450 reais) por mês.
Em média, quando consideradas as variações regionais, o salário
inicial de um juiz é de 45 mil euros anuais (180.800 reais), segundo dados
da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça – juízes brasileiros
podem receber o triplo desse valor já no início da carreira, graças ao
salário-base e os penduricalhos.
Também não há extras comparáveis ao sistema brasileiro. Uma das raras
benesses que os juízes alemães recebem é um auxílio para pagamento de despesas
médicas. O mesmo vale para os procuradores.
Na Europa em geral, o auxílio-moradia que causou discórdia no Brasil
só existe em países como Portugal, Ucrânia, Rússia, Turquia e Montenegro,
segundo dados da Comissão Europeia.
Alguns estados alemães pagam um "bônus de Natal" para os
servidores públicos (inclusive juízes), mas os valores não passam de algumas
centenas de euros. Em Berlim, por exemplo, o bônus rendeu entre 640 e 900 euros
extras para os magistrados no final do ano passado.
Tal como os juízes brasileiros, os alemães também costumam se queixar
dos salários. Os ganhos iniciais de juízes estaduais e de instâncias superiores
são menores do que em países vizinhos, como Áustria e Bélgica.
Em 2014, um grupo de juízes e procuradores do estado alemão
de Saxônia-Anhalt se queixou dos valores junto ao Tribunal Constitucional
Federal.
Meses depois, a corte avaliou que, de fato, os salários de início de
carreira do estado estavam abaixo do necessário para a subsistência.
Recentemente, juízes e procuradores da Baixa Saxônia apresentaram
queixa similar.
Segundo associações de juízes da Alemanha, tais salários desestimulam
candidatos à magistratura, que acabam sendo levados a seguir a carreira
advocatícia, onde os ganhos potenciais são maiores. Hoje há um déficit de 2 mil
juízes nos tribunais estaduais do país, e os estados enfrentam dificuldades
para preencher as vagas.
Em média, os juízes alemães em início de carreira ganham apenas 16% a
mais que a renda média do país. No Brasil, os juízes ganham em média 2.100% a mais.
Gastos com
pessoal
O contraste entre o sistema alemão e o brasileiro também ocorre no
pessoal. Mesmo sendo mais caro até mesmo em valores absolutos (em 2015 o
Judiciário alemão custou cerca de 50 bilhões de reais), o Brasil tem menos
juízes do que o país europeu. São oito para cada grupo de 100 mil habitantes.
Já a Alemanha tem cerca de 24 juízes por 100 mil habitantes.
Em ambos os países, o grosso do orçamento vai para o pagamento de
pessoal. Mas as semelhanças param por aí. No Brasil, a folha de pagamento
consumiu 89,5% dos 84,8 bilhões em 2016. Só que a maior parte desse valor
não foi destinada aos magistrados, mas aos servidores (ativos e inativos) e
auxiliares (terceirizados, estagiários, entre outros). Na Alemanha, a
percentagem de gasto com pessoal se manteve em 70% do orçamento do Judiciário
nos últimos anos.
O quadro do Judiciário brasileiro contava com 424 mil pessoas em 2016,
e a proporção alcançou 205 funcionários para cada grupo de 100 mil habitantes.
Na Alemanha, mal alcança 67 para cada 100 mil habitantes.
DW
– Deutsche Welle
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