ELIANE CANTANHÊDE
Como o Congresso fracassou e teve de recuar em suas tentativas de “estancar a sangria” da Lava Jato, esse papel pode ser exercido, nada mais, nada menos, pelo Supremo Tribunal Federal. Basta o plenário tomar duas decisões: restringir o foro privilegiado dos políticos com mandato e acabar com a prisão após condenação em segunda instância.Essas duas decisões, somadas, significam que muitos criminosos de colarinho branco já presos serão soltos e muitos dos que estão na bica para ser presos já não serão mais. Uma equação perfeita cujo resultado tem nome: impunidade.
Como
funciona? Assim: 1) o Supremo formaliza o fim do foro privilegiado e empurra os
políticos para a primeira instância, em seus redutos eleitorais; 2) o processo
praticamente recomeça do zero e pode demorar anos até o acusado ser julgado e
condenado pelo juiz e depois pelo TRF; 3) e, com a revisão simultânea da prisão
em segunda instância, pelo próprio Supremo, não acontece nada com o réu. Ele
vai continuar entrando com recurso atrás de recurso, livre, leve e solto.
Isso
tudo com um efeito colateral bastante forte na Lava Jato ou em qualquer
investigação, em qualquer tempo, sobre corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa. Sabem qual? O fim, objetivamente, das delações premiadas
que foram fundamentais para desvendar esquemas complexos como o do saque na
nossa Petrobrás. Qual envolvido vai fazer delação, sabendo que não corre o
risco iminente de prisão?
O fim da
prisão após a segunda instância beneficia diretamente o ex-presidente Lula. O
fim (ou revisão) do foro privilegiado interessa a todos os políticos com
mandato e investigados pelo Supremo. As duas coisas, somadas, dizem respeito a
todos eles. Logo, já há especialistas fazendo a seguinte conexão: os
antipetistas salvam a cabeça de Lula para salvar todos os aliados; os petistas
salvam todos os adversários para salvar a cabeça de Lula. Um “acordão” ou, numa
linguagem mais polida, uma “convergência” das forças políticas e dos grandes
partidos.
Pode até
ser, mas não parece pura coincidência o movimento dos ministros Edson Fachin e
Dias Toffoli. Fachin, relator da Lava Jato, delegou ao plenário o pedido de
Habeas Corpus preventivo para Lula não ser preso, criando condições para a
previsão de prisão após segunda instância. Ato contínuo, Toffoli anunciou que
está pronto para julgar a revisão do foro privilegiado, já virtualmente
definida, por 7 dos 11 ministros, mas nunca proclamada porque Toffoli pediu
vista mesmo após formada a maioria do plenário.
Uma
peça-chave é o ministro Gilmar Mendes, que reúne duas condições curiosas: a de
principal anti-Lula do Supremo, mas pronto a mudar seu voto e salvar o petista
da prisão. Gilmar não tem proximidade com Fachin, mas Toffoli foi advogado do
PT, indicado por Lula para o STF e tem bom diálogo com Gilmar e com Fachin.
Especialistas
estranharam detalhes fora da praxe quando Fachin despachou o HC de Lula para o
plenário: a rapidez (recebeu, despachou); não esperou a análise do Superior
Tribunal de Justiça (STJ); não pediu informações para os juízes do caso; não
solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (que se manifestou apesar
disso).
No mesmo
embalo, Fachin liberou para o plenário também dois outros pedidos de HC para os
quais tinha pedido vista no ano passado na segunda turma. Soou assim: não estou
privilegiando o HC de Lula...
Diferentemente
da revisão da prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado é bem
popular. Mas aos dois, juntos, significam que os processos dos poderosos vão
rolar, rolar e rolar, de recurso em recurso, e acabar justamente no Supremo. Só
que 20 anos depois...
O Estado de São Paulo
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