Clarissa
Neher
A partir de 2019, os trabalhadores da indústria metalúrgica e
eletrônica na Alemanha poderão reduzir temporariamente sua carga horária de
trabalho para até 28 horas semanais. Em contrapartida, as empresas poderão
aumentar a jornada daqueles que desejam trabalhar além do atual limite de 35
horas por semana.
A flexibilização temporária da carga horária no setor, alcançada por
meio de negociações sindicais, está sendo vista no país com um projeto piloto,
cujo resultado pode promover uma pequena revolução nas atuais jornadas de
trabalho estáticas. O sucesso deste experimento pode ainda impulsionar uma
futura reforma trabalhista e servir de modelo para outros países.
"A ideia principal deste modelo, ou seja, a criação de um
corredor de variantes de cargas horárias entre 28 horas e 40 horas semanais, é
nova e tem um potencial de exportação", avalia o economista Alexander
Spermann, especialista em mercado de trabalho e professor associado na
Universidade de Freiburg.
Já a socióloga Ursula Stöger, da Universidade de Ausburgo, é mais
cautelosa. Segundo ela, como a tendência é que a redução temporária da jornada
seja solicitada principalmente por mulheres com filhos, a exportação do modelo
dependerá muito das características dos mercados de trabalho de cada país.
"Em países onde há uma grande parcela de mulheres trabalhando em
período integral, este pode ser um bom modelo. Também é importante que a renda
seja relativamente alta, pois o exemplo alemão implica numa redução
salarial", argumenta a especialista em socioeconomia do mercado de
trabalho.
O grande diferencial do modelo acordado na Alemanha, em relação aos
debatidos em outros países até agora, é a flexibilidade para o ajuste
temporário de jornadas com a garantia ao empregado do retorno ao período
integral, sem enfrentar restrições do empregador, após o tempo máximo
estabelecido para a diminuição da carga horária, que é de dois anos.
Assim, a redução para até 28 horas semanais não é permanente ou
imposta a todos. É uma opção oferecida àqueles que desejam trabalhar menos
durante um período específico, por no máximo dois anos, e que, para isso, estão
também dispostos a receber menos neste tempo.
Já as empresas conquistaram com o acordo a possibilidade de aumentar a
jornada de trabalho das 35 horas semanais, em vigor há mais de três décadas no
setor, para até 40 horas em casos de funcionários que desejem trabalhar mais.
No Brasil, uma lei de 1965, a 4.923, permite redução da jornada de
trabalho com diminuição proporcional dos salários. Apesar de valer para todos
os setores, ela é bem mais limitada do que a alemã: precisa ser negociada pelo
sindicato e vale para um grupo específico de trabalhadores por um prazo máximo
de três meses, prorrogáveis, com redução dos salários de até 25%.
Na prática, é um instrumento para que as empresas tentem evitar
demissões em períodos de crise.
Em 2015, o governo Dilma Rousseff ampliou a medida através do Programa
de Proteção ao Emprego (PPE), em que a redução de jornada pode se estender por
até um ano, com corte de até 30% e possibilidade de ajuda financeira do governo
para complementar a remuneração dos trabalhadores afetados. Em 2016, Temer
reeditou a medida por mais dois anos.
Modelo para
o futuro?
Para Werner Eichhorst, do Instituto Economia do Trabalho (IZA), o
modelo da indústria metalúrgica e eletrônica alemã vai ao encontro do futuro do
trabalho, que não estaria na redução geral das atuais jornadas, mas sim na
possibilidade de flexibilizações temporárias, com cargas horárias mais curtas
ou mais longas, além de suas reduções e aumentos, dependendo das necessidades
de funcionários e empresas.
"Não sabemos qual é o melhor modelo de jornadas de trabalho. Essa
é uma questão em aberto", diz Spermann. O especialista destaca, no
entanto, que no passado reduções gerais das jornadas com manutenção dos níveis
salariais se revelaram ineficazes.
A França foi um dos países pioneiros nesta redução. Adotada em 2000, a
carga horária de 35 horas semanais prometia criar cerca de 700 mil postos de
trabalho, meta que nunca foi alcançada, apesar de altos índices de desemprego
no país. A jornada mais curta também não reduziu as horas trabalhadas. Por
isso, em 2016, uma reforma trabalhista aprovada pelo governo de François
Hollande voltou atrás na mudança e flexibilizou a regra.
Na Alemanha, o modelo 35 horas semanais adotado na indústria
metalúrgica e eletrônica também está longe de ser uma realidade, apesar da
regra estabelecida em 1984 para os Estados da antiga Alemanha Ocidental - nos
Estados da antiga Alemanha Oriental, a carga horária semanal no setor é de 38
horas.
"Isso vale praticamente somente no papel, pois há bastante
flexibilidade, com horas extras e outras variações. Ao todo, no período
integral, empregados trabalham cerca de 40 ou 41 horas por semana",
observa Eichhorst.
Stöger pondera, porém, que o modelo de 28 horas adotado pela indústria
metalúrgica e eletrônica pode polarizar ainda mais o mercado de trabalho na
Alemanha, devido à possibilidade de aumento da carga horária. "As jornadas
vão se diferenciar muito e isso é um desenvolvimento negativo para a sociedade.
Essa polarização aumenta a desigualdade social."
Mais atratividade às empresas
Diferente das reduções para 35 horas, a flexibilização atual não está
sendo promovida com uma forma de criar mais empregos no setor - até porque a
Alemanha enfrenta dificuldade em ocupar vagas que já estão abertas.
Segundo dados da associação patronal do setor, Gesamtmetall, em
setembro de 2017, cerca de 290 mil vagas em aéreas de matemática, informática,
ciências naturais e técnicas não puderam ser preenchidas.
Essa lacuna atinge de maneira especial a indústria metalúrgica e
eletrônica, que emprega 25% destes especialistas. Além disso, com a redução da
população no país, esse déficit pode aumentar ainda mais.
Para o sindicato dos trabalhadores da indústria metalúrgica e
eletrônica, IG Metall, que promoveu o acordo, a mudança pode contribuir para
diminuir esse déficit e ainda atrair mais mulheres para o setor, onde
atualmente somente 20% das vagas são ocupadas por mulheres. "As empresas
ganharão atratividade ao oferecer modelos de trabalho modernos", ressalta.
Eichhorst também acredita que o modelo flexível adotado pode ser um
incentivo a mais para mulheres trabalharem nestes setores.
Possível
impasse
O caminho para a conquista da flexibilização no setor foi longo e
encontrou resistência entre os empregadores. O acordo neste ano só foi possível
depois que o sindicato dos trabalhadores cedeu e permitiu o aumento da jornada
de trabalho de 35 horas em outros casos.
"Já temos, com 35 horas, a jornada de trabalho mais curta do
mundo. Não conseguiremos defender a prosperidade alemã trabalhando menos. Por
isso, foi essencial que a mudança não conduziu a uma nova redução da carga
horária, mas sim a uma solução na variante da jornada semanal regular de alguns
funcionários, para menos ou para mais", ressalta Sabine Glaser, diretora
do departamento de política tarifária da associação Gesamtmetall.
O maior desafio para as empresas implementarem a mudança será
organização das reduções de modo que essa diminuição no volume trabalhado não
afete os resultados. Entre as possibilidades para alcançar um equilíbrio estão,
além do aumento da jornada de funcionários que desejam trabalhar mais, a
contratação de mão-de-obra temporária.
A nova regra permite ainda a empregadores negarem a redução, caso não
seja encontrado uma solução para essa compensação. Essa autorização prévia pode
gerar um impasse no modelo acordado.
Para Eichhorst, grandes empresas não terão muitos problemas em se
organizar nesse sentido, mas as de pequeno e médio porte podem ter mais
dificuldades. O especialista avalia que a mudança pode gerar conflitos
internos, pois é possível que nem todos os funcionários recebam autorização
para reduzir as jornadas como desejam.
Quem deve
se beneficiar?
O IG Metal, o maior sindicato metalúrgico do mundo, acredita que a
mudança deve beneficiar principalmente trabalhadores que têm filhos pequenos e
aqueles que possuem pessoas doentes na família ou, ainda, os que desejam
trabalhar menos por um período. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas
poderiam requerer a redução na carga horária.
Porém, especialistas acreditam que a redução será não será uma opção
cogitada por muitos devido ao seu impacto salarial negativo. De acordo com
Eichhorst, o abate no salário seria de cerca de 20% no valor bruto.
Stöger acrescenta que a redução será uma opção apenas para aqueles que
possuem salários mais altos e melhores condições de vida, pois pessoas de baixa
renda não têm como suportar o peso da redução salarial do modelo no orçamento
familiar.
A expectativa sobre o modelo flexível que será testado pela indústria
metalúrgica e eletrônica na Alemanha nos próximos anos é grande. Os primeiros
resultados deste experimento devem ser apresentados somente daqui a cerca de
dois anos. Até lá, o debate sobre o futuro do trabalho continua em aberto.
De Berlim
para a BBC Brasil
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