Hélio Duque
Em 1921, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset
analisava a enfermidade e a dissolução de valores na sociedade ibérica.
Sintetizou sua angústia alertando ser fundamental o abandono de uma vida
contemplativa, construindo em seu lugar uma vida ativa. Lançava o livro
“Espanha Invertebrada”, destacando não existir uma proposta comum para a
cidadania.
A “invertebración” espanhola impedia debate sobre
os rumos e futuro de nação, inexistindo um projeto para encarar de frente a
saída para os mastodômicos problemas que afetavam a vida do seu povo. Ortega y
Gasset destacava que uma sociedade míope agrava a enfermidade pública,
prestigiando políticos pouco virtuosos que impõem as suas vontades e interesses
em detrimento dos verdadeiros valores nacionais.
Neste final de 2015, falta entre nós um livro que
poderia ser “Brasil Invertebrado”, calcado na obra clássica de Ortega y Gasset.
Na sua falta, de maneira esparsa, inúmeros estudiosos brasileiros vem
publicando artigos e análises, onde a invertebração da sociedade é destacada e
a crise política, econômica e social ganha dimensão própria. Transcreverei
algumas dessas observações extraídas de importantes textos, nominando os seus
autores. São, a exemplo do autor espanhol, brasileiros angustiados com os
descaminhos de vida nacional.
1) O ex-ministro e professor João Sayad, da
Faculdade de Economia e Administração da USP: “A democracia ameaça a República
se for dominada pela demagogia, por eleitores mal informados. Não há República
sem homens virtuosos: honestos defensores do interesse público e corajosos. A
República pode se tornar tirania. República e democracia procuram um equilíbrio
delicado. A República vai mal. Falta virtude. Como tornar os homens públicos
virtuosos? Deveriam ler os clássicos – Cícero, Catão, Platão, Aristóteles. Só
assim homens virtuosos poderiam se candidatar sem ter que jantar escondido com
financiadores de currículo duvidosos” (Valor Econômico, 15-9-2015).
2) Professor e diretor do Instituto de Políticas
Públicas da UNESP, Marco Aurélio Nogueira: “A política ficou submetida ao
mercado e a representação perdeu substância. A fragmentação e a falta de
operacionalidade do sistema político fazem com que a democracia, em alguns
países, fique bloqueada e, em outros, passe a ser alimentada por doses
expressivas de corrupção e ilicitude. Neste ambiente, os governos e a
classe política pioram dramaticamente seu desempenho e deixam suas comunidades
sem muitas saídas.” (O Estado de S.Paulo, 26-09-2015).
3) Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e
professor da UFRJ, o economista Armando Castelar Pinheiro: “Um Estado
grande, ineficiente e intrusivo é um grande peso para o setor privado e um
freio ao crescimento econômico. E sem crescimento não há emprego, nem é
possível arrecadar impostos. Não há gasto público que compense o desemprego em
alta e os salários em baixa. Vamos ver isso neste e no próximo ano.” (Valor,
2-10-215).
4) O professor José Álvaro Moisés, diretor do
núcleo de pesquisas de políticas públicas da USP: “O sistema partidário
brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e da
constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a
garantir a governabilidade do País no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma
importância à sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não tem
preferência partidária e não querem filiar-se. O que conta não é o que os
partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os
dirigentes – que em muitos casos se perpetuam na direção das legendas -
conquistem ou mantenham posições de poder.” (O Estado de S.Paulo, 24-8-2015).
Dispensável comentar os notáveis pensamentos
expressados, em momento oportuno, pelos quatro acadêmicos. Neles ficam
retratados os momentos adversos que estamos vivendo. A crise política é a
matriz geradora dos descaminhos éticos, morais e econômicos. A ética da credibilidade
e a ética da responsabilidade, tão bem definidas por Max Weber, estão sendo
abastardadas e violentadas no Brasil contemporâneo. É neste cenário de horror
que a invertebração frequenta o cotidiano dos governistas e da maioria dos
oposicionistas no atual momento político brasileiro. Tornaram-se inconfiáveis
para a maioria da população, como atestam as pesquisas recentes.
Helio Duque
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