segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Democracia e Justiça

Carlos Henrique Abrão

O Brasil vive um momento complicado, complexo e paradoxalmente singular na sua conquista democrática e nos seus ideais de justiça. A impressão que temos é que nada funciona e simplesmente a mentira enganação e conchavos predominam para que a governabilidade rume contra os interesses da sociedade civil.

Qualquer democracia minimamente responsável já teria dado uma resposta à altura da conjuntura e tomado as providências para ressarcimento do erário e repatriamento do dinheiro ilícito clandestino no exterior. As comissões parlamentares de inquérito são um arremedo somente - uma perda de tempo, sem conclusão ou determinação específica para apurar dos crimes.

Enquanto isso a Controladoria Geral da União tenta resgatar sua própria credibilidade, comprometida com tantos escândalos em várias empresas do Brasil, e o mais incrível é que o esquemão de clientelismo e favorecimentos sempre desempenhou seu apetite, ao fornecer polpudas somas em campanhas eleitorais e depois cobrar tudo com juros e correção monetária, e mais valores.

Destruída a noção da moralidade e de valores éticos, pela desgovernança corporativa, aliada ao descontrole da representatividade política, o País vive tempos sombrios, come inflação e vomita corrupção diariamente, e a justiça está literalmente travada: não consegue, salvo raras exceções, desempenhar o seu papel de construir ou reconstruir as pilastras da autentica democracia.

Enquanto nos EUA dezenas de ações são movidas contra a ex maior estatal brasileira, aqui em solo pátrio tudo caminha a passo de cágado, com soluções inovadoras e interessantes para que o objetivo central da impunidade sempre prevaleça. E essa é uma marca indelével do nosso atavismo, falta de ação e comodismo, na medida em que a grande maioria da população somente prioriza seus interesses particulares, sequer participa de uma reunião de condomínio, ou faz barulho quando prédios são erguidos e faltam luz e água para o habitual em diversos bairros da região metropolitana de São Paulo.

Essa pseudo democracia encontra seu maior obstáculo na corrupção que sangra bilhões dos cofres públicos e tem na impunidade a melhor ferramenta do continuísmo. Busca-se desmontar a lei anticorrupção mediante acordos de leniência e tantas outras articulações que permitam às grandes empreiteiras prosseguirem com suas obras direcionadas ao governo.

Bem assim essa percepção irriga seus malsinados efeitos para todos os setores. Tanto é verdade que muitos economistas já adiantam que vivemos a pior crise do século e serão necessários mais de dois anos para que voltemos à estabilidade da moeda. O plano real se tornou irreal, fora engolido pela inflação, alta do câmbio, desindrustialização e perda de mão de obra, com milhões de pessoas no desemprego.

Não basta ter apenas uma constituição intitulada democrática ou cidadã. É muito pouco. O povo precisa ter educação e um mínimo de consciência de reivindicar, já que boa parte de nossa imprensa marrom se perde em manchetes defendendo o que tudo assiste e observa pacificamente ou nos defenestra mediante notícias catastróficas diuturnas.

Com esse produto interno bruto negativo, batendo à casa de 3%, o governo não desperta do sonolento momento de apatia e só pensa naquilo: quanto mais impunidade houver melhor. Existem aqueles acima da lei, sem lei, e a marginalidade campeia no andar de cima e no debaixo, cuja vítima exclusiva é a sociedade que tenta compreender o momento e não encontra forças para lutar, em torno de um ideal que traga liberdade com respeito e democracia com justiça.

A armadilha está prevalecendo: ninguém sabe dizer por quanto tempo, mas se não for desarmada pela integridade da sociedade, continuaremos no marasmo total de falta de vontade política, sem oposição, e marcha fúnebre da economia em plena recessão.


Carlos Henrique Abrão
Doutor em Direito pela USP com Especialização em Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Alerta Total – www.alertatotal.net



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