Carlos Henrique Abrão
O Brasil vive um momento complicado,
complexo e paradoxalmente singular na sua conquista democrática e nos seus
ideais de justiça. A impressão que temos é que nada funciona e simplesmente a
mentira enganação e conchavos predominam para que a governabilidade rume contra
os interesses da sociedade civil.
Qualquer democracia minimamente
responsável já teria dado uma resposta à altura da conjuntura e tomado as
providências para ressarcimento do erário e repatriamento do dinheiro ilícito
clandestino no exterior. As comissões parlamentares de inquérito são um
arremedo somente - uma perda de tempo, sem conclusão ou determinação específica
para apurar dos crimes.
Enquanto isso a Controladoria Geral
da União tenta resgatar sua própria credibilidade, comprometida com tantos
escândalos em várias empresas do Brasil, e o mais incrível é que o
esquemão de clientelismo e favorecimentos sempre desempenhou seu apetite, ao
fornecer polpudas somas em campanhas eleitorais e depois cobrar tudo com juros
e correção monetária, e mais valores.
Destruída a noção da moralidade e de
valores éticos, pela desgovernança corporativa, aliada ao descontrole da
representatividade política, o País vive tempos sombrios, come inflação e
vomita corrupção diariamente, e a justiça está literalmente travada: não
consegue, salvo raras exceções, desempenhar o seu papel de construir ou
reconstruir as pilastras da autentica democracia.
Enquanto nos EUA dezenas de ações são
movidas contra a ex maior estatal brasileira, aqui em solo pátrio tudo caminha
a passo de cágado, com soluções inovadoras e interessantes para que o objetivo
central da impunidade sempre prevaleça. E essa é uma marca indelével do nosso
atavismo, falta de ação e comodismo, na medida em que a grande maioria da
população somente prioriza seus interesses particulares, sequer participa de
uma reunião de condomínio, ou faz barulho quando prédios são erguidos e faltam
luz e água para o habitual em diversos bairros da região metropolitana de São
Paulo.
Essa pseudo democracia encontra seu
maior obstáculo na corrupção que sangra bilhões dos cofres públicos e tem na
impunidade a melhor ferramenta do continuísmo. Busca-se desmontar a lei
anticorrupção mediante acordos de leniência e tantas outras articulações que
permitam às grandes empreiteiras prosseguirem com suas obras direcionadas ao
governo.
Bem assim essa percepção irriga seus
malsinados efeitos para todos os setores. Tanto é verdade que muitos
economistas já adiantam que vivemos a pior crise do século e serão necessários
mais de dois anos para que voltemos à estabilidade da moeda. O plano real se
tornou irreal, fora engolido pela inflação, alta do câmbio, desindrustialização
e perda de mão de obra, com milhões de pessoas no desemprego.
Não basta ter apenas uma constituição
intitulada democrática ou cidadã. É muito pouco. O povo precisa ter educação e
um mínimo de consciência de reivindicar, já que boa parte de nossa imprensa
marrom se perde em manchetes defendendo o que tudo assiste e observa
pacificamente ou nos defenestra mediante notícias catastróficas diuturnas.
Com esse produto interno bruto
negativo, batendo à casa de 3%, o governo não desperta do sonolento momento de
apatia e só pensa naquilo: quanto mais impunidade houver melhor. Existem
aqueles acima da lei, sem lei, e a marginalidade campeia no andar de cima e no
debaixo, cuja vítima exclusiva é a sociedade que tenta compreender o momento e
não encontra forças para lutar, em torno de um ideal que traga liberdade com
respeito e democracia com justiça.
A armadilha está prevalecendo:
ninguém sabe dizer por quanto tempo, mas se não for desarmada pela integridade
da sociedade, continuaremos no marasmo total de falta de vontade política, sem
oposição, e marcha fúnebre da economia em plena recessão.
Carlos Henrique Abrão
Doutor em Direito pela USP com Especialização em
Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário