terça-feira, 17 de novembro de 2015

Camaradas

Percival Puggina

Em junho deste ano, durante o 2º Congresso Nacional da CSP-Conlutas, um membro do comitê central do PCB (N.doE.: Mauro Iasi) fulminou os conservadores com o poema em que Brecht sentencia um homem dito bom à morrer num bom paredão, com uma boa espingarda, uma boa bala e com sepultura numa boa cova. Calorosos aplausos da plateia referendaram a fala. Alguém filmou, vazou e o vídeo prolifera nas redes sociais sob óbvias rejeições. O site do PCB atribui tais repulsas – ora vejam só! – a uma direita “fascista e raivosa”.

Lembrei-me do livro Camaradas. Esse excelente trabalho de pesquisa e jornalismo, empreendido por William Waack sobre a Intentona Comunista de 1935, foi viabilizado quando a abertura dos arquivos de Moscou permitiu escrutinar com correção os fatos da época. O livro inicia com pequeno trecho de uma das peças teatrais didáticas produzidas por Brecht: “Quem luta pelo comunismo tem que poder lutar e não lutar, dizer a verdade e não dizer a verdade, (…) manter a palavra e não cumprir a palavra (…). Quem luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma: a de lutar pelo comunismo”.

Nessa obra (procure “The measures taken” para lê-la em inglês), Brecht relata certa missão de propaganda durante a qual um jovem militante concorda com ser executado por seus camaradas para segurança da tarefa revolucionária. O coro, como a plateia do sujeito do PCB, louva a terrível decisão. Às infames lições citadas acima, o drama brechtiano, acrescenta que a benevolência faz mal à causa, que o coletivo sabe mais que o individual, que a rígida disciplina é indispensável à tarefa revolucionária, e por aí vai. Tais princípios abastecem os coletivismos, motivaram os genocídios sem os quais não se imporiam e são as muletas retóricas do discurso mencionado no início deste texto. Paredão!

Portanto, quando lhe falarem no tal coletivo, se não for ônibus, desembarque! Você pode ser atropelado por uma terrível ideia: nos coletivismos, o indivíduo e sua vida valem nada, absolutamente nada. Opondo-nos a isso, devemos reconhecer que temos, por natureza, uma real e preciosa existência social. Essa existência, todavia, deve ser vivida sem prejuízo da nossa individualidade. Somos dotados de liberdade, vontade, razão, responsabilidade e dignidade natural. Somos indivíduos, pessoas humanas, desde a concepção. É como indivíduo, pessoa divina, que Cristo irrompe na História. Será como indivíduos que nos apresentaremos ao Altíssimo para um juízo pessoal, não coletivo.

Desconhecer, minimizar ou desfazer essa grandeza num coletivismo é reabrir as páginas mais trágicas e escabrosas do século 20.





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