quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ainda a Operação Condor - um pouco de história

Carlos I. S Azambuja

 Manuel Piñero Losada (nascido em 1933, casado com a chilena Marta Harnecker, com a qual teve um casal de filhos, Manuel, advogado, e Camila)  foi, por mais de 30 anos,  chefe da Direção Geral de Inteligência (DGI) do Ministério do Interior de Cuba, órgão encarregado, além de outras tarefas, dos vínculos com os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, a partir dos anos 60, apogeu da insurgência libertadora. Piñero faleceu em Cuba em 1997 em acidente de automóvel.

Marta Harnecker, escritora marxista chilena, ganhou projeção internacional nos anos 70, quando escreveu o livro “Conceitos Elementares do Materialismo Histórico”, que vendeu, somente em edições em espanhol, cerca de 1 milhão de exemplares e desempenhou um papel importante na formação política de uma geração de jovens universitários, tendo significado, para a Esquerda, o mesmo que a Bíblia significa para os seminaristas. Embora o marxismo-leninismo tenha implodido, esse manual continua a ser utilizado em muitas Universidades latino-americanas. Marta Harnecker, que passou a viver em Cuba desde fins de 1973, é a ideóloga do Foro São Paulo.

O nº 11/1997, da revista “América Libre” (porta-voz do Foro São Paulo), publicou uma longa entrevista com Manuel Piñero Losada, nas páginas 9 a 12.

Disse ele ter chegado a Sierra Maestra em maio de 1957. Antes disso, havia sido dirigente do Movimento Revolucionário 26 de Julho (MR-26) em sua província, Matanzas. Em Sierra Maestra integrou a Coluna 1, comandada por Fidel Castro, e em março de 1958, passou à coluna de Raul Castro.

Em seguida, foi conferida a Piñero a função de direção de Pessoal e Inspeção Territorial, e a do Serviço de Inteligência e Polícia Rebelde.

Em 1961 participou da fundação do Ministério do Interior e nele permaneceu até 1975, como responsável máximo do Vice-Ministério Técnico e, logo depois, daDireción General Libertación Nacional.

A partir de 1975 chefiou o Departamento América, órgão de Inteligência do Comitê Central do PC Cubano (do qual foi membro efetivo desde sua fundação, em 3 de outubro de 1965).

Essa entrevista referiu-se especificamente a Che Guevara, recordando os 30 anos de sua morte na Bolívia.

Em resumo, Piñero disse que durante todo esse tempo em que dirigiu a Inteligência cubana, manteve contato com as seguintes lideranças da guerrilha na América Latina: os nicaragüenses Carlos Fonseca Amador, Tomás Borge, Rodolfo Romero e o ex-Oficial do Exército somozista Somaribia, que dirigiu uma tentativa de luta armada na Nicarágua, no qual morreram os cubanos Ornelio Hernandez e Marcelo Fernandez; os guatemaltecos Turcios Lima, John Sosa, Rolando Ramirez, Pablo Monsanto, Júlio Cáceres (“Patojo”), amigo íntimo de Che Guevara; os peruanos Luis de La Puente Uceda, Hector Bejar Revollo e Javier Heraud; os peronistas William Coocke e Alícia Eguren; os colombianos Fábio Vasquez (que viria a ser o comandante do Exército de Libertação Nacional da Colômbia), os irmãos La Rota (fundadores do Movimento Obrero Estudantil Colombiano) e o Secretário-Geral do PC desse país, Gilberto Vieira; o Secretário-Geral do PC Uruguaio, Rodney Arismendi; os principais dirigentes dos partidos socialista e comunista chilenos, principalmente Salvador Allende, então senador da República, e Jayme Barrios; os principais dirigentes do PC Venezuelano, Fabrício Ojeda; e vários dirigentes haitianos e dominicanos.

Em geral, todos os líderes da esquerda e dos partidos comunistas do continente, que passavam por Havana, se entrevistavam com Piñero. Che Guevara conheceu todos eles, pois participou da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina, realizada em Cuba em 1964.

À pergunta de como Che Guevara concebia o desenvolvimento e a disseminação da luta revolucionária na América Latina, Piñero respondeu que segundo foi demonstrado pela experiência cubana, o núcleo guerrilheiro original, bem dirigido, era o pequeno motor, que acionado política e militarmente colocava em movimento o grande motor das massas. Nisso se baseava a concepção continental e antiimperialista de Che Guevara sobre a luta armada revolucionária. É essencialmente política, militar, de massas e contradiz a interpretação reducionista do FOCO GUERRILHEIRO, que historicamente lhe foi atribuída. Segundo Che, a luta guerrilheira não poderia desenvolver-se naqueles países onde os governos haviam sido eleitos democraticamente e onde não se haviam esgotado as possibilidades de luta política.

Deve ser ressaltada uma idéia básica de Che: não necessariamente têm que existir todas as condições para começar a luta revolucionária, pois a própria luta, em desenvolvimento, as iria criando. Che Guevara, portanto, não é o responsável pelas simplificações da experiência cubana e de suas concepções, desenvolvidas, ainda que com as melhores intenções, por parte de alguns revolucionários do continente.

Perguntado sobre o motivo da preferência de Che pela guerrilha na Argentina, disse que ela está na origem da guerrilha comandada por seu compatriota Jorge Ricardo Masetti, em 1963, pois Che havia conhecido Masetti, como jornalista, em Sierra Maestra; que após janeiro de 1959, Masetti regressou a Cuba, cumpriu algumas missões de apoio à revolução na Argélia com a Frente de Libertação Nacional (FLN), adquirindo certa experiência de combate, cursou escolas militares em Cuba e então Che deu-lhe a tarefa de organizar uma coluna guerrilheira cuja missão principal era instalar-se em Salta, território argentino fronteiriço com a Bolívia. Che prestou uma dedicação especial à preparação desse Destacamento, nomeado Exército Guerrilheiro dos Pobres. Juntaram-se a Masetti o cubano Hermes Peña (morto em combate) e Alberto Castellanos, que caiu prisioneiro e permaneceu 4 anos nos cárceres argentinos sem que fosse identificada sua verdadeira nacionalidade.

Era necessário estabelecer previamente uma base de apoio logístico em território boliviano e, para isso, foram designados os cubanos Abelardo Colomé Ibarra (“Furry”), hoje General de Exército, e José Maria Martinez Tamayo (“Papi”), que morreu depois da guerrilha boliviana. Eles viajaram para a Bolívia a fim de receber Masetti e seu grupo, em coordenação com um grupo de companheiros que nós enviamos a La Paz. Também deve ser reconhecida a cooperação, em todos os momentos, da direção da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina.

Em abril de 1964 foi perdido o contato com Masetti e até hoje não foram encontrados indícios sobre como terminou aquele intento guerrilheiro, bem como as circunstâncias do seu desaparecimento.

Argentina, Peru, Bolívia ...faziam parte do projeto integrador de Che para levar adiante a sua estratégia de continentalizar a revolução. Paralelamente à operação de Salta, um grupo de combatentes peruanos dirigidos por Alain Elias, e entre os quais se encontravam seus companheiros Javier Heraud e Abraham Lamas, iniciaram, em janeiro de 1963, a luta armada, após penetrarem no Peru pela zona de Porto Maldonado, fronteiriça com a Bolívia. Ali morreu o jovem poeta peruano Javier Heraud e outros companheiros. Eles contaram com a ajuda de vários quadros do Partido Comunista Boliviano, especialmente os irmãos Peredo (Inti e Chato Peredo), que lhes proporcionaram apoio logístico e serviram como guias à sua Coluna para regressar, desde o Peru à Bolívia. Anos depois, no Peru, o ELN reiniciou a luta sob a direção de Hector Bejar Revollo e emergem também as guerrilhas de Luis de La Puente Uceda e Guillermo Lobatón, líderes do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR). Com todos esses dirigentes peruanos CHE manteve reuniões prévias. Entretanto, tanto o intento guerrilheiro do ELN como o do MIR, foram destruídos. Morreram Luis de La Puente Uceda (em novembro de 1965) e Lobatón (em janeiro de 1966). Hector Bejar já havia sido detido em 1965 e destruída a Coluna que comandava.

O projeto boliviano de Che dentro de sua estratégia continental tinha como perspectiva uma guerrilha que deveria transformar-se em uma escola de formação de quadros latino-americanos, sobretudo do Cone Sul, o que propiciaria estender a luta armada a outros países fronteiriços. Isso dependeria do desenvolvimento e crescimento da Coluna-Mãe, assentada na Bolívia.

De uma forma realista, Che analisou que se a partir da Bolívia surgissem e evoluíssem outras colunas guerrilheiras formadas por combatentes de diversas nações do Cone Sul, isso provocaria como reação uma aliança entre os governos e os Exércitos dos países fronteiriços, o que contribuiria para a propagação da luta armada revolucionária na região, a qual se transformaria em um cenário de cruentas, longas e difíceis batalhas, que cedo ou tarde levariam a uma intervenção norte-americana. Isso resultaria, portanto, na “criação de um grande Vietnã na América Latina”, como se referiu em sua histórica “Mensagem aos Povos do Mundo”, na Conferência Tricontinental.

Qualquer um que conheça as leis da guerrilha sabe que a fase inicial é a mais difícil, pois a Coluna ver-se-á obrigada a deslocar-se constantemente para evitar as emboscadas do exército inimigo, mormente se está em desvantagem. Nessa fase da guerrilha, depende de suas próprias forças, e do respaldo que possa receber das redes urbanas de apoio, as quais, naquele momento, na Bolívia, já haviam sido desmanteladas. Por isso não era uma tarefa fácil enviar - como dizem -, desde Cuba, um reforço para a guerrilha de Che na Bolívia. É pura fantasia dizer-se que Che tenha sido abandonado na Bolívia.

Também é uma fantasia a comparação que foi feita entre a suposta falta de apoio a CHE e os exitosos esforços cubanos para tirar da Venezuela os Oficiais cubanos que ali se encontravam na guerrilha, pois na Venezuela o Partido Comunista, o MIR e outras forças revolucionárias - embora tivessem sofrido várias derrotas - conservavam estruturas clandestinas e recursos operativos que facilitaram a organização paciente e minuciosa da operação-resgate desses companheiros. Essas circunstâncias não ocorreram na Bolívia.

Quanto à ida de Che ao Congo, ela foi uma etapa, uma fase intermediária para preparar-se com vistas à sua meta definitiva, e aguardar que a evolução dos acontecimentos na América Latina criasse condições políticas favoráveis para desencadear seus planos estratégicos. Tanto é assim, que no momento de sua saída do Congo, Che perguntou a Harry Villegas, a Carlos Coello e a José Maria Martinez Tamayo, se estariam dispostos a continuar a luta junto a ele em outro país. Uma luta que seria longa, complexa e difícil. Os três, posteriormente, tomariam parte na guerrilha boliviana, com seus pseudônimos: “Pombo”, “Tuma” e “Ricardo”.

As delicadas operações para trasladar Che Guevara e seus companheiros para a África, depois para regressar a Cuba e, mais tarde, sair para a Bolívia, estiveram a cargo do organismo que eu dirigia. Toda a preparação técnica e operativa para a missão no Congo, a documentação, os itinerários de viagem e as coberturas. A partir da embaixada de Cuba na Tanzânia, foi constituído um grupo de apoio encarregado da busca de informações e de cooperação no traslado da logística, desde esse país, até à base de Che no Congo, bem como o treinamento dos responsáveis pelas comunicações e outras formas de enlace com Che. Trabalhamos na falsificação de passaportes, nas informações que ele pedia sobre determinadas situações do país de destino, no treinamento em diversas especialidades. Todos os detalhes técnicos foram elaborados por nossos Oficiais, porém, cada passo, tudo, era analisado e aprovado por Che: as vias escolhidas e quem passaria por elas, como passar dissimuladamente pelos aeroportos, as características desses aeroportos e das fronteiras, o grau de controle migratório, e quais os horários e os dias em que a vigilância era menor por parte das autoridades. Para isso, foi realizado um estudo prévio da situação operativa, fronteiriça e migratória, bem como dos métodos aplicados pela Contra-Inteligência dos países por onde transitariam Che Guevara e os demais combatentes (nota: é sabido que Che Guevara, no trajeto para dirigir-se à Bolívia, passou pelo Brasil).

Para o Congo, na África, foram movimentados mais de 140 cubanos e mais de 20 para a Bolívia. Nenhum deles chegou a ser detectado pelos órgãos de espionagem ianque, nem pelos aparatos de segurança dos países por onde transitaram.

O início da viagem de Che para a Bolívia foi em novembro de 1966.

A morte de Che chegou a Cuba através de uma radiofoto recebida em 10 de outubro de 1967, onde aparecia o seu cadáver.

Pouco tempo depois, Pombo, Urbano e Benigno conseguiram romper o cerco e Inti Peredo conseguiu contato com alguns militantes do PC Boliviano e do ELN, que os conduziram até à fronteira com o Chile. Recorde-se o papel histórico desempenhado por Salvador Allende, então presidente do Senado chileno, que deu todo o seu apoio e proteção aos três sobreviventes.

Observe-se que essas atividades, que justificariam uma ação conjunta dos Serviços de Inteligência dos países do Cone Sul, foram antes, muito antes, da chamada Operação Condor, efetivada após a deposição e morte de ALLENDE, em 11 de setembro de 1973.

Carlos Ilich Santos Azambuja é Historiador.

Alerta Total – www.alertatotal.net



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