sábado, 7 de novembro de 2015
O Enem e a corrupção que não existe
Editorial
Na última semana, um dos debates mais acalorados que tivemos na grande mídia e na academia teve a ver com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no último fim de semana, nos dias 24 e 25 de outubro.
Infelizmente, o motivo da polêmica não foi o resultado em si do exame ou se houve fraudes e vazamentos de questões – comuns em outras eras. Mas, sim, uma suposta ideologização das perguntas ao longo da prova, numa profusão de citações de autores de esquerda, incluindo a famosa feminista Simone de Beauvoir. E até mesmo a resposta a uma das perguntas, que instava que a globalização provoca desemprego, o que denunciaria um certo anticapitalismo dos formuladores do exame.
A peça mais marcante desse viés seria o próprio tema da redação, “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira“, que, ao reduzir o grave e generalizado problema de violência que temos, não ajudaria a debater a questão com a profundidade que a sociedade precisa. Diversos jovens nas redes sociais se dedicaram a desmontar a importância do tema, como no vídeo publicado por um deles (clique aqui para assistir) e que sublinha o seguinte: “É notório no Brasil que há violência contra a mulher… e homens!“. Perfeito.
No entanto, acreditamos que o Enem deste ano teve um demérito ainda maior que este e, aparentemente, ninguém se dá conta. Que o tema da violência (contra qualquer pessoa) é importante, não se discute. Assim como temas ligados ao meio ambiente, à saúde e outros. Mas não se viu em qualquer ponto das extensas provas menção alguma à corrupção que vem trazendo o país à bancarrota. Nem “uminha” sobre os dois maiores escândalos na história do país, os chamados mensalão e petrolão. E muito menos sobre a aula de investigação e processo judicial que a Lava Jato vem dando à sociedade e aos políticos, já com reconhecimento internacional.
Aparentemente, para os organizadores do Enem, nada disso acontece no Brasil. E alguns ex-presidentes do Inep, responsável pela aplicação do exame, dizem que o governo federal não interfere nas provas. Como acreditar nisso, se a acusação de corrupção em larga escala é justamente o que mais atinge o atual grupo no poder?
Assim, temos que o maior problema que o Brasil enfrenta – digno de figurar como tema da principal prova, a redação – é a violência contra a mulher. E só a mulher. Isso num país cuja maior empresa, a Petrobras, já perdeu, por conta das acusações de corrupção, 58% do seu valor de mercado (um “tombo” de 400 posições no ranking das maiores empresas medido pela Forbes). Num país que a perda internacional de credibilidade nas políticas econômicas e de planejamento já o fez perder grau de investimento em pelo menos duas agências mundiais de classificação de riscos. E que tais circunstâncias já fizeram a inflação chegar aos temidos dois dígitos.
Para a Fiesp, o Brasil perde R$ 100 bilhões anuais por conta da corrupção (dados de 2014, antes da “explosão” de delações premiadas, que podem inflar esse valor bem mais). E isso sem falar no poço sem fundo que são os contratos sigilosos do BNDES para obras nacionais e em países estrangeiros (o próprio Ministério da Fazenda fala em 184 bilhões, mas acredita-se em um valor bem mais alto).
O fato é que os temas da violência, saúde e outros são praticamente acessórios – consequentes – da grande teia de corrupção que se desvenda atualmente. Fruto de uma enorme corrupção de valores, em especial os que se incluem nos princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. E que mereceria maior destaque num exame da importância do Enem, não fosse justamente este o “calcanhar de Aquiles” do atual governo federal.
E justamente num momento em que a quase totalidade do noticiário político tem a ver direta e indiretamente com a corrupção.
Se o Enem não faz a sua parte de trazer a corrupção e as falhas da nossa representação política para o centro dos debates no sistema de Educação, resta aos cidadãos mais conscientes e atuantes pressionar e mobilizar outros para que isso aconteça. É como propôs o empreendedor social Lauro Andrade, do Instituto Brasil Verdade, num recente videodepoimento para o nosso programa Agentes de Cidadania.
Para ele, “é preciso levar os temas da responsabilidade política e da participação popular para dentro das escolas. E aí, sim, daqui a cinco, dez anos, teremos sem dúvida alguma um cidadão consciente e participativo. E, nesse momento, ele terá condição de transformar a sua própria realidade”.
A Voz do Cidadão
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