JAIME
GROFF
Pretender
demonstrar a existência de um viés ideológico na formação da imagem das forças
policiais do Brasil não é tarefa simples. O assunto toca em muitos pontos
sensíveis, tanto do passado como do presente do nosso país, além de possuir
vários aspectos que podem ser abordados.
Apesar
disso, podemos constatar, com razoável grau de segurança, que existem indícios
suficientemente sólidos que apontam para esse viés.
Um
aspecto que pode ser levantado de imediato diz respeito ao medo que o cidadão
brasileiro sente do seu policial. Não é raro encontrar pessoas que se sentem
amedrontadas pelo simples fato de serem abordadas em uma blitz de trânsito, por
exemplo, mesmo não tendo infringido nenhuma norma legal. Alguns números podem
fundamentar esse receio: o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
demonstrou que, em 2014, 58.559 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos,
lesões corporais seguidas de morte e latrocínios no Brasil, o que equivale a
160 mortes por dia, ou uma morte a cada nove minutos. Segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS), locais com índices de mortes superiores a 10 a cada
grupo de 100 mil são tidos como zonas endêmicas de violência. Pelos números
acima, o Brasil tem um índice de 28,9 mortes para cada grupo de 100 mil
habitantes.
Esses
números, é claro, são oficiais, e devem ser encarados com ceticismo, afinal de
contas, países subdesenvolvidos raramente produzem estatísticas confiáveis.
Apesar disso, é seguro afirmar que nosso país se tornou uma praça de guerra e
isso gera, naturalmente, o sentimento de medo na população que tenta evitar
entrar em contato com os atores envolvidos diretamente nesse cenário. É
inevitável concluir, entretanto, que a violência se tornou parte da nossa
rotina, assim como é em regiões que estão em situação de guerra civil, como o
território palestino da Faixa de Gaza – onde, segundo levantamento feito em
2014 pelo jornal NY Times, ocorriam 66 mortes por dia.
Outro
dado precisa ser mencionado: dentro do número total de mortos por ano no
Brasil, entram 3.022 pessoas mortas em decorrência de ações policiais (tanto em
serviço como fora dele). Esse número, de fato, é alto. A pesquisa não mostra,
entretanto, em que tipo de situação essas mortes ocorreram. Esse dado é de
fundamental importância para que a informação em questão seja melhor analisada.
Verificar o tipo de circunstância em que o policial fez uso da força letal é
imprescindível para que haja uma análise isenta da sua conduta. Assim sendo,
algumas perguntas deveriam ter sido elaboradas e acrescentadas à metodologia da
pesquisa: as mortes ocorreram durante o cumprimento de mandado judicial? A
vítima utilizou arma de fogo contra a ação da polícia? Era reincidente
criminalmente ou considerada perigosa? As mortes ocorreram durante o
policiamento ostensivo ou investigativo?
Essas
perguntas, no entanto, não foram feitas pelo Anuário de Segurança Pública e,
como consequência, as conclusões empíricas obtidas a partir da pesquisa em
questão podem ficar não apenas comprometidas, mas facilmente apresentadas de
maneira difamatória contra qualquer força policial brasileira.
O
Anuário, estranhamente ou não, não dá a devida atenção à estatística relativa
ao número de policiais mortos no Brasil. Os dados apresentados são velhos, de
2013 apenas. Apesar disso, Rafael Alcadipani, professor de estudos
organizacionais da EAESP/FGV, afirma que “os dados ora publicados no Anuário de
Segurança Pública a respeito da morte de policiais são verdadeiramente
alarmantes. Em 2013, são 369 policiais mortos fora de serviço e 121 policiais
mortos em serviço. Ou seja, policiais brasileiros morrem cerca de 3 vezes mais
fora de serviço do que em serviço, número superior ao apurado para os EUA, país
no qual 96 policiais foram mortos em serviço, em 2013. No Reino Unido, desde
1900 até hoje, são raros os anos em que mais de 8 policiais perdem as suas vidas
em decorrência da sua profissão. Isso significa que o número de policiais
mortos em nosso país é extremamente elevado, ainda mais se compararmos com
países desenvolvidos e não violentos.”
O
sentimento de medo que toma conta da população também foi objeto de pesquisa.
No ano de 2015, o instituto Datafolha verificou que 62% dos moradores de
cidades com mais de 100 mil habitantes declararam ter medo de sofrer agressões
por parte da Polícia Militar, aquela que vemos com mais frequência nas ruas.
Qual o perfil da pessoa amedrontada? São jovens, pobres, autodeclarados pretos
e moradores da região Nordeste – volto a este perfil mais à frente. Ainda
segundo a pesquisa, 53% da população teme a Polícia Civil, aquele policial que
anda à paisana.
Sejamos
francos, a violência policial é, de fato, um problema que deve ser resolvido,
tanto no Brasil como em qualquer lugar do mundo. Mas, na mesma medida, os
desvios de conduta de todas as profissões também devem ser apurados. Como todos
sabemos, no mundo real, existem bons e maus profissionais, em todas as
profissões. Nas polícias também encontramos esse perfil.
O
trabalho policial no Brasil, no entanto, conta com a leitura ideológica da luta
de classes. O seu controle, dessa maneira, recebe atenção hipertrofiada tanto
dos órgãos de fiscalização como dos meios de comunicação. A conduta policial,
independentemente da sua correção, é propositalmente associada a posições
ideológicas que foram fomentadas na cultura brasileira há décadas. O policial
passou a ser visto como um instrumento bélico de ação de uma classe “dominante”
contra a classe “dominada”. A partir desse enfoque, todas as honrarias e
nobreza da profissão policial são substituídas por retratos caricatos de uma
luta ideológica que domina a cultura brasileira. O policial, que coloca sua
vida em risco diariamente, não é mais objeto de orgulho da sociedade que
integra; ele passou a ser visto como um soldado a serviço de um propósito
segregador, um agente das “elites”. Seu trabalho é manter o status quo.
A
partir da influência das mais diversas fontes (mídia e academia,
majoritariamente), formou-se em nossa sociedade o senso comum de que a ação
policial é má, arbitrária, violenta e tem como único objetivo perseguir e punir
pessoas pobres, negras, que fazem parte da classe dos “trabalhadores”, ou dos
“operários” – como bem mostra a pesquisa do Datafolha mencionada acima. O
policial não protege, ele pune, é corrupto e somente irá tratar bem as pessoas
brancas que pertencem às “elites”, uma vez que está a serviço delas.
Como
bem se percebe, além do pretenso componente econômico materializado na
dialética burguês/proletário, há a introdução de um componente de natureza
étnica na análise da conduta policial. Esse componente, no entanto, é aplicado
apenas na análise de parte das supostas “vítimas”. Cabe indagar por qual motivo
há a ausência da aplicação desse critério para a análise da figura do policial
em si. Então, todos os policiais seriam caucasianos e membros da dita “elite
burguesa”? Indo mais adiante, o que dizer quando do desaparecimento dessa
motivação étnica na analise do perfil de comprovados homicidas, estupradores,
pedófilos, traficantes de drogas, enfim, de todos aqueles que não praticaram um
delito contra o patrimônio e são considerados de etnia negra?
Exemplo
simbólico da existência de um senso comum direcionado aos aspectos mencionados
acima pode ser demonstrado a partir das ilustrações publicadas pelo cartunista
Carlos Latuff:
Não outra é a imagem difundida da ação
policial durante o período da ditadura militar no Brasil. A utilização de
mecanismos de tortura por parte de militares e policiais durante o regime de
exceção é pecado repetido ad nauseam pela militância socialista,
independentemente de qualquer número estatístico que lhe dê o alcance devido. O
objetivo, aqui, é apenas o de humilhar, denegrir e rebaixar a imagem da
instituição policial. O título de um artigo publicado pela Carta Capital, maior
periódico de esquerda do país, dá a dimensão do que falo: “a ditadura acabou. Falta avisar a polícia”.
Mas,
afinal de contas, a tortura, pelo exército ou pela polícia, era regra ou
exceção durante a ditadura militar brasileira?
Em que pese a existência comprovada da
utilização da tortura como método de delação pela ditadura militar brasileira
como fato absolutamente lamentável, analise-mo-lo sob sua devida perspectiva
histórica e estatística. Vejamos o número de vítimas dos regimes militares sul
americanos que hoje são conhecidos: durante o período da ditadura militar de
Pinochet, no Chile, foram computadas, aproximadamente, 40 mil vítimas; na
Argentina, foram 30 mil mortos e desaparecidos (existem fontes apontando para
150 mil). No Brasil, após 21 anos de ditadura, e segundo números fornecidos
pela própria militância esquerdista (segundo o livro Dos Filhos Deste Solo,
escrito pelo ex-ministro Nilmário Miranda, petista, e pelo jornalista Carlos
Tibúrcio), são, aproximadamente, 500 as vítimas. 424, para ser mais preciso,
conforme a fonte mencionada, isso se acreditarmos nos critérios dos autores.
Com
esses números postos à mesa não podemos considerar, portanto, tendenciosa ou
precipitada a conclusão de que a utilização da tortura, pelos militares ou pela
polícia, durante a nossa ditadura militar foi, de fato, exceção. Apesar disso,
no imaginário popular brasileiro, a imagem do período em questão é de uma
verdadeira inquisição comandada pelos militares e executada pela polícia. Com
efeito, em 2013, conforme já foi apresentado, foram mortos 490 policiais no
Brasil, número aproximado ao das vítimas de todo o regime de exceção. A
população brasileira hoje é bem maior, de fato, mas não há como não colocar
tais números em uma perspectiva que comprova, com pouca margem de erro, que há,
inegavelmente, uma hiper valorização e exploração, de natureza claramente
ideológica, da imagem do policial como sujeito que utiliza a tortura como modus operandi.
Jaime Groff
Delegado de policia
civil no RN (licenciado), pós graduado em direito já tendo lecionado no curso
de Direito de várias instituições de nível superior em Natal/RN.
Instituto Liberal
Nenhum comentário:
Postar um comentário