Felippe Hermes
Por
onde quer que se olhe, a Lava Jato é uma operação impressionante e de grandes
proporções: são 116 presos, 75 condenados, 16 empresas envolvidas, R$ 42
bilhões em desvios e quase R$ 10 bilhões em propinas. Mais impressionante,
porém, é o vigor com o qual ocorre as operações da Polícia Federal. Se a prisão
do bilionário Marcelo Odebrecht, dono do terceiro maior grupo empresarial do
país, já era um feito e tanto, colocar pela primeira vez na história do país um
senador em exercício atrás das grades – e de quebra levar para a carceragem o
banqueiro mais alinhado ao governo – é sem dúvida um feito capaz de tornar o 25
de novembro um dia histórico. A medida da importância destes fatos, no entanto,
se dá por outro lado – por um fato ignorado: o 25 de novembro foi também a data em que
realizamos, com sucesso, o maior leilão de venda de ativos públicos dos últimos
17 anos.
Você
provavelmente, porém, estava com os olhos em outro lugar. Sem problema. Nós
aproximamos a cena.
Delcídio
do Amaral possui uma carreira política atípica. Ocupou no início de sua vida
pública diretorias em empresas estatais como a Eletrosul e a Petrobras, onde
foi diretor entre 2000 e 2001, até trocar o PSDB pelo PT – onde se tornaria
senador. Desde então são 12 anos no cargo – onde presidiria a CPMI dos
Correios, que viria a descobrir o caso do Mensalão.
André
Esteves, o outro personagem do fatídico 25 de novembro, não poderia ter
trajetória mais diferente. Iniciou como estagiário na corretora Pactual em
1989, para em 10 anos tornar-se um dos sócios controladoras do banco, ao
“demitir” seu ex-chefe e fundador do banco. Esteves entrou para o time de
grandes banqueiros do mundo ao realizar grandes jogadas, como a venda de seu
banco ao UBS, e a posterior recompra, aproveitando-se da crise de 2008. Desde
que reassumiu o controle de seu banco, surfou como poucos o período de
crescimento da economia brasileira, realizando ao longo de 5 anos operações de
fusões e aquisições no valor de R$ 30 bilhões. Foram investimentos tão diversos
quanto florestas, lojas de roupas, farmácias, incorporadoras e a maior
fornecedora de navios sondas para a Petrobrás, a Sete Brasil. As apostas de
Esteves na Petrobrás o levaram até mesmo a outro continente, quando comprou
parte das operações da Petrobrás na África.
As
ligações de Esteves com o governo, entretanto, não param por aí. Em 2010 o
banqueiro se uniu a Lula e Eike Batista em uma empreitada que pretendia fundir
a mineradora MMX de Eike com a gigante Vale do Rio Doce, por meio da aquisição
da participação do Bradesco na controladora da empresa. Em 2012, uniu-se
novamente a Eike e outro velho conhecido da Operação Lava-Jato, Marcelo
Odebrecht, além de Sergio Andrade (fundador da Andrade Gutierrez) e Jorge
Gerdau, para formar aquele que seria o time de “empresários conselheiros” de
Dilma Rousseff.
A
união de tamanhos nomes, ainda em alta, pretendia criar aquilo que a revista
Veja chamou de “choque de capitalismo” – o maior programa de venda de ativos
públicos da história: valores superiores a R$ 200 bilhões apenas em infraestrutura,
que somados aos US$ 56 bilhões de dólares em vendas de ativos da Petrobrás
(anunciados algum tempo depois), tornariam Dilma a presidente que mais vendeu patrimônio público da história. O
PIL, programa de investimento em logística, como ficou conhecido, tinha a
intenção de destravar obras em portos, aeroportos, ferrovias e no setor
elétrico. Destes, porém, apenas o setor de aeroportos pode ser considerado um
sucesso. Neste setor, o maior caso de venda de ativos deu-se, por coincidência,
com a venda das operações do aeroporto do Galeão, justamente para a Odebrecht,
empreiteira na qual Marcelo era presidente (até junho deste ano, quando foi
preso pela operação Lava-Jato). A Odebrecht comprometeu-se a pagar R$ 20,5
bilhões em um prazo de 30 anos.
O
retumbante fracasso do programa nas demais áreas pode ser considerado uma das
causas da economia brasileira ter patinado durante os anos seguintes. Sem
conseguir realizar os investimentos em infraestrutura que suportariam, por
exemplo, o bem sucedido setor agrícola, ou dariam competitividade às
exportações brasileiras de produtos industrializados, e incapaz de sustentar-se
apenas com o foco no consumo, a economia brasileira entrou em recessão,
acentuando o desastre nas contas do governo.
Não
por acaso, ao assumir a missão de tirar o governo do atoleiro em que se
encontra, os ministros Nelson Barbosa e Joaquim Levy viram na retomada do
programa de venda de ativos e concessões uma saída para fechar as contas.
Politicamente travados em questões como a abertura de capital da Caixa
Econômica, a venda de imóveis e concessões em portos e hidrelétricas se tornou
a melhor das opções. Ajudados pelo destino que ajudou a manter o mais absoluto
silêncio por parte de qualquer ideólogo de plantão, as privatizações de usinas
ocorreram também no fatídico 25 de novembro. Foram R$
17 bilhões, dos quais R$ 11 bilhões pagos à vista e R$ 6,5 bilhões em até
6 meses.
Um
dia depois de comprar 27% da Azul Linhas Áreas, os chineses protagonizaram
também o leilão de hidrelétricas. Investidores chineses também haviam comprado
partes do pré-sal em um leilão realizado em 2014. Ao contrário daquela
oportunidade, porém, os leilões deste ano não geraram a empatia dos
manifestantes que bradavam contra o capital estrangeiro. Não
houve protestos, nenhuma oposição ou gritos de que a venda da terceira maior
hidrelétrica brasileira em operação atente contra a soberania nacional.
A
maior venda de ativos públicos desde o leilão da Telebrás, em julho de 1998,
ocorreu graças a um fator técnico ignorado pelo partido do atual governo quando
ainda na oposição. Quando na oposição, o PT encampou a luta contra as
privatizações de companhias de energia. Defendeu que Furnas, uma das maiores
geradoras do país, continuasse pública. Poucas foram as usinas concedidas na
época, todas sob a pecha de “privatização”. Ocorre que, a exemplo de hoje, os
contratos firmados entre 1998 e 2000 também possuíam prazos, de 15 anos. Após
este período, tais usinas retornariam à posse do governo, que então licitaria as
usinas novamente, a exemplo do que está fazendo hoje.
A
dúvida persistente entre o que seriam privatizações ou concessões ao final
pouco interessa. O repasse de ativos públicos para a gestão
privada tornou-se uma unanimidade, cabendo aos governos não mais discutir quem
gerencia melhor os ativos, mas quem vende tais ativos em melhores condições.Enquanto
a militância luta com unhas e dentes para manter o manto ideológico intacto, o
governo segue pragmático, como demandam tempos de crise, e procura a forma mais
lucrativa para privatizar ou conceder, não importando o nome, mas os lucros que
se obtém.
SPOTNIKS
Comentário do blog: tudo isto para manter intocada a principal causa da nossa desgraça: o empreguismo !!!
"Vender" o patrimônio público para conseguir manter nas diversas folhas de pagamento do setor público a grande família dos políticos (cabos eleitorais, parentes, amantes e amigos).
Ou, aumentar impostos para conseguir mantê-los.
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