Editorial
A casta
do funcionalismo tem vários privilégios em relação ao empregado no setor
privado, e, na crise, seus benefícios aumentaram
Tem
raízes históricas o fato de o emprego público, em geral, ser um oásis no
mercado de trabalho brasileiro. O servidor é protegido por leis autárquicas que
lhe garantem virtual estabilidade — dadas as dificuldades para se demitir
alguém por justa causa ou incompetência —,e, a depender da função, ainda tem
acesso privilegiado a quem lhe pode melhorar o padrão de vida.
As
corporações se articulam entre si. Um caso exemplar é do funcionalismo do
Congresso, sempre muito bem tratado por quem faz as leis. Afinal, ele presta
serviços a deputados e senadores, e o dinheiro que recebe é da “Viúva”, não tem
dono, segundo a distorcida percepção de quem vive dentro do Estado. O
contribuinte não tem cara.
Há ainda
agrupamentos poderosos dentro da máquina burocrática que conseguem o mesmo.
Judiciário, Ministério Público, auditores fiscais — capazes de derrubar a
receita da Federação numa simples operação tartaruga —, funcionários do Banco
Central etc. Não é por acaso que a maior renda per capita no país está em Brasília.
Por isso, existem disparidades no próprio serviço público. Por exemplo, o
salário inicial de um professor de nível médio, com jornada de 40 horas
semanais de trabalho, foi, em 2016, de R$ 2.135,64, enquanto o do auditor
fiscal em início de carreira, de R$ 15.743,64.
A crise
dos últimos três anos — a estagnação de 2014 e uma recessão na faixa de 8% no
biênio seguinte —, a mais negativa série histórica do PIB brasileiro, pior que
na Grande Depressão (1929/30), revelou outra faceta nesta comparação do Brasil
do servidor público com o país do empregado no setor privado, a grande maioria.
Levantamento
feito com base na Pesquisa por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, revelado
pela “Folha de S.Paulo”, mostra como este oásis do servidor público ficou ainda
mais ameno na crise, em comparação com o deserto cada vez mais árido do país
real.
Em 2015,
o servidor recebia um salário médio de R$ 3.152, quase 60% mais que o recebido
no mercado formal (carteira assinada) do empregado privado. Já em 2016, com o
PIB em queda livre, a diferença ampliou-se para 63,8%. Pois o rendimento médio
do servidor, no ano passado, subiu 1,5%, enquanto o do empregado com base na
CLT caiu 1,3%.
Prova de
que o funcionalismo — principalmente o federal — está blindado contra crises. Os
estaduais e municipais ainda podem ser atingidos pela crise fiscal, enquanto o
empregador federal, a União, continua a se endividar para pagar salários e
arcar com as demais despesas.
A
explicação para a diferença de oscilação nos salários é que a estabilidade no
emprego protege o servidor das demissões que a empresa privada tem de fazer
para não falir.
No
momento, a diferença entre os dois mundos se agrava porque o governo Temer tem
cedido à pressão de corporações de servidores e concedido reajustes impensáveis
no universo privado. Até pagando bônus de produtividade a funcionários
aposentados. Não bastasse a estabilidade. O país sairá da crise com esses dois
Brasis ainda mais distantes um do outro.
O Globo
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