quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A utopia da “Europa”

Vasco Pulido Valente

… hopes expire of a low dishonest decade… W. H. Auden

No fim de Janeiro, Portugal, na pessoa do primeiro-ministro, teve a honra de receber seis países do sul da Europa: a Itália, a Espanha, a França, a Grécia, Malta e metade da ilha de Chipre. Apesar do atraso este encontro merece alguns comentários. Primeiro, é duvidoso que Chipre e Malta se possam apresentar ao mundo como “países”. Segundo, o que distingue os membros deste subconjunto da União é precisamente não fazerem parte da Europa. A Espanha não tem um papel no continente desde o século XVII, a França desde o princípio do século XIX e o resto do grupo não existia até há muito pouco tempo e nunca contou para nada. Todos vieram agora aqui dizer meia dúzia de piedades, que o mundo inteiro conhece e, no fundo, como disse o inefável Tsipras, reforçar a “solidariedade”, ou seja, convencer a Alemanha a abrir um bocadinho mais a bolsa.

Desde o princípio que os críticos da “Europa” mostraram a dificuldade de integrar económica, política e culturalmente num organismo único o que se chama, por abuso vocabular, a “Europa” do sul e a “Europa” do leste. A verdadeira Europa sempre começou na Suécia e acabou no norte de Itália e no centro de França. Para Metternich, o Oriente começava às portas de Viena e basta assistir ao que se passa hoje na Roménia, na Hungria e na Polónia para lhe dar razão. Quanto ao sul, embora desejasse melancolicamente ser Europa, não conseguiu ao fim de centenas de anos ser mais do que uma cópia primitiva e deformada de um modelo para ela incompreensível. Basta ler Eça e, por exemplo, Elena Ferrante. O último capítulo deOs Maias, a passagem mais trágica da literatura portuguesa moderna (fim do século XIX) ou o Quarteto de Nápoles(princípio do século XXI), para medir a distância que separa o norte da nossa mediterrânica tristeza.

A “Europa” foi uma utopia que, como o nome indica, não tinha lugar no mundo real. Neste momento, em que ela não passa de uma ruína, ou do anúncio de uma ruína, e em que a fragilidade dos seus fundamentos é pública e notória, convinha perceber o que sucedeu e não perder tempo com gestos vazios para prolongar uma vida condenada, a benefício dos pobrezinhos que se tomam pelo que não são.

Observador

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