Monica Gugliano
Amazonas,
Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Desde as
primeiras horas de 2017, o país passa por uma das mais graves crises na
segurança pública nos últimos anos. Do desgoverno no sistema prisional, onde
detentos em Manaus, Boa Vista e Natal foram trucidados em brigas de facções, ao
caos em Vitória, que resultou da paralisação da Polícia Militar, passando pela
crescente instabilidade no Rio, a situação está tão crítica que homens das
Forças Armadas têm sido necessários para manter o controle.
"Esgarçamo-nos
tanto, nivelamos tanto por baixo os parâmetros do ponto de vista ético e moral,
que somos um país sem um mínimo de disciplina social", afirma o comandante
do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. "Somos um país que
está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve
ser."
O
general acompanha o cenário com preocupação. Nascido em Cruz Alta (RS) há 66
anos, 50 deles no Exército, Villas Bôas pondera que há entendimentos incorretos
de que as Forças Armadas possam substituir a polícia. O Exército também está
apreensivo com a reforma da Previdência, e Villas Bôas tem defendido a noção de
que os militares não podem ser submetidos às mesmas regras do regime geral.
Na
semana em que diversas entidades, entre elas o Ministério Público, manifestam o
temor das investidas contra a Lava-Jato, o comandante defende a operação.
"É a grande esperança de que se produza no país alguma mudança nesse
aspecto ético que está atingindo nosso cerne, que relativiza e deteriora nossos
valores."
Para o
general, a segurança pública no Brasil é uma calamidade. Com dados, elenca os
motivos de sua angústia: hoje morrem cerca de 60 mil pessoas por ano
assassinadas, cerca de 20 mil pessoas desaparecem no país por ano, 100 mulheres
são estupradas por dia. A Polícia Federal estima que cerca de 80% da
criminalidade seja ligada direta ou indiretamente às drogas: dos massacres aos
ajustes de contas e até o pequeno roubo do celular. "O que está
acontecendo? A segurança pública é de responsabilidade dos Estados, e eles
estão extremamente carentes", afirma.
A
seguir, os principais tópicos da entrevista que Villas Bôas concedeu ao Valor.
Segurança pública
Há
entendimentos incorretos de que as Forças Armadas possam substituir a polícia.
Temos características distintas. Fomos empregados na favela da Maré com efetivo
de quase 3 mil homens por 14 meses. No Alemão, 18 meses. É um emprego das
Forças Armadas que não soluciona o problema. Nossa ação se destina a criar
condições para que outros setores do governo adotem medidas de caráter
econômico-social que alterem essa realidade.
O que
tem acontecido? A ideia de que, se eu emprego as Forças Armadas, o problema
está resolvido. Ficou nítido na Maré, onde permanecemos por 14 meses: a
operação custou R$ 1 milhão por dia, ou seja R$ 400 milhões. Quando saímos, uma
semana depois tudo tinha voltado a ser como antes. Entendemos que esses
empregos pontuais são inevitáveis, porque as estruturas de segurança nos
Estados estão deterioradas. Nossa preocupação é que essa participação seja
restrita e delimitada no tempo e no espaço, com tarefas estabelecidas e sempre
com o entendimento de que não substituímos a polícia.
Emprego das Forças Armadas
A defesa
não é atribuição exclusiva dos militares. É de todos os setores da sociedade
que devem contribuir e participar. Nosso emprego está no artigo 142 da
Constituição da Garantia da Lei e da Ordem. No entanto, nosso pessoal não tem a
proteção jurídica adequada. A Justiça e o Ministério Público entendem que o
emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não se trata de
atividade de natureza militar e sim, policial.
Não é verdade. Quando o emprego da estrutura policial não for suficiente, se emprega outra instância, as Forças Armadas. Mas, ao não exigir que se adote o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, a lei não nos proporciona a proteção jurídica necessária. Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri.
Não é verdade. Quando o emprego da estrutura policial não for suficiente, se emprega outra instância, as Forças Armadas. Mas, ao não exigir que se adote o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, a lei não nos proporciona a proteção jurídica necessária. Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri.
Crise na política
Esse
processo que o Brasil vem enfrentando está atingindo nossa essência e nossa
identidade. Tem outro componente, que vem de processo histórico recente, das
décadas de 70, 80. Até então, o país tinha identidade forte, sentido de
projeto, ideologia de desenvolvimento. Perdeu isso. Hoje somos um país que está
à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser. Por
isso, o interesse público, a sociedade está tão dividida e tem Estado
subordinado a interesses setoriais.
Lava-Jato
Lava-Jato
Acho
importante todo esse processo que estamos vivendo em decorrência da Lava-Jato e
de outras operações. A Lava-Jato é a esperança de que se produza no país
mudança nesse aspecto ético que está atingindo nosso cerne, que relativiza e
deteriora nossos valores. Daí a importância desse protagonismo que a Justiça e
o Ministério Público estão tendo. Esse processo é fundamental para o
prosseguimento do país. E aí você me pergunta: o que pode acontecer se a
Lava-Jato atingir a todos indiscriminadamente? Que seja. Esse é o preço que tem
que se pagar. Esperamos que tenha um efeito educativo.
Intervenção militar
Interpreto
o desejo daqueles que pedem intervenção militar ao fato de as Forças Armadas
serem identificadas como reduto onde esses valores foram preservados. No
entendimento que temos, e que talvez essa seja a diferença em relação a 1964, é
que o país tem instituições funcionando. O Brasil é um país mais complexo e
sofisticado do que era. Existe um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a
sociedade de ser tutelada. Não pode haver atalhos nesse caminho. A sociedade
tem que buscar esse caminho, tem que aprender por si. Jamais seremos causadores
de alguma instabilidade.
Narcotráfico
A
Polícia Federal estima que cerca de 80% da criminalidade seja ligada direta ou
indiretamente à droga. Outro aspecto: a droga é a origem de quase todos os
problemas. O Amazonas já virou grande corredor de passagem de drogas. O
controle dessas rotas é que está sendo disputado, inclusive nos presídios,
pelas facções. Para combater isso é preciso que o governo estabeleça política
antidrogas, multidisciplinar, que envolva educação, saúde, assistência social,
segurança, inteligência, defesa. Também temos que estimular a integração com os
países vizinhos. O Brasil que era corredor de passagem hoje é o segundo maior
consumidor de drogas do mundo. O tráfico no Brasil está se organizando, se
cartelizando, e aumentou sua capacidade de contaminar outras instituições do
país.
Descriminalização das drogas
Descriminalização das drogas
Há
estudos abalizados que são a favor e outros, contra. A Sociedade Brasileira de
Psiquiatria é contra. Temos que examinar o que aconteceu em outros lugares.
Sabemos, por exemplo, que em nenhum país se obteve resultado que tenha
melhorado a situação substancialmente. Temos que participar dessa discussão. O
Exército é um setor da sociedade e deve participar. O protagonista, no entanto,
é o Ministério da Justiça. A tarefa constitucional é dele.
Segurança nas fronteiras
Estamos
otimistas com o processo de paz na Colômbia, mas preocupados. Sabemos que
algumas frentes não vão aderir. Existe a possibilidade de membros das Farc se
juntarem a outras estruturas de guerrilha, como a Frente de Libertação Nacional
ou guerrilhas urbanas. Temos uma incerteza, que vai exigir atenção muito maior
para essa área: desde que se iniciaram as conversações de paz houve aumento das
áreas de plantio na Colômbia. É importante destacar que temos 17 mil km de
fronteiras. Fisicamente é impossível vigiar essa área. Sabemos que o caminho é
buscar na tecnologia, como o Sisfron [Sistema Integrado de Monitoramento das
Fronteiras], que é fundamental.
Eleições em 2018
A
situação que estamos vivendo no país estabelece grande probabilidade de termos
candidatos de caráter populista, porque a população está insatisfeita. Vemos
surgir outro fenômeno - é natural que se faça um paralelo com os EUA, onde a
sociedade não vê jamais as suas necessidades e o seu pensamento serem expressos
por alguém. Quando surge alguém que fale coisas, mesmo que elas sejam não
aceitáveis, mas que vão ao encontro daquilo que as pessoas pensam de uma
maneira geral, corremos, sim, o risco de termos um candidato de caráter
populista. E isso é muito preocupante.
Reforma da Previdência
Reforma da Previdência
No caso
dos militares, a lei complementar vai estabelecer uma série de regras em
relação à nossa previdência que estão em estudo, como o aumento e a adequação
do tempo de serviço mínimo para a aposentadoria. O Estado deve entender que, se
pretende contar com instituições a qualquer momento, em qualquer horário, de
qualquer maneira, essa instituição tem que ter características especiais. Nosso
contrato social nos dá prerrogativas para que possamos cumprir esse papel
diferenciado. Não temos direito à sindicalização, à greve.
Ninguém
aqui quer pressionar o governo, mas, se somos colocados no regime da
previdência, abriremos margem para que os militares reivindiquem oito horas de
trabalho. Isso vai descaracterizar e inviabilizar a profissão militar. Nós,
militares, abrimos mão de alguns direitos como o FGTS, por exemplo, e, em
contrapartida, a União assume as despesas com nossa inatividade. Temos estudos
mostrando que se tivéssemos esse direito, a União anualmente teria que
dispender R$ 24,7 bilhões.
Nosso
regime previdenciário não tem sistema de proteção social. Contribuímos com 7,5%
para nossa pensão e com 3,5% com saúde e assistência social. Isso corrobora que
não temos regime de previdência e pressupõe planos de benefício e de custeio.
Na inatividade, não temos plano de custeio e continuamos aportando. A União não
nos dá nada. No caso dos demais servidores, a parcela da União pode chegar a
22%. Mas é feito um jogo de informações. Devemos tratar o assunto sem paixões.
As despesas dos militares inativos estão no orçamento fiscal. Não impactam as
contas da previdência. Até 2015, estavam no orçamento da Seguridade Social.
DefesaNet
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