Monica de Bolle
• E se não pudermos contar com a
autonomia do Fed contra uma alta da inflação nos EUA?
No final
da semana passada, Donald Trump assinou decreto que prevê o desmantelamento da
Lei de Dodd-Frank, adotada em 2010. A Lei de Dodd-Frank redesenhou o arcabouço
da regulação financeira nos EUA, cujas falhas foram parcialmente responsáveis
pela crise de 2008.
Embora a
lei tenha se tornado bem mais complexa e de difícil implementação do que sua
formulação original previa, é ela que hoje provê os obstáculos que impedem o
repeteco altamente destrutivo de 2008 (ver A Reforma do Sistema Financeiro
Americano, de Dionisio Dias Carneiro e Monica de Bolle). O desmantelamento
pretendido por Trump – mais uma de suas promessas de campanha – aumentaria
sensivelmente os riscos de que ocorra novo ciclo descontrolado de crédito, como
o que antecedeu a última crise. Tal medida, junto com a expansão pretendida da
política fiscal, e com investidas contra instituições, torna os EUA cada vez
mais com cara de país emergente.
Antes de
prosseguir, vale elencar as principais medidas econômicas no plano de Trump.
São elas: (i) investir cerca de US$ 1 trilhão em infraestrutura, com o objetivo
de criar empregos não só na construção civil, mas no setor de aço, atendendo às
demandas dos Estados que formam o cinturão de ferro dos EUA; (ii) reduzir os
impostos corporativos para 15% em média, dos 35% atuais, usando recursos
provenientes da repatriação de 10% do lucro de empresas com operações fora dos
EUA para financiar o corte; (iii) simplificar o sistema tributário corporativo
reduzindo as faixas de tributação de sete para três, além de revogar os
impostos sobre imóveis; (iv) reduzir o ônus regulatório, sobretudo o que pesa
sobre as instituições financeiras, revogando partes da Lei de Dodd-Frank; (v)
introduzir novas tarifas sobre importações, possivelmente na forma de um novo
imposto para ajustar diferenças tarifárias transfronteiras; renegociar o Nafta;
elevar para 45% as tarifas sobre os produtos chineses.
As
medidas (i) a (iv), se implantadas conforme formuladas, provavelmente
induziriam um forte ciclo de expansão fiscal e creditícia, um “boom” duplo
qualitativamente bastante parecido com o que vimos no Brasil entre 2011 e 2014,
minuciosamente detalhado em meu livro Como Matar a Borboleta- Azul: Uma Crônica
da Era Dilma. Como hoje a taxa de desemprego americana está bastante baixa, o
estímulo adicional produzido por uma expansão do crédito e da política fiscal
poderia acabar desaguando em quadro de maior pressão inflacionária. Hoje,
presume-se que o Banco Central americano, o Fed, agiria para impedir que a
inflação subisse além dos 2% – a meta. Mas, e se essa presunção for ingênua? E
se não pudermos contar com a autonomia da autoridade monetária americana, da
mesma maneira que tivemos de abandonar a ideia de autonomia do BC brasileiro
durante os anos Dilma?
A
pergunta não é retórica. Na semana passada, em meio aos anúncios de decretos
assinados e à confusão provocada pela proibição de vistos para sete países de
maioria muçulmana, fato dos mais relevantes foi ofuscado. O líder do Congresso
responsável pelo comitê que lida com assuntos do sistema financeiro enviou
carta bastante contundente para a dirigente do Fed, Janet Yellen. Diz um
trecho: “Apesar da mensagem bastante clara dada pelo presidente Donald Trump
sobre a necessidade de priorizar os interesses da América nas negociações
internacionais, parece que o Federal Reserve continua envolvido na negociação
de padrões regulatórios internacionais com burocratas globais em terras
estrangeiras, sem a devida transparência ou autoridade para fazê-lo. Isso é
inaceitável”. Vejam bem: um importante congressista americano, responsável por
assuntos financeiros, enviou uma carta ao Fed advertindo a autoridade monetária
e dizendo claramente que ela não tem autonomia para conduzir negociações que
deveriam estar em sua alçada. Para um país desenvolvido, isso é inaceitável.
Já
afirmei aqui nesse espaço que as políticas econômicas de Trump têm um quê de
Nova Matriz Econômica. Dessa vez, arrisco-me a ir mais longe: os EUA estão
perto de tornar-se uma verdadeira potência emergente. Todos sabemos o que pode
acontecer com potências emergentes. Afinal, já fomos uma delas.
O Estado de S. Paulo
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