Luiz Flávio Gomes
Temer
nomeou (no dia 30/12/16) o candidato indicado por Renan Calheiros e Gilmar
Mendes para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A cleptocracia institucional
brasileira, tal como o polvo, finca seus pés em todos os espaços do poder. Isso
se faz pelo apadrinhamento, que é uma espécie de clientelismo, que faz parte do
patrimonialismo (forma de governar que confunde o público com o privado).
Mesmo
que o professor da PUC-SP (Henrique Ávila) seja um bom nome (isso é algo que a
população não sabe, por falta de transparência no processo de nomeação
puramente político), a forma da indicação e escolha dos membros do Poder
Judiciário (e outros órgãos de controle e fiscalização) está completamente
errada.
Os reis
faziam essas nomeações políticas e o Judiciário desse tempo era imprestável.
Qual o problema? O método é viciado. Todos os vícios somados estão na origem do
Brasil que estamos vendo em 2017 (recessão, desemprego, baixo crescimento
econômico, ridículo desenvolvimento humano, desigualdade brutal, violência,
roubalheira do dinheiro público para o bolso de poucos etc.).
A
nomeação política unida ao apadrinhamento é nitidamente antirrepublicana
(porque abre muito espaço para conchavos e conluios, não apenas no momento da
escolha, senão depois também). É um canal aberto para a corrupção (que só
excepcionalmente pode não acontecer).
O
apadrinhamento e a indicação política fazem parte da correia de transmissão que
retroalimenta a cleptocracia das influências, da impunidade, das conivências,
das amizades, dos “acertos”.
A
sociedade civil não pode mais aceitar essa indecorosa maneira de preencher os
mais relevantes cargos públicos do Estado relacionados com o controle e a fiscalização
de todos os poderes.
Dilma nomeou ministro para favorecer
Odebrecht
Dilma
Rousseff (consoante delação de Delcídio do Amaral) teria nomeado o ministro
Marcelo Navarro para o STJ sob a promessa de ele votar pela soltura de
empreiteiros presos na Lava Jato (Marcelo Odebrecht e presidente da Andrade
Gutierrez).
Efetivamente
seu voto foi favorável ao ex-presidente da Odebrecht. Mas ele foi voto vencido.
A trama toda, ainda segundo Delcídio, seria do conhecimento do ministro
Francisco Falcão (então presidente do STJ).
Até hoje
não temos investigações conclusivas sobre tudo isso. Dilma teria usado seus
poderes legais para conspurcar a honradez da magistratura e favorecer
cleptocratamente financiadores da sua campanha. A demora nas investigações faz
parte da cleptocracia institucional que acoberta a cleptocracia da rapina, da
roubalheira.
O
sistema de nomeações políticas para cargos de controle e fiscalização dos
poderes e agentes estatais (a começar pelas nomeações ao próprio STF) tende a
ser um descalabro em qualquer país do planeta (veja o caso obsceno da Espanha,
por exemplo), mas alcança patamares nitidamente indecorosos quando se trata de
um país agudamente cleptocrata.
Temer vai nomear dois ministros para
o TSE
No
próximo mês de maio/17 o presidente Temer irá nomear (por esse processo
viciado) dois novos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, por onde
tramita o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, em virtude da desavergonhada
e criminosa campanha eleitoral de 2014 (regada a propinas decorrentes do
superfaturamento de contratos com estatais).
O
escândalo é o seguinte: Temer vai nomear os juízes que vão julgá-lo. O STF faz
uma lista tríplice e o presidente escolhe. Haverá imparcialidade no julgamento?
A
substituição de dois dos sete ministros do TSE pelas regras tradicionais “é
vista como um trunfo do governo Temer contra a ameaça de cassação da chapa
Dilma Rousseff-Michel Temer. Interlocutores do presidente dizem que ele espera
essa indicação para garantir uma margem folgada no TSE caso a cassação da chapa
vá a julgamento. A estratégia do governo é empurrar o caso até maio, quando
Temer poderá ter maioria folgada no colegiado, indicando dois novos integrantes
da corte” (Estadão, 23/12/16).
Pode
haver surpresa (quando do julgamento do mensalão o PT tinha nomeado 8 dos 11
ministros do Supremo e, no final, uma decisão independente mandou 25 pessoas
para a prisão).
Essa
surpresa pode ocorrer no caso Temer-TSE. Por enquanto, no entanto, todas as
suspeitas do tradicional favorecimento cleptocrata institucional (que as elites
sabem manobrar muito bem) pairam sobre os ares da República.
Mudança de critério
O STF
tentou, em 2012 (por proposta regimental de Cezar Peluso), mudar a forma de
indicação dos ministros juristas para o TSE. Cada ministro indicaria dois nomes
e, no final, o Plenário formaria a lista tríplice (os três mais votados).
Lewandowski pediu vista e ficou com o processo durante quatro anos (Estadão,
23/12/16).
O pedido
de vista, sobretudo no STF, virou perdido de vista, equiparável ao poder de
veto. O voto do ministro Lewandowski, finalmente, foi favorável à mudança.
Desde agosto/16 o processo agora está com Dias Toffoli (por força de novo
pedido de vista).
O mais
pronto possível o tema deve ser deliberado pelo STF (e a ministra Cármen Lúcia
é a grande responsável por colocar a matéria em pauta). Se deixar para depois
de maio (depois que Michel Temer nomear dois ministros), com certeza será por
força de mais um lastimável conchavo cleptocrata institucional dentro do STF.
Isso denigre, é claro, toda magistratura (e deveria ser evitado a todo custo).
Tripartição e independência dos
poderes
Do ponto
de vista formal a República Federativa do Brasil tem na separação dos poderes
(Legislativo, Executivo e Judicial) a base do Estado Democrático de Direito. Na
realidade, essa separação está longe de ser uma verdade incontestável.
O que
temos no Brasil é uma cleptocracia institucional que ampara e acoberta a
cleptocracia da rapina, da pilhagem e do enriquecimento politicamente
favorecido. Como se vê, a cleptocracia é bípede. Sem o pé do acobertamento o pé
da rapinagem não faria muito sucesso.
Todo
“poder” que depende do dinheiro do caixa central do Estado constitui um “meio-poder”.
A falta de independência financeira assim como a politização dos máximos órgãos
judiciais dá abertura para a manutenção ou o incremento de uma república
cleptocrata, que todos nós (ressalvados os beneficiários dela) gostaríamos de
varrer da nossa história.
A ideia
da separação dos poderes foi consolidada no século XVIII e defendida
brilhantemente (no livro O Espírito das Leis, de 1748) por Charles de
Secondat, conhecido como barão de Montesquieu (1689-1755).
A
vergonhosa “Justiça” manipulada descaradamente pelos monarcas ensinou que ela
não pode estar subordinada aos políticos. Cada poder tem a função de controlar
os demais. Daí o sistema de “pesos e contrapesos” desenvolvido no século XVII
por John Locke (na Inglaterra).
A
existência da Justiça se explica porque os humanos precisam se defender dos
ataques, dos abusos, da prepotência e da fraude dos outros humanos. E quando o
agressor é o próprio Estado? Quem vigia o Estado vigilante (como era chamado
por Stuart Mill)?
Somente
os juízes (e os demais órgãos da Justiça) são capazes, dentro do Estado de
Direito, de controlar e, eventualmente, punir pelos seus abusos e
arbitrariedades os donos do poder (político, administrativo, militar,
econômico, financeiro e corporativo).
A
escolha e a nomeação “política” dos ministros dos tribunais superiores (assim
como de outros órgãos de controle e fiscalização) pelo Presidente da República
(como ainda hoje acontece no Brasil) retratam um dos mais graves defeitos na
nossa Justiça. Há outros, mas esse é bastante grave. É vício que vem da
monarquia.
Esse
vício da “indicação e escolha política” do juiz faz com que a separação dos
poderes seja, quase sempre, uma utopia. Nesse sentido, se parece com a
democracia real (ou republicana): é uma quimera. Quando mais cresce a
cleptocracia menor fica a democracia.
O
sistema de investidura dos ministros (e outros cargos de controle) em suas
funções merece aprimoramento, porque frequentemente eles são chamados a julgar
os atos da presidência ou de integrantes do seu partido.
As
castas (os donos cleptocratas dos poderes político, administrativo, militar,
econômico, financeiro e corporativo), que já contam – alguns deles – com foro
especial, não podem também escolher “seus juízes” (que com elas possuem
afinidades, no mínimo, ideológicas ou a mesma visão de mundo). A combinação do
foro privilegiado + nomeação do juiz que vai julgar o nomeante é uma
clepto-nitroglicerina pura.
A
Justiça, antes de tudo, tem que ser independente frente ao governo e ao
legislador. Onde os juízes não são independentes, só resulta a “harmonia”, que
não passa de subserviência ou clepto-conivência.
Quando o
governo espanhol propôs uma profunda reforma do Judiciário (1985) para
subordiná-lo ao governo (assim é até hoje), todos perguntavam pela separação
dos poderes. O sincericídio do vice-presidente Alfonso Guerra, em defesa da
reforma, foi impressionante: “Montesquieu já morreu”. Assim se exerce o poder
nas cleptocracias.
Se não
queremos desistir do Brasil, deveríamos pensar em uma grande quantidade de
reformas plausíveis, sobretudo naquelas que possam contribuir para retirar do
seu curriculum a fama de república cleptocrata. Mas isso jamais vai ocorrer sem
muita pressão popular (das ruas e das redes sociais).
Como garantir a independência dos
ministros (e outros controladores e fiscais dos poderes)? O sorteio.
Diante
da vacância de um cargo, deveria o STF abrir um concurso público. Dentre todos
os que superarem a nota de corte e que preencherem os requisitos
constitucionais, o Plenário do STF faria uma lista sêxtupla.
Ao
Congresso Nacional caberia analisar, em seguida, com toda transparência, o
curriculum e a vida profissional de cada postulante (dentro de prazo certo),
fazendo-se as devidas arguições públicas (o que possibilita o controle
democrático). As redes também opinariam, obviamente.
Após
essa aprovação pública e democrática de cada candidato, segundo a perspectiva
da meritocracia, haveria sorteio para a escolha do ministro, a ser nomeado pelo
presidente do STF. Sorteio?
Garantida
a idoneidade de todos os candidatos aprovados, é indiferente para a República a
pessoa concreta a ser nomeada. Todas estão aptas para o exercício do cargo (em
razão dos filtros qualificativos do STF e do CN).
O
sorteio tem a virtude de evitar a escolha “a dedo” (que na teoria e, muitas
vezes, na prática destrói a legitimidade da independência do juiz). A sorte
permite o exercício da jurisdição com absoluta independência.
Outro
ponto relevante é fixar um limite máximo de duração do exercício do
cargo. Reforçar as instituições da República e buscar o aprimoramento
educacional do povo em geral, além de lutar pela independência e transparência
dos órgãos do controle jurídico dos demais poderes, é o caminho adequado para o
contundente combate da cleptocracia.
A
magistratura subserviente é um ser disforme, diabólico, movido pelo medo ou
pela paixão. Um “juiz” desse jaez pode ser tudo, menos “juiz”.
Catve.com